MARCELA LEONE JAMAIS seria descrita pelos poucos que a conheciam como uma pessoa matinal.
Não que tivesse escolha, é claro. Por ordem e decreto de sua madrasta, a garota tinha que acordar pelo menos uma hora mais cedo, todos os dias, e preparar o café da manhã para a digníssima e suas filhas.
A justificativa da madrasta era simples: cozinhar era uma habilidade valiosa, e todo jovem adulto que se prezasse deveria aprender.
Marcela só não sabia como a madrasta chegara a essa conclusão, porque Andrea Leone nunca havia esquentado a barriga no fogão nem para ferver uma água. E não é como se a habilidade valiosa estivesse sendo exigida de Maria Antônia e Maria Alice, que tinham a mesma idade de Marcela.
Todavia, a experiência havia provado para a garota que, ao contrário do discurso motivacional que a madrasta usava para não ter que pagar pelo serviço doméstico que explorava, não havia nada de precioso em passar a manhã inteira se certificando de que não descumpriria nenhuma das rigorosas restrições dietéticas de suas três colegas de casa.
Andrea não comia glúten nem lactose. As gêmeas eram vegetarianas. As três se recusavam a ingerir comida industrializada ou a pedir refeições prontas. Segundo as gêmeas, "delivery tem gosto de caixa".
Tentar conciliar todas essas exigências é o que fazia com que tudo que sucedesse a hora que Marcela acordava fosse a parte menos favorita do seu dia.
Ela evitava pensar, com amargura, em como as coisas eram diferentes quando seu pai estava vivo. Marcelo Leone sempre dava um jeito de tornar as manhãs especiais, mesmo que fossem de uma terça-feira qualquer. Acordava Marcela e as gêmeas (necessariamente nessa ordem) sempre uma hora mais cedo, com um beijo na testa. Pedia que respirassem fundo, e depois dissessem qual era o cheiro que estavam sentido.
Panquecas, waffles de banana, pão de queijo, e sempre aquele cheirinho de café da roça, que o pai trazia da casa da vovó, que ficava no interior.
Desde que o pai e melhor amigo da garota se foi, Andrea, que antes não via o menor problema em acordar cedo, não se levantava antes do sol nem se a casa pegasse fogo.
Então, em substituição ao ritual matinal que antes era um comercial de margarina, a madrasta, ditadora que era, impôs a Marcela uma nova rotina: ela estava incumbida de se certificar de que Andrea tivesse a manhã perfeita, todos os dias.
Isso significava duas coisas. Uma, é que Marcela tinha a responsabilidade de fazer o café da manhã, arrumar a cozinha e passar o terninho do dia para a madrasta, tudo isso antes mesmo que a adolescente se aprontasse para a escola. Atrasos jamais seriam tolerados e, caso Marcela perdesse a primeira aula, Andrea desligaria a internet uma hora mais cedo à noite, privando a garota de praticamente sua única forma de socialização.
E, duas: que Marcela faria tudo sozinha, porque as gêmeas sempre estavam dormindo em pé ou de ressaca. Não por falta de tentativa, da parte de Andrea, para que as filhas fizessem alguma coisa. Mas Antônia e Alice dominavam a arte de fazer tudo malfeito, para que Marcela fosse obrigada a refazer as tarefas de todo modo.
Marcela não sabia se as gêmeas simplesmente não tinham aptidão para os assuntos da casa, ou se o faziam de propósito.
Como no Mundo Real não havia varinhas de condão, Marcela estava impossibilitada de passar magicamente um café enquanto ganhava cinco minutos a mais de sono merecido.
Por essa razão, o alarme de seu celular berrava em seus ouvidos, todos os dias, pontualmente às cinco da manhã.
Marcela deslizou o dedo pela tela, resmungando. Desbloqueou o celular sem notificações, como se isso fosse mudar o fato de que esperava – não, ansiava – por uma mensagem de alguém que não tinha enviado nenhuma.
Alguém que provavelmente nem estava acordado ainda, porque tinha uma mãe e não uma patroa, como ela. Alguém que, em algum lugar do país, dormia em um quarto propriamente dito, não em um cafofo improvisado no sótão, com um colchão sem cama encostado na parede e luzes de natal decorando o teto pequeno e rebaixado, ofuscadas pela luz do dia que penetrava pela janela estilo alçapão. Sem cortina.
Alguém que tinha chegado cansado do treino de basquete, a quem seriam concedidos os desejados minutos a mais de sono por pais amorosos, que preparariam seu café da manhã saboroso e nutritivo para se certificarem de que o filho querido teria um proveitoso dia de escola.
Marcela deu de ombros para si mesma, frustrada, e esfregou os olhos. Ela se ergueu da cama improvisada e pegou, na arara que usava como guarda-roupa, uma calça jeans e uma camiseta do uniforme. Então, se dirigiu à caixa em que guardava roupas íntimas e separou um par, além de meias.
A garota embolou o cabelo loiro e cacheado em um coque preguiçoso, ainda de pijama, e desceu pelas escadas estilo marinheiro do sótão, e depois pelas opulentas escadas de madeira escura que conectavam o primeiro andar e o segundo. Foi até a cozinha para preparar o café da manhã conforme as instruções pregadas na geladeira: café com leite de soja e uma pitada de canela, pudim de chia com bananas para Antônia e Alice, e omelete de cogumelos para Andrea.
Marcela dispôs a mesa do café, se certificando de que a louça combinava com a toalha para não engatilhar a madame com itens de cozinha que não harmonizam cromaticamente. Ajustou os talheres e centralizou a garrafa de café na mesa. Depois, foi até a lavanderia para passar o terninho tweed azul celeste de Andrea.
Foi quando ouviu o primeiro grito.
𖥔‧₊˚ ⊹˖ ࣪ ⊹*:・゚✮
n/a: hey babesssssss! mais uma aventura se inicia. que ano, hein?
sua escritora deixou essa história engavetada por tempo demais. já chega. está na hora de vocês conhecerem a minha adorável cinderela.
espero que gostem!
com amor, B
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Cinderela às avessas
Teen FictionPalácios, vestidos brilhantes e sapatinhos de cristal não fazem parte da realidade de Marcela Leone. Órfã de mãe desde bebê e de pai pela metade de sua vida, a garota foi obrigada a convencer seu coração sonhador de que não há fadas madrinhas ou prí...