11 | encantamento desfeito

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QUE COINCINDÊNCIA ESTRANHA, a voz na cabeça de Marcela falou, sem conseguir processar direito as palavras da mãe de Theo enquanto encarava, hipnotizada, a estante de livros e a cadeira de veludo na chamada de vídeo.

Jonas era o nome do irmão de Giorgia Levi, a aniversariante do momento. Amigo das gêmeas. O mauricinho pomposo, que se vestia como se fosse um publicitário da década de cinquenta.

O mesmo garoto que entregaria os convites para o aniversário de dezoito anos da irmã, naquela mesma noite, segundo a fofoca que Marcela entreouviu no banheiro.

Não era um nome tão comum. E era a segunda vez que a garota o ouvia no mesmo dia.

De fato, uma coincidência muito estranha.

Atenta, Marcela ouviu, pelos fones, um ruído persistente. Parecia o som de água corrente em um chuveiro, como se alguém estivesse no banho. Theo?, seu rosto corou na câmera frontal quando esse pensamento surgiu.

A suspeita de que ele pudesse ser um pervertido que só queria aterrorizá-la com conteúdo adulto não solicitado engatilhou uma onda de ansiedade na garota. E todo seu corpo reagiu, entrando em estado de alerta. Marcela se forçou a inspirar e exalar algumas vezes para se recompor.

Só então notou que a mulher ainda estava falando ao fundo de chamada.

— Desculpe, querido — a mulher se dirigia ao tal Jonas, Marcela supôs. — Estou ouvindo o chuveiro, não tinha percebido antes.

— Imagine, madame. Eu devia ter mandado uma mensagem para avisar que já estava chegando. — Fez educadamente uma voz profunda e grave, mas claramente pertencente a um garoto jovem. Ufa. As chances de Theo ser um adulto pervertido que gostava de enganar jovens inocentes eram menores, se estava recebendo visitas de adolescentes.

— Quanta falta de educação lhe deixar esperando — a voz feminina se lamentou.

— Eu não me importo, não se preocupe.

— Como é bom te ver! — Exclamou a mulher, mudando abruptamente de assunto. — Está se tornando um belo rapaz, e sempre se veste de maneira tão apropriada.

O garoto não respondeu, certamente constrangido. A senhora – mãe de Theo? – não perdeu sua animação ao prosseguir a conversa, indiferente ao fato de que o estava deixando desconfortável.

Foi quanto a mulher sem rosto soltou uma frase, inofensiva para quaisquer outros ouvidos, mas catastrófica para os de Marcela Leone:

— E como está o Levi? Não o vejo seu pai faz tempo.

Um frio percorreu a espinha da garota.

Estranho demais para ser coincidência, de fato.

Primeiro nome? Pode até ser. Nome e sobrenome? Nem tanto.

Levi.

Como em Jonas Levi. E Giorgia Levi.

Como em pessoas que a garota conhecia, e que estudavam ou tinham estudado na mesma escola que ela no ensino médio.

Theo estava recebendo a visita do garoto que Marcela sabia que visitaria os amigos do círculo mais íntimo dele e de sua irmã para entregar convites para sua festa de aniversário. No colégio, não se falava em outra coisa.

Não pode ser.

Mas talvez fosse.

Com o celular pregado em uma das mãos, ela sentiu seus ombros se enrijecerem e uma onda de pânico a acometeu. Por mais aterrorizada que estivesse, não conseguia interromper a chamada. Sabia que se arrependeria no segundo em que desligasse o telefone.

— Viajando como sempre. — Jonas respondeu sem muito interesse.

Marcela ainda estava boquiaberta, esperando a hora em que o garoto apareceria, torcendo para que ele passasse na frente da câmera e ela confirmasse que seria alguém completamente diferente do Jonas Levi que eu conhecia. E tudo não passaria de uma coincidência infeliz.

Theo podia muito bem conhecer um Jonas Levi também, ela argumentou consigo mesma. Desesperada. Era um país enorme. Certamente havia mais de um Jonas Levi em um estado-nação de proporções continentais.

Isso não significava que a visita que Theo recebia era o mesmo Jonas Levi que... bem... que um dos babacas do colégio. Um dos mauricinhos que apavoravam os corredores da escola, tirando sarro de pessoas que não tinham as mesmas condições financeiras ou traquejo social.

Porque isso significaria que Theo também era um desses babacas.

E isso simplesmente não podia ser verdade.

— Mande lembranças — diz a mulher com ternura, e passa a conversar novamente com o garoto. — Você não deveria ser um estranho, Jonas. Venha jantar conosco qualquer dia.

— Eu virei, madame.

— Pode esperar aqui no escritório. Vou te deixar à vontade. Se quiser um café, pode usar a cafeteira de lá. Tem cápsulas na primeira gaveta.

Uma figura magra e de pele pálida se ajeitou diante da tela do celular após alguns segundos de silêncios, exceto pelo barulho do chuveiro.

Jonas se sentou, sem prestar atenção aos seus arredores, digitando habilmente o que Marcela concluiu ser uma mensagem no celular. Seus cabelos loiros estavam penteados no estilo de sempre, com um pouco de pomada, os fios elegantemente domados sem perderem as belas ondas. A camisa de botões branca que era sua assinatura estava com uns três botões abertos.

Mesmo sem ver seus olhos, as dúvidas de Marcela sumiram e certezas apareceram.

Jonas Levi, o mauricinho da escola. Ela o reconheceria em qualquer lugar.

O que significava que Theo morava na mesma cidade que ela. Provavelmente estudavam na mesma escola – isso supondo que ele não havia mentido sobre ainda estar na escola.

E ele estaria na festa de aniversário de Giorgia Levi dentro de apenas um mês.

— Seu celular está ligado em uma chamada de vídeo? — a voz de Jonas Levi a pegou de sobressalto quando o garoto fez a pergunta. Seu perfil na chamada de vídeo estava virado para a direita. O ruído do chuveiro deixou de ser ruído ambiente na chamada.

Marcela conseguiu reagir e virar a tela do celular para o teto. Não queria que Jonas visse seu rosto. Teria sido rápida o bastante? Talvez Jonas a tivesse visto, ainda que de relance. Seria o suficiente para que ele a reconhecesse da escola?

Ela duvidava muito.

— O que foi? Por que você está agindo assim? — Jonas falou à pessoa que tinha se juntado a ele. — De quem é esse celular?

E, então, Marcela perdeu toda a imagem, e todo o som.

𖥔‧₊˚ ⊹˖ ࣪ ⊹*:・゚✮

n/a: 😧

quem tinha uma teoria de que aconteceria algo assim?

com amor, B

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Cinderela às avessasOnde histórias criam vida. Descubra agora