3 | a madrasta malvada

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O CORAÇÃO DE Marcela deu um salto, errou uma batida, se comprimiu contra suas costelas. Ela já devia ter se acostumado com a sensação, considerando que as mensagens que recebia eram rotineiras. Mas a garota adorava receber mensagens de bom dia, em especial pois, em sua casa, a última vez que alguém deu bom dia para alguém foi quando ela tinha oito anos de idade.

Mensagens de bom dia vindas de seu príncipe encantado, então, eram suas favoritas. Todos os dias, a mensagem daquele remetente em particular tinha o mesmo efeito em seu espírito.

Caos absoluto.

Marcela, no entanto, não teve tempo de sorrir para a tela e esboçar uma resposta. A madrasta logo gritou seu nome, e nem mesmo a bela voz de Lucy Hale, ressoando em seus fones de ouvido com a sua canção favorita do filme releitura de Cinderela que a atriz protagonizara, seria capaz de se sobrepor àquele guincho histérico.

A julgar pelo tom estressado e maníaco de Andrea, Marcela advinhou que a madrasta já estava na cozinha, surtando porque os temperos não estavam organizados em ordem alfabética.

— Marcela! — A voz de Andrea era de perfurar os tímpados. — Isso é leite de amêndoas no meu pudim de chia?

Ela bufou, frustrada.

Quem dera Marcela fosse a Bela Adormecida.

Ela ao menos podia dormir.

Ella: Acho que você se confundiu com os contos de fadas, Príncipe. Vai ver você está acordando a princesa errada.

Marcela deixou o celular de lado, enfiando-o de qualquer jeito no bolso das calças que tinha acabado de vestir. Marchou até a cozinha, já exibindo o uniforme do prestigioso Colégio André Ruschi, mas com os pés ainda calçados por pantufas de segunda mão em formato de camundongos com orelhas redondas.

Ela aceitaria um total de zero julgamentos quanto às pantufas. Primeiro, porque é muito difícil achar essas coisas fofinhas em seu número de calçado. Segundo, porque as pantufas eram mesmo muito fofas e, naquele momento, correspondiam à sua peça favorita em seu limitado guarda-roupa.

Marcela apareceu na cozinha sem dizer uma palavra para verificar o incidente. Não se lembrava de ter que fazer pudim de chia também para a madrasta, que desprezava leite de amêndoas. Nas refeições dela, a garota usava o de castanha de caju.

Percorreu com os olhos o cronograma alimentar fixado na geladeira.

— O pudim é das gêmeas — explicou, sem inflexão nenhuma em seu tom de voz. Então, se virou para Andrea, que encarava o potinho em suas mãos, confusa. Só então ela identificou a omelete centralizada na mesa, esse sim sua refeição pré-programada.

Sem se desculpar pelo transtorno, Andrea se pôs a comer a omelete. Marcela exalou, aliviada. Se tivesse que refazer o café da manhã da patroa, este certamente não seria servido antes do horário em que Andrea sairia para a academia, e Marcela perderia a carona para o colégio.

Um arrepio lhe percorreu a espinha com aquele pensamento.

Eca, o colégio. Aquele ambiente só não conseguia ser pior que sua própria casa. Ela estava grata por faltar somente um dia para o fim de semana. Ainda assim, teria de sobreviver à escola antes de ter preciosos dois dias e meio inteiros só para si.

Bem, para si, e para a tarefa doméstica que a madrasta a comandasse fazer. No último fim de semana, tinha sido podar a grama do quintal. No penúltimo, espanar os incontáveis livros da biblioteca da finada mãe de Marcela, a qual, por algum motivo, permanecia intacta após seu pai ter partido. Era praticamente um milagre que Andrea não tivesse transformado o cômodo em um estúdio de pilates ou algo do tipo.

Cinderela às avessasOnde histórias criam vida. Descubra agora