ANTÔNIA E ALICE tinham uma regra muito clara sobre a chegada ao colégio ao lado de Marcela: em hipótese nenhuma isso podia acontecer.
Então, a madrasta deixava a garota em um ponto de ônibus a duas quadras dos portões de entrada, para que ela caminhasse sozinha até a escola e apenas chegasse, estrategicamente, minutos depois das gêmeas. O bastante para gerar uma dúvida razoável. Com isso, não haveria sequer uma suspeita de que as três tinham algum tipo de relação, moravam na mesma casa, ou que tinham algum parentesco afetivo.
Antes de o pai de Marcela falecer, Andrea e ele estavam discutindo a possibilidade de que Marcelo adotasse Antônia e Alice. Sua intenção era que todos fossem uma família "de verdade". No papel.
Isso nunca chegou a acontecer, então, embora a madrasta e Marcela tivessem o mesmo sobrenome, as gêmeas ainda carregam o nome de solteira da mãe.
Pensar a respeito sempre me dava a Marcela pouco de simpatia pela madrasta. A mulher tinha criado as filhas praticamente sozinha até conhecer seu pai, porque o genitor de Antônia e Alice sumiu no mundo. Quando, finalmente, Andrea encontrou um parceiro tão incrível quanto Marcelo Leone, ele faleceu dentro de seis anos.
Não deve ter sido fácil ter suas expectativas quebradas de maneira tão abrupta, ainda que isso não justificasse o fato de que a madrasta fosse sempre tão... cruel, para dizer o mínimo.
Marcela não se lembrava de como a madrasta costumava ser. Era muito nova, e as poucas memórias que tinha de Andrea não eram de todo ruins. Mas era suspeita para falar. Em sua opinião, todo mundo era melhor quando estava perto de seu pai. Seu julgamento estava comprometido pelo amor eterno que tinha pelo seu melhor amigo.
Ela cruzou os portões da escola, já abafando pensamentos sobre o pai, para evitar as lágrimas.
O Colégio André Ruschi era um dos mais sofisticados da cidade em termos de ensino, e as mensalidades eram caríssimas. Marcela, com suas calças rotas e tênis surrados, destoava um pouco do padrão dos alunos – que, mesmo que precisassem vestir uniforme, usavam mochilas, relógios e celulares cujos preços eram pelo menos cinco vezes o que os acessórios da garota custavam.
Não que alguém notasse. Marcela era perfeitamente invisível.
Em contraste, a chegada de Antônia e Alice era festejada por sua panelinha de amigos populares. Aquele grupinho era a epítome da perfeição adolescente. Poderiam estrelar um seriado, de tão irreais que eram suas aparências.
Ao centro da rodinha, estavam as três garotas que as gêmeas chamavam de melhores amigas. Bárbara Brito era uma espécie de realeza da escola. Sua beleza era inquestionável, com seu cabelo preto, liso e muito longo, traços hispânicos e pele bronzeada. Bárbara tinha perfis muito seguidos nas redes sociais, porque era interessada em fitness e alimentação saudável. Até Marcela pegava uma dica ou outra com a garota, para ajudar na saga de fazer refeições para a madrasta.
As outras duas, Sofie e Lua, eram um casal. Melhor dizendo, eram o casal da escola. Era quase como se as duas fossem famosas, porque o corpo estudantil sabia detalhes sobre elas e as acompanhava com uma dedicação que se assemelhava a uma seita. Marcela, que não sabia que pessoas reais podiam ter shippers, frequentemente ouvia o termo "lufie" sendo usado para comentar sobre as duas.
Os meninos, por sua vez... bem. O motivo pelo qual eram tão populares estava na cara. Literalmente.
Conrado Castellan poderia ser descrito como o líder do grupinho. Da mesma forma que Bárbara era a rainha, o garoto era o rei.
Era um garoto magrelo, branco e muito alto, com cabelos pretos e cacheados que ele usava em um corte descolado. Seu corpo era coberto de tatuagens chamativas, e Conrado sempre usava o uniforme com calças pretas skinny. Sua família era podre de rica, dona de uma gravadora. Boatos de que Conrado já estava sendo treinado pelos tios para se tornar produtor musical, e que tinha até trabalhado com o pai de Lua, um famoso rapper.
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Cinderela às avessas
Teen FictionPalácios, vestidos brilhantes e sapatinhos de cristal não fazem parte da realidade de Marcela Leone. Órfã de mãe desde bebê e de pai pela metade de sua vida, a garota foi obrigada a convencer seu coração sonhador de que não há fadas madrinhas ou prí...