Capítulo 24

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A feiticeira observava as estrelas na torre mais alta, ela precisava de silêncio e do conforto das estrelas. Sua mente e coração brigavam entre si. Ela fora maldosa com Natasha, a verdade é que se a encarasse por muito tempo, a vontade de agarrá-la era quase uma força física.
Como um campo eletromagnético, se desse atenção demais seria envolvida no campo gravitacional da ruiva e seria quase impossível voltar atrás.
Tinha medo de se machucar ainda mais.
Agatha estava quase certa em relação aos sentimentos. Quando começou a busca por trazer Romanoff de volta, era pelo vazio enorme deixado em seu peito. O lugar onde seus sentimentos ambíguos pela agente estavam tinha se transformado em um buraco negro em seu peito.
Sugando a luz, o tempo, tudo ao seu redor e a si próprio. Era algo insuportável, uma dor que era palpável como seu corpo físico. Era uma parte que faltava.
Demorou algum tempo para ela notar que o que sentia em relação a outra era maior que uma atração física, que uma admiração e uma necessidade de ser notada por sua treinadora. E mesmo assim Wanda tinha medo até de pensar naquelas três palavrinhas.
O irônico era que Natasha não precisava ouvir essas palavras para saber, a outra poderia sentir essa explosão cósmica que era o amor de Wanda. Sentir na pele como sentia o ar esvoaçando seus cabelos num vendaval.
Wanda nem precisava se concentrar para saber que Natasha estava a sua procura. Ela sentia o arrependimento da Viúva como se fosse próprio. Sua irritação por não a encontrar só aumentava sua agitação.
E mesmo sentindo pelo laço que compartilhavam as emoções uma da outra, Natasha era confusa e uma caixinha de mistérios a ser resolvida.
— Aí está você – uma voz quase fez Wanda se desequilibrar da parte do telhado que estava sentada.
Wanda manteve-se olhando para o céu.
— Me encontrou – disse suspirando para a Lua brilhante no céu. Natasha com pouco esforço se sentou ao seu lado.
— Você e seu amor pelas estrelas – comentou um pouco acuada se iria ser empurrada no telhado numa explosão de humor da feiticeira.
— Tenho costume de amar o que está longe – a frase saiu mais melancólica que o previsto, mas a bruxinha não se importava.
— Eu estou ao seu lado, bruxinha.
Wanda soltou um suspiro exasperado e rolou os olhos.
— Presunçosa.
— Você não negou! – um sorriso brotava dos lábios rubros da ruiva.
— Você lê minhas emoções, se lembra? – disse o óbvio. — Adianta negar?
— É diferente eu saber e você dizer, Wanda.
— O que você quer, Natasha? – mudou de assunto.
— Quero você, Wanda – imediatamente os olhos verdes a encararam. — Eu fui uma idiota com você. Mas preciso que entenda que eu precisava ter certeza de minhas dúvidas.
— E agora você tem? – o sorriso da outra não chegou a seus olhos. — Você me magoou muito com suas dúvidas, Nat.
— Tive certeza no momento em que fui embora – Natasha não conseguia encará-la. — Achava que nunca seria só eu novamente em minha cabeça, que de alguma forma você tinha influências sobre mim de uma maneira que eu não tivesse escolha se a contrariasse.
— Eu nunca tiraria seu livre arbítrio, deveria me conhecer melhor.
— Eu sei, eu devia! – se tornou suplicante. — Eu peço seu perdão, Wanda. Imploro que me dê uma chance de mostrar o quanto estou arrependida.
Wanda novamente se voltou ao céu e naquele momento uma estrela cadente passou como um clarão na noite escura.
— Faça um pedido! – Natasha se apressou.
A bruxinha não pode evitar um sorriso.
— O que você pediu?
— Se eu contar, não se realiza.
— O meu já se realizou – a Viúva se arriscou a chegar perto até encontrar os ombros da ruiva em volta daquele vestido pecaminoso. — Estar perto de você, mesmo que nunca vá querer algo comigo, é o meu pedido.
Natasha não viu, mas Wanda puxou os lábios em um pequeno sorriso.
— Eu senti sua falta – lhe confessou baixinho e sentiu os dedos da Viúva brincar com os seus.
— Eu também, bruxinha.
 
Ao nascer do Sol, Wanda e Natasha já se encontravam de pé para tomar um café da manhã reforçado. O treinamento delas seria supervisionado por Wong e Strange em pessoa.
A bruxa estava curiosa sobre qual seria o tipo de magia que tentariam lhe ensinar. Natasha já estava com um bolo na garganta, se fosse treinamento físico ou tático não estaria preocupada, mas magia? Seria realmente desafiador.
— Eu preciso retirar sua runa de contenção – Wanda comentou enquanto mordia uma maçã. — Aliás, você teve problemas com ela nesse tempo fora, se bem me recordo – ergueu uma sobrancelha dando a escolha a Natasha de lhe contar ou não.
A ruiva apenas suspirou e assentiu com a cabeça.
—  Eu descobri como contaram ao mundo sobre minha morte.
—  Ah, isso também me deixou com raiva – Wanda alcançava uma xícara para seu primeiro chá do dia. Já a ruiva escolheu a cafeína.
— Depois de tudo que sacrifiquei, morri como uma assassina qualquer.
— O mundo é decepcionante e as pessoas então... - uma risada debochada saiu daqueles lábios atrativos.
— Você não. – a replica não passou de um sussurro que arrancou um mini sorriso da bruxa.
— Não flerte comigo, Romanoff.
— Essa ordem temo não poder acatar, Maximoff.
 
Foram guiadas até uma ala da fortaleza que era particularmente reservada, tinham passado direto pelo pátio principal onde aprendizes já tinham começado seu treinamento diário.
Uma árvore antiga e exuberante embelezava o lugar com suas cores douradas e verdes.
— Como devem suspeitar, há uma diferença entre Magos e Bruxos – Wong começou a andar vagarosamente pelo pequeno pátio. — Magos retiram seu poder, sua magia, entre e das inúmeras dimensões existentes no Cosmos.
— Nossa magia não nasce conosco, ela é adquirida através de anos de estudos e práticas – Stephen não parecia estar satisfeito de ter sido designado para aquela tarefa. — Bruxos, em sua maioria, retiram seu poder de Algo ou Alguém. Uma força maior. Um ser poderoso.
— No caso de sua magia, Wanda, ela veio de um ser em particular, como deve ter conhecimento, e diferente da maioria, você nasceu com ela – Wong continuou a explicação. — Natasha, por consequência, tem uma parcela de seu poder, uma lasca de poder do Caos e os inúmeros efeitos de ter sobrevivido a joia da Alma que é onde concentra seu maior potencial.
— Aqui tentarão o êxito de controlar o incontrolável – Stephen comentou sem inveja de estar diante das criaturas mais poderosas daquele universo. — Entendam que o Caos gera a Ordem. Precisamos dele, não é algo maligno, mas uma força motriz. Cataclísmica que gera tudo que conhecemos.
—Esse poder pode criar e destruir. Dar vida e tirá-la em igual proporção —  a voz de Wong era severa. — Tudo depende do caráter de seu portador. Controle a si mesmo e controlará sua magia. Fortaleçam sua mente, modelem seu corpo e compreendam que a magia tem sua própria vontade. Você é portador e não seu dono.
— Vamos dividir esse treinamento em três – Stephen tinha um sorrisinho maldoso. — Mente, Corpo e Alma. Serão desafios que lhes mostrarão suas fraquezas, aquilo que devem trabalhar em si mesmas.
Wong fez um movimento de dedos e uma mesa de madeira comprida de chá apareceu. Com um bule dourado e duas xícaras de porcelana.
— Essa mistura não é um simples chá. As ervas contidas aqui ajudarão a abrir seus chacras e lhe mostrarão seus piores medos – ele serviu uma xícara. — Usaremos a Dimensão Espelhada para não danificar nossa realidade com possíveis efeitos controversos – outro movimento gracioso de mãos e o mundo estava envolto numa enorme película de vidro e espelhos. —  Quem será a primeira?
Wanda ergueu a mão. Era a sua versão do mal que ameaçava a realidade deles. Ela precisava ser mais forte. Precisaria derrotar a si mesma de muitas maneiras diferentes.
— Natasha, se afaste dela, por favor –  Strange  já erguia a xícara para Wanda. — Boa sorte, Maximoff.
O líquido era viscoso e amargo, caiu em seu estômago com dificuldade e ela engoliu em seco.
De início achou que aquela coisa não tinha feito nada a ela, até ver uma névoa vermelha como sangue se aproximando pelos arredores. O céu enegreceu e a única luz que continha no ambiente, era a cor de sangue translúcida que a cercava cada vez mais.
— Pessoal? Estão aí? – mas não havia mais ninguém ali. O eco de sua voz transmitiu a apreensão dela. — Certo, certo, o que é isso? - tentou puxar mais ar para seus pulmões.
Ela deu alguns passos adentrando na névoa, não conseguia ver mais que cinco palmos a sua frente, não havia mais fortaleza a sua volta. Apenas o vazio e a escuridão.
O desespero queria subir garganta a fora e ela não notou que gritava. Gritava por Natasha, por Agatha, qualquer um!
Todavia, estava inteiramente sozinha.
Seus pés tropeçaram em algo pela primeira vez e ela lembrou a si mesma que podia invocar luz. Com a mão erguida em magia, ela enxergou o que estava  escondido pela névoa.
Ossos humanos.
Ela tropeçara em uma carcaça apodrecendo, que tinha a companhia de milhares de corpos mutilados de maneiras que faziam seu estômago embrulhar.
Foi quando o cheiro pútrido finalmente chegou as suas narinas e o enjoo lhe tomou, mas ela continuou caminhando no campo de mortos. Eram tantos. Pequenos, grandes, tinha de todos os tamanhos.
Mulheres e crianças, percebeu.
Sua cabeça rodava e ela tentava achar uma saída daquele inferno, porém não tinha um caminho. Foi então que algo se destacou nas pilhas de corpos ensanguentados.
Um trono.
Um enorme trono feito com partes humanas.
Ela não aguentou a visão e vomitou sua bile e café da manhã no chão. Colocou suas mãos na frente do rosto e finalmente enxergou o quão suja estava. Suas  roupas estavam manchadas e a ponta de seus dedos negros.
Ela gritou desesperada com o sangue que a encharcava e levou os dedos a cabeça, ela tremia enquanto apalpava a coroa em seus cabelos.
A coroa de um conquistador.
Ela caiu de joelhos sem forças. Ela fizera aquilo. Ela era a destruição da vida e de tudo que era belo. E no fim de tudo, só restaria ela. Para sempre sozinha.

Em um desespero desolador a magia de Wanda se expandiu, tentando mudar aquele cenário, tirá-la dali e confortá-la, mas tudo que fez foi explodir a Dimensão Espelhada.
Wong, Strange e Natasha que estavam fora da Dimensão se assustaram e por reflexo invocaram escudos, mesmo que fossem desnecessários. Seja lá o que Wanda tivesse experimentado na ilusão de sua própria mente, ela tinha feito algo impressionante.
Implodir a Dimensão Espelhada era um feito e tanto. Ainda bem que tinha tido a ideia de colocá-la nela, a magia do Caos era muito volátil e explosiva.
— Wanda! - gritou a ruiva ao ver a bruxinha de joelhos, encolhida e tremendo. Ela correu até a garota acuada e percebeu que tinha vômito do lado de seu corpo. —  O que houve? Você está bem?
Os olhos verdes se encontraram e Natasha sentiu seu coração apertado. Estavam brilhando em lágrimas que escorriam sem parar.
— Deixe-a respirar um pouco, Agente Romanoff, essa experiência pode ser muito catártica – Wong se aproximava com cuidado. — Ajude-a a se limpar e depois vamos conversar em particular.
— Deixaremos o seu teste para outra hora, Natasha. – até mesmo Strange não fez nenhum comentário maldoso.
A Viúva ajudou uma Wanda trêmula a se levantar e a direcionou para o dormitório das duas. O tempo todo que lhe auxiliou não trocaram nenhuma palavra.
Os olhos de Wanda estavam perdidos e opacos, longe do brilho estonteante comum, sua pele estava pálida e tinha o fato que o que quer que tivesse acontecido, a tinha feito vomitar a sua volta e em si mesma.
— Não preciso de ajuda no banho, Nat – a frase foi dita em tom baixíssimo e ainda trêmulo.
— Mas...
— Está tudo bem – Wanda não a convenceu. — Eu só preciso ficar um pouco sozinha.
Os olhos verdes de Natasha a esquadrilharam a avaliando, ela com certeza não estava bem, mas iria respeitar sua vontade.
— Vou estar do lado de fora. Qualquer coisa é só me gritar, Wands.
Um assentir de cabeça foi tudo que recebeu antes dela entrar no banheiro.
Assim que ligou a ducha no máximo da água quente, Wanda voltou a chorar. Mesmo a água não relaxava seus músculos.
Aquela visão foi perturbadora e traumatizante, mas conduzia a seu pior medo.
Se tornar um monstro. Ser um monstro.
Se igualar ao monstro que as ameaçava.

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