Capítulo 20

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Quando Agatha retornou ao HEX, notou quase de imediato que o tom alegre que o mesmo emitia tinha voltado à tristeza costumeira de quando ele ainda era apenas um casebre com duas habitantes e um pomar. O céu estava cinza e lá dentro ventava frio, o que ela só poderia supor que condizia com as emoções conturbadas da abelha rainha.
Obviamente que aquilo não era nenhuma surpresa, sabia que Wanda não estaria bem com a partida de Natasha. Mesmo que a ruiva tenha partido por iniciativa dela. Os sentimentos de Wanda perante a Viúva sempre foram claros para a morena. Na verdade, secretamente torcia pelo casal improvável e explosivo.
Com a criaturinha peçonhenta longe, as coisas poderiam ficar cada vez mais sombrias. Não que fosse responsabilidade da agente manter a ordem, só era mais fácil ter um pouco de estabilidade com ela por perto. Wanda nunca lidou bem com perdas ou relacionamentos pessoais. A feiticeira, na opinião de Agatha, poderia ser bem antissocial e sem habilidades para lidar com outras pessoas.
Não que pudesse culpá-la por isso, passou seus anos de adolescência sendo um rato de laboratório, enquanto deveria estar sendo uma garota comum, se é que Wanda algum dia fora comum. Sua vida tinha se mostrado até o momento uma série de acontecimentos desastrosos e reações tão problemáticas quanto. A normalidade não era algo costumeiro para sua menina.
É, tinha se apegado a esse ponto da criatura mais imprevisível que existia. Seu antigo eu estaria rindo de sua pieguice. De uma bruxa tachada a sem coração, para uma mãe preocupada com suas meninas. Pela primeira vez em muito tempo, Agatha não se importou de estar sentindo tais coisas. As duas meninas tinham se infiltrado em seu coração, pouco a pouco, de maneira quase imperceptível.

E lá estava Natasha com Lila e Cooper grudados em sua cintura esparramados no colchão da sala dormindo feito anjos, que não queriam soltar sua tia por nada nesse mundo desde que a viram mais cedo. É claro que foi um susto bem grande para as crianças, elas tinham muitas perguntas, muitas mesmo, porém estavam mais felizes por terem sua tia de volta do que sua ânsia por respostas no momento que a viram.
Nathaniel estava tímido, ele era mais próximo à Wanda do que a Nat, mesmo sendo essa a grande responsável pelo seu nome. Ele ficou a noite toda observando de longe e ora ou outra, soltava um “Cadê a titia Wanda?” que desmontava todos naquela sala, principalmente a ruiva.
Demorou um pouco, mas até ele se juntou ao bolinho em volta de Natasha a abraçando como os irmãos. A ideia era assistir aos filmes favoritos deles e comer besteiras, deixar um clima agradável, mas a energia delas foi caindo pouco a pouco e agora Natasha estava cercada pelas crianças, não tão crianças assim, dormindo grudadas ao seu corpo.
Ela não sabia bem o que sentir com todo esse carinho, era gostoso e ela se sentia honrada por seus sobrinhos terem esse tipo de liberdade com ela, de se permitirem serem crianças e de demonstrarem o quanto sentiram sua falta de maneira tão calorosa para ela.
— Acho que você está presa aí, hein, Nat? – a voz de Laura saiu sussurrada em meio ao escuro só dispersado pela luz da TV ainda ligada. A mulher apareceu sorrindo, com os olhos castanhos brilhando de felicidade que começou assim que a viu. A ruiva não pode não sorrir de volta.
— Os pestinhas cresceram tanto... - respondeu em mesmo tom para não acordá-los. — Mas continuam sendo crianças... – um sorriso enorme apareceu em seus lábios quando ouviu pequenos roncos vindo de Cooper e Nate.
— Se quiser, posso chamar Clint para levá-los para o quarto – propôs a mãe.
— Não, deixe-os aqui – a ruiva apertou cada um em sinal de conforto. — Acho que preciso de um pouco de mimo – admitiu e Laura sorriu assentindo.
— Que bom que está de volta, Nat – foi a última frase usada por Laura antes dela desaparecer no escuro da casa.
Então os olhos verdes da Viúva se focaram no teto que tinha flashes de luzes dançantes pela TV já no mudo, o único som era os do lado de fora da casa e das crianças dormindo em uníssono. Respirou fundo com sua garganta com um pequeno nó. Ela só queria Wanda ali naquele colchão com as crianças, seria o cenário perfeito.

— Então, você lidou com uma gangue que se denominava com orgulho de Gangue do Agasalho? – ela parou por um segundo para tirar sarro. — Por Deus, onde anda a criatividade desses criminosos? – riu enquanto assimilava a história contada por seu amigo do Natal anterior, muito movimentado por sinal. Movimentando as mãos de maneira ansiosa, vício pego de certa pessoa. — Perdeu a roupa do Ronin para um bando de Nerds de RPG e no meio disso tudo, adotou uma possível Vingadora mirim? – terminou com um sorriso aberto.
— Primeiramente, a roupa estava num leilão do mercado negro, mas... É! – Clint tinha que admitir que o último Natal foi no mínimo inusitado. — E eu não tive muita escolha quanto à Kate, tentei a deixar de fora, mas ela foi vista por pessoas demais vestindo a roupa do Ronin – jogou as mãos pro alto e aquilo causou outra risada fácil de Natasha.
Eles estavam na ilha da cozinha, enquanto Laura lavava a louça e ria dos dois. Tinha notado a diferença da mulher sentada com seu marido daquela agente que tanto conhecia em pouquíssimo tempo que passaram juntos, tinha algo de especial nessa Natasha, que a fazia leve e a rir com mais facilidade. Não tinha uma postura reta e totalmente programada, estava realmente relaxada. Olhando por cima de seu ombro, Laura percebeu que nunca tinha visto sua amiga daquela forma.
— Acho que a maneira correta de se dizer é que Clint foi adotado por Kate! – Laura se introduziu na conversa com um sorriso leve. — Como a super fã número 1 do Gavião Arqueiro! – falou com orgulho fazendo o marido ficar levemente vermelho e rolar os olhos.
— Sério isso? – a Viúva ergueu as sobrancelhas em diversão.
— Amor, não precisava entrar nesse assunto – Clint negou com a cabeça claramente envergonhado vendo a ruiva se inclinar mais no banco para ouvir melhor o que sua esposa tinha a dizer.
Uhum! – direcionou com um sorriso gigantesco para Nat. — Não se acanhe, amor. É fofo que você tenha alguém como Kate te admirando. Você merece! – virou para o homem e deu um beijo estalado em sua bochecha, o fazendo quase se enterrar sob a madeira da ilha. As duas amigas se entre olharam e gargalharam.
— Que bom, que bom que se divertem às minhas custas – saiu um resmungo divertido da boca dele. Era tão bom ver as duas rindo juntas de novo, mesmo que ele fosse o motivo.
 — Você está diferente, Nat – comentou Laura depois de se recuperarem das risadas, limpando as mãos molhadas em um pano de prato e se juntando à dupla no centro da cozinha. Sentando ao lado de Clint e de frente para a ruiva. — Parece mais... Leve até – começou de maneira sutil e viu a mulher se endireitar no banco tomando uma postura bem mais conhecida por Laura. Ou quase, Natasha ficou séria e seu corpo rígido pela constatação, mas nada comparado a postura perfeita e impenetrável da Viúva Negra. — Como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros – tentou uma abordagem segura.
Houve um raspar de garganta incomum, o que indicou para os dois agentes aposentados que ela estava desconfortável. Isso era estranho, até mesmo Clint tinha notado que a mulher que voltou a sua fazenda era tão fácil de ler quanto um livro aberto. Suas emoções eram distribuídas por pequenas movimentações, posturas e sons que não eram nada sutis ou comuns para alguém treinado a ler o comportamento corporal, como era a antiga Natasha.
— De certa forma, foi – suspirou fundo. — Eu sei que já notaram que não me comporto muito ou falo como a Natasha que perderam – foi direto ao assunto que evitava desde que chegara. — Eu estou mais aberta, demostro muito mais do que quero, às vezes – soltou um pequeno riso sem humor. — Não tenho a postura de uma Viúva Negra ou até mesmo o corpo de uma. Sei que notaram isso também, seus olhares não são nada discretos, se querem saber.
— Queríamos que você tocasse no assunto, Nat – Laura disse de maneira dócil estendendo a mão para encostar nas palmas espalmadas na mesa da ruiva. — Mas você nunca entrava...
— Guardar as coisas para si mesma, pelo jeito isso não se alterou – o melhor amigo acrescentou, mexendo os ombros numa postura mais receptiva.
— Para me trazer de volta, foram necessárias certas coisas – Natasha soltou em um fio de voz. Tocar nesse assunto era se lembrar do quão ardentemente Wanda lutou para trazê-la de volta. Isso fez um pequeno sorriso inconsciente se abrir, a feiticeira lutou por ela como ninguém. — Wanda não tinha um corpo para recuperar de Vormir. Eu tinha sido absorvida pela joia da alma, não restava nada material para recuperar. Pelo menos em partes, então esse corpo que estão vendo, foi cem por cento criado por ela. Novinho em folha.
— Wanda criou um corpo para você?! – a voz de Clint saiu alterada pela surpresa, seus olhos esbugalhados, enquanto Laura apenas absorvia a informação em silêncio. — C-como? Como ela fez isso? Ela fez, tipo, do zero?!
Yeap – o som saiu da boca de Nat sem se surpreender com tamanha incredulidade. — Tirado direto da concessionária mais próxima. Zero bala – fez piada e foi chamada de idiota, mas não pode evitar. Levantou a regata listrada que usava até um pouco abaixo dos seios e ficou de pé, dando uma voltinha para os conhecedores de suas antigas marcas. — Sem nenhum arranhão.
— Isso explica seu condicionamento físico – Laura finalmente saiu do seu estado silencioso enquanto seu marido ainda estava de queixo caído. — Quer dizer, você está em forma, o que quer dizer que andou malhando nesses últimos meses, mas definitivamente não é o corpo de uma Viúva Negra – a morena balançou a cabeça como se finalmente as palavras de Natasha pesassem em seu cérebro. — Nossa, isso é inacreditável e eu estou vendo bem na minha frente!
— Se acha isso inacreditável... – Natasha murmurou para si mesma baixinho.
— Não vai nos contar como aconteceu? – Clint finalmente se recuperava da informação.
— Não posso – a expressão da ruiva finalmente se assemelhou a da sua antiga eu, tomando que certas informações eram sigilosas para a segurança de seu Coven, de Wanda principalmente. — Não ainda.
— Eu não acredito que vai nos deixar no escuro, Romanoff! – o homem se ofendeu e Laura colocou a mão em seus ombros, tentando o acalmar. — Não depois de tudo que passamos juntos.
— Clint, se você soubesse exatamente o que aconteceu, me diria para ter cautela – Natasha abaixou a cabeça e depois ergueu os olhos fixando nos azuis indignados de seu antigo parceiro. — É pela segurança de alguém que eu amo. Eu preciso protegê-la! – soltou as palavras tão rápido que nem percebeu o peso que tinha usado em uma em específico.
Confusão se passou pela cabeça apenas do homem, enquanto sua esposa sorriu para amiga a sua frente.
— Realmente você está mudada – admitiu com uma felicidade interna única. — A Natasha que eu conhecia nunca admitiu seus sentimentos por Wanda, nem para mim.
— Sentimentos por... - o fazendeiro arregalou os olhos para sua mulher.
 — Oh, meu amor, tão perspicaz em tantas coisas e tão ingênuo em outras – bagunçou o cabelo dele em um gesto carinhoso. — Sua melhor amiga sempre foi apaixonada na bruxinha que jurava ser somente trabalho – acusou com os olhos Natasha que agora tinha as bochechas vermelhas como o cabelo. — Mas arrastava a coitadinha praticamente para todo lugar que ia, inclusive aqui, na nossa casa, onde pude observar as duas – piscou para Nat. — Uma pena que na época, ela teve a péssima ideia de enterrar esses sentimentos dando uma chance para o Banner – seu tom mudou para reprovação.
— Isso eu vi, o Banner! – o outro exclamou ainda surpreso. — Inclusive achei muito estranho aquela aproximação repentina e interesse. Mal conseguia olhar para os dois juntos! – fez uma careta, finalmente encaixando as peças que faltavam em seu quebra cabeça mental. — Você e o Banner nunca desceu para mim. Principalmente quando você o acalmava como Hulk! – uma careta surgiu no rosto de Clint. — Era nítida a queda dele por você. Mas você flertar com o monstrão verde? Não, isso não! – outra careta e um tremor de corpo inteiro fizeram Laura rir concordando.
— Devo lembrar que nessa época Wanda passava muito tempo com uma torradeira ambulante! – Natasha destilou um pouco de sua raiva guardada visto que o julgamento estava aberto na mesa. — Ela estava se apaixonando por um robô! Devo mencionar o quão estranho isso é em mil níveis mais estranhos do que o Hulk? Aliás, eu nem tinha total consciência dos meus sentimentos naquele tempo, tá?!
— Irritamos ela – sussurrou Laura para Clint com diversão, isso seria praticamente impossível de se fazer antes sem ao menos alguns socos trocados.
— Tinha o picolé humano, Nat! – ele não apresentou medo de perder alguns dentes, na verdade se sentia bem confiante diante daquela nova Natasha. — Tinha outras opções em jogo, vai? Ou esqueceu do seu tempo na S.H.I.E.L.D. com a Maria Hill? – ergueu as sobrancelhas divertido.
Natasha abriu e fechou a boca repetidas vezes, sem nenhum som escapar. Balançando a cabeça se perguntando como veio parar em uma encruzilhada com o casal maravilha que estava adorando sua falta de jeito de lidar com aquela situação.
— A Sharon não chegou a dar em cima dela também, amor? – Laura se virou totalmente para o marido, ignorando a amiga raivosa. — Não me contou se chegou a dar em alguma coisa.
— Esse assunto está encerrado! – conseguiu dizer por fim exasperada. — Não vou discutir minhas escolhas sexuais com vocês.
— Sexuais? Pelo amor de Deus, tira essa imagem da minha mente, amor! Diga que ela não fez isso com o Banner na nossa casa! – Clint suplicou sendo dramático e arrancando risadas de Laura. — Tira, tira!
— Barton! – Natasha disse entredentes tentando voltar a sua cor natural.
— M-minha barriga está doendo de tanto rir! – Laura estava de pé com as mãos na barriga e a cabeça jogada para trás. — Eu adoro essa nova Natasha! Definitivamente!
Isso só fez a ruiva bufar se virando de costas e saindo da casa, com as gargalhadas dos amigos ecoando.

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