Capítulo 19

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Clint estava em seu celeiro trabalhando em mais um de seus infinitos projetos para sua casa: quando acabava um, mirabolava outro só para não ficar parado. O de hoje era uma cerca que resolveu colocar para delimitar sua propriedade. Então pilhas e pilhas de madeira estavam ocupando o espaço do celeiro, assim como maquinário apropriado. Era algo grande, então esperava que o distraísse por um tempo.
Aposentadoria não combinava com sua pessoa, era naturalmente ansioso e inquieto. Todavia, este estado permitia ficar mais tempo com sua esposa, ver seus filhos crescerem, era prazeroso, mas para alguém que estava acostumado com a adrenalina, o ócio era apavorante. O deixava pilhado, então consertar o que nem precisava ser consertado, como Laura sempre lhe dizia, era um escape saudável.  
Já havia passado meses desde a visita de Wanda que tinha lhe desestabilizado por completo. Não havia recebido nenhuma ligação, nenhuma notícia e parecia que onde quer que Maximoff estivesse, não tinha sinal de telefone. A ligação nunca era completada quando se pegava de madrugada com seus pensamentos em um turbilhão por novidades e seus dedos inquietos o traíam digitando o número indisponível.
O ex-agente queria sentir raiva de Wanda por deixá-lo nesse estado extremamente ansioso, estava deixando-o com o pavio curto que não era de seu feitio. Era frustrante estar tão impotente, queria poder fazer algo para ajudar na missão. Poxa, era de sua melhor amiga que estavam falando!
Amiga esta que sacrificou sua vida pela dele. Para que hoje pudesse estar ali, ocioso e agitado com sua aposentadoria, reclamando e podendo engordar o quanto quisesse. Enquanto via o tempo passar, na sua opinião, cada vez mais devagar.
Ele entendia que a ruiva bruxinha o tinha procurado para lhe aconselhar e nada mais. Para que tivesse apoio em sua jornada, para que alguém de fora lhe dissesse que aquilo não era uma loucura total, o que na verdade era, mas que estivesse do lado dela mesmo assim. Odiava entender, mas compreendia.  
Estava tão concentrado em suas mãos que manuseavam a madeira, marcando com grafite onde deveria cortá-la e passando na serra circular, jogando os pedaços prontos em uma pilha ao seu lado esquerdo, que não percebeu o que acontecia bem a sua frente. Ainda mais com os equipamentos de proteção na cabeça e luvas grossas em suas mãos. Para alguém comum, era impossível prestar atenção em algo que não fosse o trabalho a sua frente, mas ele não era alguém comum.  Era um soldado, um agente, que no momento tinha a cabeça muito longe para prestar atenção a sua volta, o que o tornava alguém muito parecido com as pessoas normais.
Agatha e Natasha tinham acabado de passar por um portal que as guiaria onde o amigo da Viúva estivesse, o que aconteceu como previsto, estavam segundos seguintes dentro de um celeiro que estava envolto de um barulho irritante de madeira sendo cortada.
O coração da ruiva se atropelou completamente em seu peito, lá estava seu melhor amigo, a metros de distância de seu toque, tão compenetrado em seu trabalho que nem as notara. Natasha estava pensando em como abordá-lo sem que um acidente horrível ocorresse, já que ele estava manuseando a madeira em uma serra. Não poderia assustá-lo e ter como consequência uma mão decepada.
Agatha, por outro lado, tinha outros planos. Com sua magia, ela parou o maquinário barulhento, o que fez o homem grunhir dando chutes na máquina, provavelmente pensando que tinha enguiçado com algo. Isso fez a morena soltar um riso de diversão que por sua vez chamou pela primeira vez a atenção de Clint.
Os olhos azuis do homem se arregalaram e seu corpo se agitou como um saco de ossos sem coordenação, o susto foi tão grande que tropeçou em seus próprios pés, o fazendo cair para trás em meio às pilhas de madeiras prontas. O praguejar dele foi outro motivo para Agatha rir ainda mais alto.
— Clint! – Natasha gritou correndo até ele, farpas de madeira estavam espalhadas pela roupa do fazendeiro que, sob um impulso, retirou o capacete e os óculos do rosto, para confirmar que o que ele estava vendo era mesmo real. Estava hiperventilando e seus olhos estavam analisando a mulher a sua frente com espanto. — Clint, ei, você precisa se acalmar!
A voz que ele tanto conhecia voltou a soar em seus ouvidos depois do que lhe pareceu uma eternidade sem a ouvir sem ser em seus pensamentos. Seu coração parecia querer sair da sua caixa torácica, era realmente ela? A mulher a sua frente parecia diferente da Natasha que suas memórias recordavam, pelo menos as últimas, que continham uma mulher melancólica e descuidada com sua própria aparência.
Ele esticou suas mãos e viu as luvas, as retirou com pressa, precisava sentir que aquilo não era uma alucinação ou uma peça pregada por sua mente enlutada. E quando os dedos longos e brancos de Natasha pegaram suas mãos no ar, um arrepio percorreu sua espinha, era real, ele sentia a textura e a temperatura sempre gelada das mãos da Viúva.
— N-Natasha... – ele conseguiu falar enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. — É você, por Deus, é você mesma! – ele se ergueu a esmagando em seus braços.
— Sou eu, Clint, sou eu – respondeu a ruiva com a voz um tanto embargada pela emoção do momento. — Eu voltei.
Eles se abraçaram por minutos longos antes de Agatha começar a se entediar e raspar a garganta.
— Que ótimo, o cardiologista está em dia - a voz de Agatha surgiu abafada pelo choro que envolvia os dois amigos. Isso fez Natasha se lembrar que a morena ainda não tinha partido e se afastou calmamente, se levantando e trazendo o amigo com ela. — Acho que meu trabalho aqui está feito, criaturinha peçonhenta.
— Agatha – a voz de Natasha estava um pouco rouca. — Obrigada por me trazer.
— Quê isso, foi um favor – a morena tentava esconder suas próprias emoções, agora que tinha voltado de sua viagem, a ruiva bebê estava indo embora, não tinha tido tempo nem de matar a saudade que era óbvio que negaria até sua cova. — Fique bem, Natasha, e lembre-se do que eu te disse.
A bruxa começou a se virar de costas pronta para conjurar um portal quando sentiu braços a envolvendo pelas costas, suspirou fundo, Natasha com certeza estava muito mais carinhosa sem suas armaduras.
— Diga a Wanda que eu voltarei! – sussurrou contra suas costas. — Diga a ela para mim, Agnes.
— Vou passar seu recado – a morena tentava manter a postura se mantendo de costas. — Agora me solte, Romanoff, você vai voltar a me ver.
— Vou sentir sua falta, Agatha, e de Wanda também – confessou se afastando um pouco cambaleante para trás, sendo amparada por Clint.
Agatha abriu o portal à sua frente e o ar do ressinto começou a ficar mais denso de acordo com que o portal de magia roxa o condensava. Ela deu uns passos à frente e antes de ultrapassar, virou a cabeça para trás, com um pequeno sorriso para a Viúva.
— É claro que vai, minha menina – foi o que saiu dos lábios da morena antes dela desaparecer junto ao portal que sumiu como se nunca tivesse sido invocado.
Os olhos lacrimejantes de Natasha ainda permaneceram fixados a sua frente até que Clint entrou em seu campo de visão.
— Quem era aquela? – perguntou vendo a mulher limpar as lágrimas com as costas da mão.
— Uma amiga – respondeu abaixando a cabeça com um leve puxar de lábios. — Era uma amiga.

— Eu sei que é pedir muito, mas dá para parar de me olhar como se fosse uma extraterrestre? – a voz de Natasha era divertida, mas os olhares incrédulos de Clint sobre si já estavam deixando-a desconfortável. Ela não iria desaparecer se ele piscasse os olhos de vez em quando.
— Você voltou dos mortos, Romanoff! – Clint disse ainda com uma grande descarga de adrenalina em seu sangue. Estavam na varanda de sua casa, sentados nos degraus da escada, com uma garrafa de Vodka entre eles. — Literalmente venceu a morte! – explanou pegando a garrafa e levando à boca. — Não dá para julgar minha incredulidade.
Natasha suspirou fundo com um repuxar de lábios fraco. Pegando a garrafa com o líquido transparente estendida por seu amigo, também era compreensível beber numa hora dessas.
— Não me dê tanto crédito, Barton – sua garganta queimava um pouco, quase desejou raspá-la para tirar a sensação, tinha que se lembrar que sua tolerância a álcool estava quase na estaca zero com seu novo corpo. — Wanda me trouxe de volta. Ela venceu a morte, apenas fui trazida de volta.
— Não sei o que me deixa mais assustado – confessou olhando para o céu daquela quase tarde. — Quer dizer, ela me contou o que ia fazer... - ele soltou um riso desacreditado. — Depois sumiu por meses, sem nenhuma ligação, eu pensei que isso indicava que ela tinha falhado, mas olha só você aqui!
— Falhar não é algo que se encaixa muito no vocabulário dela – o sorriso da ruiva era quase melancólico. — Ela não demorou mais que um mês para descobrir como me trazer de volta, se preparar para realizar tal fato foi o que a retardou um pouco.
— Então você... Você está de volta a quanto tempo? – Clint fazia as contas em sua cabeça. Se o que Natasha falou fosse verdade, ela estava viva há muito mais tempo do que ele imaginava.
Os olhos verdes pesaram e se fecharam por alguns instantes.
— Quase cinco meses.
— Cinco meses? E você não pensou em me ligar ou me avisar nenhuma vez dentre esse tempo, Natasha?! – a voz de Clint se alterou e seu corpo ficou levemente mais agitado de raiva.
Natasha abaixou a cabeça, mirando seus pés, isso seria um pouco difícil. Tinha muita coisa para atualizar seu antigo parceiro. Coisas que ela não sabia se estava pronta para dividir.
— Claro que pensei! – não pôde evitar bufar. — Quando voltei, minha última lembrança era com você! Em Vormir!
— Então por quê? – a fala da outra tinha conseguido abaixar alguns tons de voz, mas ainda tinha ressentimento nela.
A ruiva apenas o encarou, seus olhos demonstravam muito mais do que o homem poderia compreender, mas ele viu uma profunda tristeza na imensidão verde que eram os olhos de Natasha. Uma tristeza que apagava um pouco do brilho que se misturava e se perdia como um buraco negro impondo sua força sobre a luz.
— Me desculpe – a voz rouca da mulher interrompeu a análise de Clint sobre si. — Não há uma resposta que irá aplacar seus dias se preocupando comigo – voltou-se para o céu novamente. Não era nada comparado à beleza que Wanda costumava impor no HEX, era uma beleza comum, mas não deixava de trazer paz para Natasha. — Há muita coisa... – sua cabeça deu uma fisgada na parte de trás, bem em sua nuca, onde agora jazia a runa. Isso a fez fechar os olhos e parar de falar.
— Eu realmente imagino que tenha mesmo muita coisa que eu não sei agora a seu respeito – isso deixava o outro meramente incomodado. — O importante é que está aqui agora, Natasha. Que você voltou e graças a Deus, Wanda conseguiu!
— Obrigada, Clint... - Natasha conseguiu repuxar um sorriso. — É muito bom estar aqui.

— Laura e as crianças foram para a casa da minha sogra passar alguns dias antes que as férias de verão acabem – Clint explicou o porquê da casa estar tão silenciosa. Ele estava tentando controlar sua curiosidade crescente e dar um pouco de espaço para Natasha. — Aliás! Tenho que ver com ela como contar que a Tia Nat está de volta! – arregalou os olhos pensando em como explicar para seus filhos, suas crianças, algo que nem ele entendia direito. E ele era adulto!
— Me desculpe pelo transtorno, Clint – um suspiro pesado saiu da ruiva sentada na poltrona da sala. Duas pizzas tamanho família jaziam em cima da mesinha de centro junto com algumas latas de cerveja vazias. A TV fazia o som ao fundo em algum jogo de futebol americano, não deixando o silêncio da casa totalmente constrangedor.
A frase fez com que Clint saísse de seu dilema interior, balançando a cabeça em negação, se levantou rapidamente em silêncio e pegou mais duas cervejas geladas.
— Vamos beber! – estendeu a lata e Natasha a pegou com um olhar curioso.
— Desde que apareci você não parou de beber, Clint! – repreendeu silenciosamente a amiga. — Tem certeza que está tudo bem?
Os olhos azuis do homem caíram levemente em uma expressão envergonhada e ele soltou um suspiro pesado antes de repuxar os lábios num pequeno sorriso.
— Eu apenas estou comemorando a volta da minha melhor amiga – ele tomou um gole por sentir sua garganta se apertar em um caroço. — Você fez muita falta, Natasha – sua voz vacilava enquanto emoções nublavam sua mente. — Você se tornou parte da minha família, aquela parceira de trabalho com quem eu tinha total confiança a ponto de não temer quando tinha você para cobrir minha reta guarda – seus olhos brilharam um pouco com as lembranças o tomando. — Sem você, as coisas perderam um pouco a cor. Eu tinha Laura e as crianças de volta e isso era maravilhoso, mas só conseguia me sentir culpado por você não estar ali também.
O sorriso triste da ruiva voltou a aparecer e resolveu abrir a latinha de cerveja.
— Era como as coisas tinham que ser – o gole gelado do líquido agradou suas papilas gustativas. — Eu vivi cinco anos desejando fazer exatamente o que fiz em Vormir. Salvar o mundo, as pessoas que tinham perecido, eu queria todos de volta. Queria que o universo voltasse ao eixo desgovernado que era antes da intervenção de um genocida prepotente.
— Mesmo que isso custasse sua vida?
— Eu nunca tive medo da morte, você sabe disso – seus olhos se encontraram e perdurou por alguns instantes. — E minha conta estava no vermelho.
Clint bufou rolando os olhos para a frase.
— Está quitado então! – sua voz foi firme e ele ergueu a lata de cerveja pro alto. —  E agora o universo tem uma dívida com você.
— O universo não está nem aí, principalmente para alguém morto - colocou seus pensamentos em jogo. — Mesmo para um Vingador, perante o universo, nossas ações e até mesmo nós, são tão grandes como grãos de poeira. O universo, a Terra, iria continuar a girar e a sobreviver como sempre fez. Mas nós, como espécie, não conseguiríamos seguir o curso das circunstâncias – entornou mais um gole. — Lutamos até onde podemos para sobreviver.
— Assim como cada criatura viva – completou Clint deixando finalmente a lata de lado em cima da mesinha. — E você está certa, é claro, quando não?! – soltou uma risada curta. — Todavia, mesmo como criaturas insignificantes perante o Cosmos, temos nosso valor.
— Talvez – Natasha repuxou um sorriso e olhou para TV.
Sua cabeça estava longe, ela tentava a todo custo sentir dentro dela alguma fagulha de qualquer coisa que viesse de Wanda, mas desde que foi deixada ali na fazenda, dentro dela e de sua cabeça, só continha seus pensamentos e culpa, sozinhos dentro de seu corpo. Era como se ela não estivesse mais ligada à feiticeira e aquilo pesou bem fundo em seu peito.
Não pensou que sentiria falta de dividir sua mente com Wanda, de não ter privacidade em sentir suas emoções sozinhas, ela definitivamente pensou que estaria mais aliviada de estar sozinha de novo. Entretanto a consciência de que Agatha estava certa e que cometeu uma burrada ao achar que não poderia nunca se sentir assim de novo, revirou seu estômago.
Ela ainda era uma pessoa inteira que tomava suas próprias decisões, ter mais de uma essência dentro de si não alterava seu livre arbítrio, sua pessoa como unidade, e a consciência disso era terrivelmente pesada para sua mente e mais ainda para o seu coração.

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