Capítulo 18

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— Romanoff, eu quero dormir! – Agatha resmungou ainda na cama ao ouvir Natasha bater em sua porta a chamando no meio da madrugada. As batidas continuaram e a morena bufou. — Espero que esteja caindo esse castelo! – a voz mal humorada de Agatha chegou primeiro, antes que sua face saísse para o campo de visão de Natasha. Os olhos azuis encontraram os verdes da Viúva e ela ergueu uma sobrancelha. — Onde é o fogo?
Natasha paralisou quando viu a morena, seu coração apertado estava desesperado, parecia que seu órgão vital tinha parado em sua garganta, tornando muito difícil a tarefa de falar. Coisas que seus olhos não tinham problema, pois exalavam uma agitação angustiada. Ela não percebia que tremia também.
— Olha, claramente você está tendo um ataque e esse não é meu departamento – Agatha tentou mostrar desdenho, tinha acabado de chegar de viagens bem longas e desgastantes, ela só queria uma boa noite de sono. — O quarto de Wanda é na outra porta.
Natasha engoliu em seco com a menção da feiticeira e a morena suspirou em compreensão.
— Okay, okay, problemas no paraíso, eu suponho – rolou os olhos e abriu mais a porta indicando para que a mulher entrasse. A ruiva o fez sem hesitação. — Olha, se não quiser que eu entre em sua mente, criaturinha peçonhenta, é melhor abrir o bico. Não sou a Wanda e não hesitarei em fazer isso.
— Ela... Ela... – a cabeça da outra estava turva com milhões de pensamentos e isso a fazia ficar ainda mais agitada. — Ela quer que eu vá embora – conseguiu falar depois de algumas tentativas falhas.
Isso surpreendeu a bruxa mais velha, alguma coisa séria tinha acontecido para Wanda tomar uma decisão tão drástica.
— O que aconteceu, Natasha?
— Eu sou uma idiota! – colocou a mão na nuca, fechando os olhos com força. — Tudo estava tão bom... Mas eu estraguei tudo! Como sempre faço! Eu já deveria saber...
— Isso não me esclarece as coisas – a voz da bruxa continha impaciência e seus braços se cruzaram.
— Eu beijei Wanda – soltou a informação que fez a outra arregalar os olhos por uns instantes. — Nós nos beijamos – disse novamente como se para confirmar a informação para si mesma.
— Finalmente então, né? Qual o problema? – Agatha estava muito desacostumada a dar conselhos, ainda mais amorosos, realmente nunca foi muito boa nisso. — Vocês se gostam. Ia acontecer uma hora ou outra!
— Eu estraguei tudo, lembra? – Natasha resmungou e praguejou em russo. — Ela quer que eu vá para a fazenda do Clint pela manhã. Está me mandando embora porque eu fui idiota de deixá-la perceber esses pensamentos estúpidos.
— Para Wanda te mandar embora, você deve ter pisado feio na bola – a morena sentou em sua cama. — E deixe-me adivinhar? Esses pensamentos tem alguma coisa haver com você ter uma parte dela em você? – a ruiva não conseguiu encará-la. — Sabia! – Agatha encheu os pulmões. — Quando vai parar de se ver como uma coisa que não é, Natasha? Você não é uma criação de Wanda! Mas que merda, hein? Ela não controla você!
— Como você sabe que...
— Bom, eu não sou cega, nem idiota – disse sem papas na língua. — E eu não culpo Wanda de te querer longe por um tempo, se quer saber.
— Eu não quero ir... Não desse jeito, Agatha! – Natasha tinha os olhos baixos. — Ela está magoada...
— Com razão.
— Não está ajudando!
— Que pena, mas não estou aqui para passar a mão em sua cabeça, Romanoff – a morena continuou séria. — Você conseguiu magoá-la, meus parabéns!
— Eu não queria...
— Eu sei que não, mas isso era só questão de tempo com essa sua atitude – a morena passou as mãos pela cabeça nervosa. — Você vai ver seu amigo. Será bom!
— Agatha, me ajuda! – a voz de Natasha estava quase implorando.
— Não, Natasha, você não está me entendendo. Eu estou ajudando, vocês duas! – ela se levantou da cama que estava sentada, se erguendo para a mulher. — Vocês precisam de tempo e espaço. Você principalmente.
A ruiva a encarou por um tempo e seus olhos alagaram por uns instantes. Ela sabia que a bruxa mais velha tinha razão no fundo. Precisava se resolver, precisava de respostas que não iria encontrar ficando tão perto de Wanda, a mulher que fazia seus sentidos ficarem anestesiados. Isso não tornava a verdade mais fácil de se engolir ou que o tempo longe de Wanda se tornasse menos complicado.
— Temo que ela não me perdoe – murmurou.
— Ela é rancorosa e orgulhosa, sim, mas ama você, Natasha - Agatha disse os fatos. — Você perto e com essas dúvidas só vai machucá-la mais. Então faça o favor de se resolver de fato. Wanda merece mais que alguém que não tenha certeza.
Os olhos da Viúva se fecharam novamente, engolindo as lágrimas que queriam sair.
— Boa noite, Agatha – foi tudo o que disse antes de se virar de costas e sair do quarto da bruxa mais velha.

— Onde está Wanda? – Natasha estava no sofá de uma das enormes salas do castelo. Suas malas aos seus pés, já era quase nove horas da manhã. As bolsas roxas embaixo de seus olhos indicavam que não tinha pregado o olho. Sua expressão era de derrota total, nem parecia que queria sair do HEX com tanto afinco mais, porém a verdade é que uma das donas dele não a queria mais ali. Não era mais bem-vinda e isso doía em Natasha.
— Ela não vem – Agatha disse sem olhar em seus olhos. — Seremos só eu e você.
A ruiva se agitou por dentro e algo passou a apertar-lhe a sufocando.
— Ela não vem nem ao menos se despedir? – conseguiu formular a pergunta e dessa vez obteve um olhar de Agatha, tinha pena nele. A Viúva odiou aquele olhar. — Ela é tão criança assim? Poxa vida, eu pensei que ela me compreendesse! Que dividíssemos essas emoções e pensamentos, que ela soubesse como me sinto! – arfou irritada olhando para as escadas que levavam até o quarto da feiticeira. Foi ela levantar do sofá que a mão de Agatha veio parar em seu peito e seu corpo ficar de frente o seu, tampando o caminho que levava até Wanda.
— Ela sabe – Agatha suspirou fundo. — E é exatamente por isso que dói tanto.
— Ela não quer nem me ver uma última vez? – a voz da outra passou a ser carregada. — E se eu sumir no mundo e nunca mais vir aqui, hein? Como ficamos?! – a irritação quis tomar conta.
— Seria sua decisão e não dela, Wanda quer que você enxergue que ela não tem o poder que imagina em suas decisões – a morena tentava ser o mais imparcial possível. — Até entender isso de fato, não acho que irá vê-la.   
— Isso não é nem um pouco justo – a ruiva resmungou e olhou por cima dos ombros de Agatha, para as escadas vazias. — Não queria que fosse assim... Não mesmo.
— Eu sei que não, mas decisões foram tomadas. Espero que tenha avisado seu amigo de nossa visita – comentou a mulher inconsolada com o olhar vago para o andar de cima. — Natasha? Você avisou Clint? – perguntou novamente tentando tomar a atenção da mulher que demorou uns instantes a focar nela e negar com a cabeça. — Espero então que ele não tenha problemas cardíacos, pois estou levando um zumbi comigo.
Nem isso fez Natasha se distrair de sua total falta de emoções ao pensar que estaria longe por um tempo indeterminado de Wanda.

Wanda também não tinha pregado o olho durante a noite, tinha uma sensação esmagadora em seu peito, por um momento ela tinha permitido abaixar a guarda perante Natasha. Ela se permitiu sentir e isso se mostrou um erro. Como tinha previsto a outra mulher não estava pronta, isso só a fez se sentir mais idiota por deixar ela entrar de fininho novamente em seu coração.
Todavia esses meses juntas sozinhas tinham mudado a relação entre elas para algo que nenhuma das duas conseguia definir, ambas passaram a ser bem mais próximas, se irritavam provocando uma a outra, tinham uma rotina agradável mesmo dentro daquela fortaleza. Elas riam juntas e como riam.
Wanda passou a conhecer uma Natasha mais leve, uma que não tinha a casca da Viúva Negra vestida como uma armadura. Descobriu que os olhos verdes da ruiva mudavam de tonalidade de acordo com suas emoções e que ela era muito rigorosa em questão de alimentação. Ela sempre corria pela manhã antes mesmo que qualquer galo do mundo começasse seu canto diário. Treinava seu corpo e meditava, ou pelo menos, tentava. Era mais difícil com tantas emoções agora rondando seu corpo.
Enquanto Natasha gostava de tomar um banho de luz solar logo no início do dia e se banhar com o calor agradável vendo o dia começar, Wanda era o contrário, preferia a luz serene da Lua, sempre indo caminhar pelo pomar para ver o Sol se pôr e a noite chegar.
A seleção de atividades mágicas que a feiticeira propunha era de certa forma muito mais fácil para a antiga espiã pegar, Wanda fazia questão de simplificar o quanto possível numa linguagem que sabia que a outra entenderia. Sabia que Natasha tinha que começar a ter seu próprio olhar sobre sua magia. A aceitação dela era a chave para um bom controle. Irônico sim, mas na magia você tem que abrir mão do controle para finalmente acessar seu potencial. Uma coisa muito difícil de se executar vindo de uma pessoa extremamente apegada a controlar cada circunstância e probabilidade a sua volta.
 Entretanto Wanda viu sua evolução sendo construída a cada dia, lições de magia com intervalos de refeições divinas feitas pelas mãos da Viúva, ela não poderia imaginar que gostaria tanto de comer de maneira saudável, até Natasha começar a fazer as refeições. Ela realmente tinha talento na cozinha, coisa que a ruiva mais alta não poderia dizer.
Wanda era do tipo que precisava ser lembrada de comer, pulava refeições sem ao menos perceber, e se deixasse beberia seus chás o dia todo e aquilo seria somente o que colocaria no estômago se dependesse dela.
Os flertes começaram de maneira inocente até, nunca avançando mais que o necessário para analisarem o que estava realmente acontecendo. Foi natural e agora isso matava Wanda aos poucos com lembranças tão gostosas, como as de todo começo de noite depois do jantar elas sentarem no sofá e assistirem qualquer coisa que as fizessem sorrir.
Os toques físicos vieram de maneira mais lenta, Natasha não era acostumada a ser tocada sem nenhum propósito, gatilhos remanescentes de suas memórias. Para ela foi um pouco difícil aceitar algo como puramente carinhoso, como um abraço ou apenas um encostar de ombros. Ela teve que aprender a baixar a guarda também, para poder aproveitar um simples e gostoso cafuné em suas madeixas ruivas.
Foi um processo lento, mas gratificante de Wanda ver a outra se abrindo um pouquinho mais a cada dia. Um movimento que a pegou tão desprevenida que deixou-se cegar para algumas verdades que ainda rondavam a cabeça de Natasha. Tinham chegado num nível que era natural se pegarem respondendo pensamentos uma da outra, como se tivesse sido perguntado em voz alta. Foi desconfortável para a antiga espiã no início e mais ainda para Wanda que tinha medo da outra pensar que isso era feito de propósito, mas quando ambas entraram em sintonia, isso foi literalmente esquecido.
A conexão das duas se entrelaçou de tal jeito que construíram uma própria maneira de se comunicarem. Olhares eram o bastante para entender orações inteiras que não eram verbalizadas. Gestos e pequenas manias eram o suficiente para muitos entendimentos implícitos, sorrisos então, nem precisava dizer. Pensamentos e emoções apenas fluíam como uma energia quente entre seus corpos, delatando e entregando muitas das vezes coisas que as mulheres gostariam de esconder.
Wanda estava com medo de deixar Natasha ir, essa era uma grande verdade, tinha ainda tanto a aprender, suas preocupações tinham se esvaziado por uns instantes quando se sentiu magoada na noite passada, mas voltaram com tudo quando a mulher deixou o seu quarto depois de praticamente expulsá-la dele.
Ela poderia mentir e dizer que eram preocupações somente condizentes à segurança do coven, mas estava longe de seu maior medo, verdadeiramente tinha medo de Natasha escolher viver sem sua companhia. De ver as oportunidades infinitas que tinha a sua frente e escolher alguma que não a incluísse.
Poxa vida, elas só compartilharam alguns beijos e Wanda estava completamente apavorada de ser abandonada. Porém, ela sabia que apesar de dita de uma forma que não queria, precisava ficar longe da mulher, ao menos até acabar com sua famosa dependência emocional.
Wanda sabia que era consumida por suas emoções, era simplesmente avassalador a intensidade que as sentia, sempre foi. E sua magia era alimentada por esse descontrole, era conhecida por encontrar fugas para não encarar sua falta de habilidade de permanecer sozinha.
Era difícil para ela, tendo em vista que nunca esteve completamente sozinha, tinha tido companhia até no útero de sua mãe, porém uma a uma, pessoas foram tiradas dela. Arrancadas a força e deixando um vazio imenso em seu peito.
Estar com Visão amenizava esse vazio, sua companhia era como uma anestesia para suas dores internas, enquanto estar com Natasha fazia parecer que nunca tivera sido quebrada.
A noite em claro com a certeza que Natasha iria embora a fez notar que sua dependência ainda continuava, o desamparo e desespero usual que sentia voltaram com tudo. Ela sentia a movimentação no andar debaixo, sentia as emoções de Natasha que queria mais que tudo bater na porta de seu quarto, também queria isso, mas sabia que se olhasse naqueles orbes esverdeados, ela se perderia e voltaria atrás.
Então decidiu que não iria com elas à fazenda de Clint, nem ao menos se despediria mesmo com o medo crescente de ser uma última vez. Ela torceria para que Natasha voltasse para si de maneira espontânea, não atrapalharia sua vida fora do HEX, deixaria a ruiva viver o que tivesse vontade, assim como tinha prometido.

— Temos que decidir algo antes de irmos – Agatha olhou para a mulher que lutava para não subir as escadas correndo e pedir perdão a Wanda por ser tão idiota. — Natasha, está me ouvindo?
Demorou tempo suficiente para a bruxa mais velha dar um tapa em seu ombro, chamando assim sua atenção.
— Ei!
— Está me ouvindo agora? Ótimo! – os olhos azuis se reviraram em sua órbita enquanto a outra bufava. — Temos dois caminhos a se seguir para que seja seguro sua estadia com seu amigo – disse devagar para ter certeza que a Viúva estivesse acompanhando.
— Quais são?
— Fazer um HEX em volta da fazenda, tornando-a uma fortaleza, igual ao nosso ou... Tem uma opção um pouco mais dolorosa – terminou com uma mini careta.
— Não posso prender Clint e sua família só por minha causa! – a ruiva falou em tom de obviedade. — Qual a outra opção?
— Marcar em você uma runa de proteção para inibir seu poder do Caos, a runa serviria como uma jaula inconsciente quando você se descontrolasse, fazendo o caos permanecer dentro de você em vez de se espalhar.
— Mas vou ter acesso a minha magia enquanto ela estiver ativa? – estranhamente ela tinha se acostumado com sua nova condição.
— Não – Agatha entendeu o tom usado pela ruiva. Isso era uma surpresa para a morena. — Pelo menos não o seu poder total, prender o caos é extremamente complicado, vai depender muito da sua força de vontade para a runa funcionar. É poderosa o bastante para quebrá-la, se quiser.
— Tudo bem, pode fazer – deu de ombros já aceitando.
— Vai sentir como se fosse uma queimadura. Isso vai doer, Natasha, porque seu poder vai lutar para sair. Vai depender do seu querer que a marca sare ou não. Está entendendo bem? – questionou e só obteve um aceno de cabeça. Agatha suspirou. — Tem algum lugar de preferência? – a ironia corria como sempre dos lábios da morena.
Natasha se virou de costas e prendeu seus cabelos num coque apertado.
— Pode ser na nuca – respondeu ficando imóvel.
— Você é uma grande masoquista, Romanoff – foi a única coisa dita por Agatha antes de sua mão brilhar em roxo e apontar para a área solicitada pela Viúva.

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