Três meses depois...
— Você realmente melhorou nisso – Wanda sorria com uma xícara de chá de maçã com canela, sentada na varanda que se dispunha na parte de trás do castelo, observando Natasha arremessando suas facas com sua magia dourada em alvos um pouco mais fáceis que os criados por Agatha. Esses pelos menos eram os velhos e conhecidos alvos estáticos colocados estrategicamente pelo pomar. — Agatha ficaria orgulhosa.
— Ela estaria é debochando de mim por não conseguir matar seus alvos demoníacos! – Natasha disse divertida e mirando mais um alvo. — Aliás, quando ela volta?
— Não faço ideia – confessou a outra soprando o vapor quente. — Talvez ela esteja tirando férias da gente em alguma praia paradisíaca – disse e os olhares das duas se encontraram fazendo ambas rirem.
— Branca como ela é, estaria precisando mesmo! – a ruiva sorriu ao ver mais uma faca cravada bem no centro do alvo. — Mas não acho que seja o caso, os grimórios continuam aparecendo na biblioteca.
— Ela poderia deixar mais do que apenas mensagens rápidas escritas ou mandar mais mensagens de fogo, o que é bem mais a cara dela – a reclamação de Wanda fez Natasha dar uma pausa.
— Ela faz falta, até eu confesso e olha que ela é uma professora bem mais rigorosa que você! – falou e a outra estreitou os olhos.
— Então quer pegar no pesado, é? Eu posso fazer umas coisinhas bem mais mirabolantes que esses alvos! – a voz dela tinha tom de desafio e Natasha riu levantando os braços.
— Isso não foi uma reclamação!
— Hum, sei – Wanda ainda mantinha a postura até que a outra piscou para ela a desmontando inteira por dentro.
— Vamos dar um tempo por hoje. Você só está no chá o dia todo, preciso te alimentar ou Agatha me mata quando voltar! – Natasha disse e se virou para frente, erguendo as mãos, imediatamente todas as facas estavam fazendo o caminho reverso e voando até ela, saindo dos alvos cravados e pairando no ar.
— Eu consigo me alimentar sozinha!
— Sem colocar fogo na cozinha de Agatha? – Natasha tinha as sobrancelhas erguidas enquanto guardava as facas.
— Isso foi só uma vez!
— Para nunca mais, quase colocou fogo no castelo inteiro! – ela não se segurou na risada. — Deixe a cozinha para quem tem a manha – piscou e ela pôde sentir levemente a irritação saindo pelos poros de Wanda e isso a surpreendeu. — Wanda, eu senti! – disse animada.
— Sentiu o quê? O tapa que eu vou te dar? – perguntou exibindo o que a ruiva tinha sentido.
— Sua irritação, eu não só sabia, eu senti! – tentou novamente, mas parecia que Wanda tinha a lentidão de uma internet discada. — Meu Deus, Wanda, eu senti você! – disse a famosa frase e dessa vez foi de efeito imediato. A feiticeira imediatamente arregalou os olhos e a irritação sumiu, Natasha sentiu como se uma mão tivesse arrancado aquilo dela, de tão rápido que o humor dela mudou para uma alegria genuína. Era tão estranho e incrível sentir dentro dela as emoções de Wanda. Ela tinha adorado que podia fazer o mesmo que a feiticeira agora. — Eu senti isso também! – a animação era explícita e passada pelo laço.
Aquilo fez Wanda deixar a xícara de lado e literalmente voar até Natasha se jogando em seus braços. As duas estavam gargalhando e extasiadas com as emoções transmitidas e delas próprias. Era incrível para Wanda que Natasha tivesse conseguido isso pela primeira vez.
— Você realmente está evoluindo, Nat! – a menor, porém agora com mais força corporal, pelo treinamento físico rigoroso, girava a maior em seus braços. — Estou tão feliz!
— Eu sei – o sorriso de Natasha era gigante.
<...>
— Você realmente cozinha muito bem, o spaghetti estava maravilhoso! – Wanda terminou o segundo prato com gosto e um sorriso de criança no rosto.
— O segredo está no preparo de um bom molho – Natasha piscou e observou melhor o rosto feliz da mulher crescida que parecia uma criança às vezes. Ela gostava quando Wanda se soltava. — Vem aqui, vem – chamou Wanda pedindo que se inclinasse.
A feiticeira fez o movimento confusa e Natasha aproximou seus dedos de seu rosto, a respiração de Wanda travou levemente quando sentiu os dedos gelados da agente passarem em volta de sua boca do lado direito, retirando provavelmente resquícios de molho.
— Bem melhor – Natasha sorria e levou o dedo a boca. — O molho realmente está ótimo! – comentou e Wanda jurou que poderia morrer com aquele simples gesto. A ruiva era extremamente sexy mesmo sem perceber e com coisas bem simples, apesar do gesto sugestivo. — Wanda? Me ajuda com a louça? – chamou e percebeu a mais nova aérea.
Wanda apenas balançou a cabeça num aceno positivo.
As duas arrumaram a cozinha sem magia e em silêncio, era uma rotina comum desde que foram deixadas sozinhas no castelo enquanto Agatha estava em sua cruzada para reunir todos os seus grimórios e pertences de seus esconderijos ao redor do mundo aqui na moradia que as três aprenderam a chamar de lar.
Sim, foi uma adaptação estranha e demorada, mas elas se tornaram da família. Um coven. A lealdade era nutrida lentamente, as demonstrações de carinho veladas, a proteção exercida, a ajuda, até as implicações com o humor nada ácido das bruxas. É, elas se aproximaram muito.
— Não se esqueça de alimentar o Senhor Scratchy – Wanda lembrou Natasha colocando os talheres no lugar. — Aquele coelho só fica de boa com você, além da dona – fez uma careta.
— Ele é um pequeno demoniozinho – a ruiva riu se lembrando de quando a outra tentou alimentá-lo, foi um desastre e muito engraçado. — Qual a programação de hoje?
—Sitcom! – Wanda disse animada e Natasha não se surpreendeu.
— Você nunca se cansa disso, né?
— Não tenho culpa se Friends tem muitas temporadas! – falou e apontou o dedo para a ruiva. — E não finja que não gosta, eles conseguem até fazer você rir!
— Talvez porque é idiota - falou Natasha somente para provocar.
— É por isso que é bom! – Wanda retrucou e a outra riu demonstrando a brincadeira. — Você é má, Natasha.
— Você demonstra uma ingenuidade e inocência às vezes, é bom ver que não se perdeu totalmente. É uma das coisas que mais amava em você – a ruiva confessou deixando a outra sem palavras temporariamente. — Vá colocar a série, já estou indo para assistir com você! – pediu vendo a outra sem jeito, mas Wanda fez.
Nesses três meses Wanda realmente tinha apresentado melhora, sua pele continuava clara, mas a aparência doentia tinha passado, os machucados no pulso que tinha cortado e no braço tinham cicatrizados e estavam quase brancos, até mesmo as manifestações do livro dos condenados estava melhor. Suas veias estavam escuras, mas não estavam saltadas e da cor de piche.
Isso realmente aliviava Natasha.
<..>
A garota de cabelo azul andava em sua bicicleta, com o vento balançando suas madeixas encaracoladas, o Sol ainda no céu esquentando o estado de Ohio, seu penteado voando e um pouco desleixado, já estava na hora de pintar novamente, as raízes de seu cabelo denunciavam seu ruivo intenso natural, mas de qualquer forma até daquele jeito a garota gostava. Dava um ar mais rebelde sem causa para sua aparência de menina.
Fazia muito tempo que Natasha se permitia voltar àquela época, mais ainda sonhar com o que tentava jogar para o mais profundo de sua mente. Ela já tinha vivenciado muito mais do que aconteceria logo em diante. Ela tinha se vingado. Tinha destruído a Sala Vermelha. Reencontrado Yelena, Melina e Alexei. Sua primeira família.
Então ela não entendia o porquê de seu cérebro voltar àquele dia tão traumático para ela. De alguma forma sabia que estava sonhando, um tipo de sonho lúcido. Sua memória estava ativa mandando imagens do que se lembrava da época, mas seu corpo estava paralisado.
Aquilo mandou um arrepio na espinha da ruiva, tentou se mover, mesmo que um dedo e não conseguiu. Estava tendo uma paralisia do sono. Tinha tido muitas no passado e elas só eram assustadoras por um outro detalhe particular.
Na Sala Vermelha, ela era a menina dos olhos de Dreykov, seu treinamento e tratamento eram particularmente diferentes das outras Viúvas, isso incluía uma sala separada das demais para dormir. Isso não era uma coisa para se tirar vantagem, não mesmo, os horrores que aconteceram naquele cômodo perseguiam Natasha em pesadelos, ela era acorrentada numa cama dura e muito gelada, os pés e as mãos presos no total escuro. Era somente um meio para ter acesso a ela mais rápido.
A paralisia do sono não era nada comparada àquela sensação fria apertando seus membros, ela nunca dormia, não por vontade própria, era pior. Baixar a guarda e ser arrancada de seu sono fazia toda e qualquer experiência ser mil vezes mais aterrorizante. Então ela vivia com olheiras fundas que fazia suas treinadoras a baterem por horas, mas nisso Natasha era insistente e persistente, por mais que seus ossos fossem quebrados, somente a exaustão a levava à inconsciência.
Até hoje tinha vestígios disso, parecia uma coruja, se tornar uma pessoa que dormia as horas extremamente necessárias para sobreviver depois que fugiu daquele lugar não foi uma escolha. Era consequência.
E agora ela estava ali presa novamente, seu corpo flutuava no vazio de preto e dourado, a sensação constante de frio na barriga era familiar à dimensão que ficou com o Vigia, mas por algum motivo ela sentia necessidade de estar alerta.
O dourado representava a cor de sua magia, ironicamente não era a cor da joia da alma que soube ser laranja, mas igualmente não era a cor da magia de Wanda. O dourado-ouro e brilhante era dela.
Suas lembranças estavam soltas pelo vácuo, envoltas em dourado, ela estava sendo consumida pelas emoções que elas transmitiam, podia sentir mesmo que imóvel seu corpo começar a suar. E isso fazia dos lençóis quentes, gelados como sua antiga cama em sua cela particular.
— Papai está em casa! – a lembrança de Melina falou clara em sua mente. A mesa posta e ela e Yelena sentadas uma de frente para outra. A sensação boa antes de tudo começar a desmoronar. O último dia em Ohio.
Natasha tentava mover a cabeça para espantar aquelas lembranças, mas não conseguia apesar do esforço.
— Quanto tempo nós temos? – lembrou-se de ter ouvido sua mãe falar sussurrando para Alexei que parecia animado para finalmente sair da América. Ele não se importava com o que viria a seguir, só se importava com a missão, era isso que elas representavam para ele, ou era o que achava na época.
—Eu não quero ir... – Melina confidenciou com a voz firme e hesitante. Ah, como queria que ela tivesse sido firme em tomar uma atitude para fazer algo a favor de seus sentimentos. Entretanto, ela foi covarde e se entregou ao medo do que a Sala Vermelha poderia fazer. Era experiente e isso queria dizer mais tempo de lavagem cerebral e condicionamento de comportamento. Natasha poderia culpá-la?
— Me desculpe – foi tudo que ela disse a Natasha que já tinha entendido seu destino.
Aquelas frases ecoavam em sua cabeça e ardiam, pareciam queimaduras recentes em sua pele, ela queria gritar. Seu peito estava cheio demais, estava sufocando. Se sentia queimando e ao mesmo tempo sentia agulhadas geladas enviadas para seu cérebro.
— Devia estar acostumada a sensação, Natasha. É russa, não é mesmo? O frio e o gelo deveriam ser o seu elemento natural... – ouviu de repente e em bom som uma voz que ouvia toda vez que abria a boca, a voz era sua. — Ah, isso é delicioso, sabia? O gosto de seus traumas é particularmente agridoce... Tem tantos para eu consumir, tanto para eu tirar de você, Natalia...
Quando Natasha seguiu sua voz, desejou não o ter feito, era como se ver no espelho. Era ela vestida em um de seus trajes de Viúva Negra, mas com algumas alterações, os tons ébrios costumeiros para a camuflagem davam lugar a detalhes em dourado-ouro brilhante. As ombreiras de Kevlar, o peitoral a prova de balas, o zíper e o cinto, juntamente com os suportes para armas e facas, as luvas conhecidas por serem os ferrões da Viúva Negra, as tonfas elétricas, até mesmo as botas tinham detalhes em dourado. Já o tecido de Tricoline continuava em preto. Não usava nenhum emblema que distinguisse a quem trabalhava. Não tinha S.H.I.E.L.D., KGB ou Vingadores, somente um vistoso e pomposo traje preto e dourado. Lindo e imponente.
— Não precisamos mais do elemento surpresa, então por que usar somente preto? – sua cópia parecia que lia seus pensamentos. — O traje é melhor assim. O que é bonito tem que ser visto, não é o que dizem por aí? - o sorriso malicioso era o mesmo que o dela.
Ela queria questionar aquela coisa, mas sua boca não se abria, sentia como se seus lábios tivessem sido costurados. O pânico queria a tomar, ela sentia como se suas emoções estivessem sendo sufocadas, como se estivesse sendo impedida de respirar.
— Ah, sou eu quem falo aqui, está com medo? Pensei que a grande Viúva Negra não se permitisse emoções primárias tão ridículas – novamente o riso. — Mas você não é ela mais, ou é? Não... Você tem os traumas dela, mas não mais todas as consequências. Wanda queria a Viúva e trouxe você. Sua fraqueza é como carniça às minhas narinas. É fétida!
O peito de Natasha subia e descia, seu coração batia tão fortemente que até em seus sonhos eram uma trilha sonora perturbadora, ela começou a sentir uma fúria descomunal por estar sendo tão patética. O lugar imediatamente ficou tão brilhante que quase a cegava...
— Isso, meu brinquedinho, continue... - ela ainda podia ouvir a voz mesmo que a figura tenha se dissolvido em tanta luz. — Me alimente.
Foi a última coisa que ouviu da criatura antes de conseguir acordar daquela paralisia gritando como nunca gritou antes em todas as suas duas vidas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Give Me Love
FanfictionQue Wanda perdeu tudo nem é preciso dizer. Os pais, Pietro, Visão e agora que acabou de voltar de seu estado mental quebradiço de Westview, uma nova falta surgiu, uma que esmagava dentro de seu peito: a falta de Natasha. Ah, como ela gostaria de se...