Capítulo 23

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"Ela se esconde, como um fantasma
Será que ela sabe que nós sangramos da mesma forma?"
Where's my love — SYML

Pela pouca convivência que tive naquela casa, descobri algumas coisas sobre Nicolau, e vamos lá:

1. Ele escondia segredos, segredos esses que eu não fazia ideia, mas tinha certeza de que envolviam cada membro daquela casa.
2. Ele fazia o tipo de pessoa que faria qualquer coisa para proteger os seus netos, não importa o quê, o que se entendia como a primeira alternativa.
3. Apesar de proteger os seus netos, isso não o impedia de ser um ser humano inflexível no que se tratava de educá-los.

Ali na mesa de jantar, eu observava Nicolau e Louis. Parecia que essa mesa era mais testemunha de brigas do que de refeições; não havia um dia sequer em que nos reuníssemos ali sem ter uma discussão entre Apollo e Aaron, ou Aaron e Jude, ou Nicolau e Aaron, ou Louis, e assim por diante.

Na minha antiga casa, quando meus pais eram vivos, costumávamos nos reunir à mesa para qualquer refeição. Era um momento em que eles perguntavam sobre o meu dia ou simplesmente ficávamos conversando besteiras, como o gato da vizinha que comeu o frango que estava descongelando na pia. Papai ficava furioso, mas ele sempre amoleciam porque o gato tinha um rosto fofinho. Então, ele deixava de ficar brava, e eu e a mamãe gostávamos de ficar zoando ele. Na maioria das vezes, eram conversas triviais que nunca pensei que me fariam tanta falta, igual eu sentia. Sentia falta deles todo santo dia. Perguntei-me se algum dia a dor ficaria menor; talvez só fique grande mesmo com o passar do tempo, porque quanto mais fico velha, mais sinto saudade. 

Mas aqui vamos nós a Louis, que parecia estar tendo dificuldade na escola, e Nicolau não parecia nada satisfeito.

— Como você tira notas tão ruins tendo os melhores professores te ensinando e, mesmo assim, não há evolução nenhuma? Isso é um cúmulo — Nicolau repreendeu, enquanto ele se encolhia na cadeira. 

— Eu já disse que você pode pagar os melhores professores do mundo, mas eu não entendo — Louis disse, visivelmente irritado. 

Nicolau passou a mão na têmpora; a outra mão amassou um pouco a prova entre os dedos, em um gesto sem pensar. 

— Como você não entende a interpretação básica de um texto? Eu não entendo essa dificuldade toda em entender questões tão fáceis como essa. 

Louis se levantou da cadeira, encarando o avô com os dentes cerrados, as mãos apoiadas contra a mesa e os olhos estreitos.

— Me desculpa se eu sou burro demais e não sou como Apollo ou Aaron, os filhos inteligentes — cuspiu as palavras como fogo.

Os outros garotos não estavam na casa; Apollo serviria para acalmar os dois, mas Aaron só ficaria olhando e curtindo porque não era ele que tinha levado bronca dessa vez. Nessas horas, era ele que eu sentia falta; ele falaria uma piadinha idiota no meu ouvido que eu fingiria que não gostava, mas por dentro estaria rindo. Não que isso fosse engraçado.

— Você não se esforça o suficiente e, por isso, só tira essas notas horríveis. Vai acabar repetindo de ano desse jeito — me incomodei muito com o jeito que Nicolau falava com o garoto.

Quem nunca foi mal na escola? Até eu já tive meus altos e baixos. Lembrei do primeiro ano do ensino médio, a primeira vez que tirei uma nota baixa; quase fiquei deprimida por um mês inteiro encarando a prova com aquele vermelho enorme. Ele estava sendo muito duro com ele; de todos aqui, com certeza Louis era o que menos dava trabalho. Ele era triste e esquecido por todos, ou talvez ele se fizesse assim sem querer a atenção de ninguém. 

— Eu vou para o meu quarto me esforçar mais, vovô — sibilou Louis, raivoso, e saiu da sala de jantar. 

Olhei para Nicolau, que se encontrava passando a mão no rosto inquieto. Eu queria dizer que ele não devia tratá-lo assim, que ele só é uma criança, mas me detive; arrumaria outro jeito de ajudar Louis. Eu poderia ajudá-lo.

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