ADEUS, ATÉ MAIS

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Tay se encarava no espelho, os dedos tocando de leve o protetor no pescoço. O reflexo devolvia uma imagem que ele mal reconhecia. Sem maquiagem, com o rosto limpo, seus traços pareciam quase ingênuos, como um adolescente preso em um corpo de adulto. Ele soltou uma risada amarga.

— Adolescente bem gay — murmurou para si mesmo, mas o riso morreu rapidamente.

A mente de Tay o puxou para as lembranças que ele queria enterrar. Tem. O começo de tudo. Aquele início apaixonante e cheio de promessas. As risadas, os toques. E o fim... tão abrupto, tão doloroso. A raiva veio como uma onda quente, subindo até sua face, e ele sentiu o calor pulsar em suas bochechas. O ódio se misturava à frustração.

— Eu devo ter batido mesmo com a cabeça... só isso explicaria eu ter deixado aqueles dois ficarem na minha casa — resmungou com amargura, os olhos ainda fixos no reflexo de seu rosto enrubescido.

Sem pensar muito, pegou o celular. Seus dedos se moviam com uma urgência quase automática. Em menos de meia hora, um carro de aluguel já esperava por ele na porta. Entrou com cuidado, o pescoço ainda rígido pelo acidente, e seguiu em direção ao seu apartamento.

Cada esquina que passava parecia tornar a viagem mais longa. A cidade lá fora se movia, indiferente, mas dentro do carro, tudo parecia estar em câmera lenta. O coração de Tay apertava cada vez mais, à medida que se aproximava do lugar que, por tanto tempo, foi seu refúgio. Ele amava aquele apartamento. Amava as memórias que construíra ali, antes de tudo desmoronar. Mas agora, aquele espaço carregava uma dor que ele não sabia se seria capaz de superar.

Ao chegar, respirou fundo. Entrou no apartamento, que parecia frio e vazio, embora todos os móveis ainda estivessem lá. Como um eco distante de uma vida que ele não sabia mais se pertencia a ele. Olhou ao redor, a nostalgia se misturando com a sensação de perda. Tay nunca fora de admitir para ninguém, mas ele tinha um coração. Um coração que, mesmo ferido, sempre acreditava que as coisas poderiam dar certo. Ele acreditou com Tem... mas agora, restava apenas o vazio.

Com um suspiro pesado, começou a recolher suas coisas. Pequenos objetos que ele considerava essenciais, coisas que carregavam significado. O quarto era a parte mais difícil. Ali, as lembranças eram mais vivas, quase tangíveis. Tay guardou com cuidado dois porta-retratos. Um com a foto de Venice, seu ponto de paz no caos. E o outro, uma imagem dos TT, que agora parecia tão distante, quase como uma piada cruel.

Enquanto terminava de empacotar suas coisas, o som da porta sendo aberta ecoou no silêncio. Tay congelou por um segundo, o coração acelerando involuntariamente. Ele não precisava se virar para saber quem era.

Tem.

Ele estava parado ali, na entrada, com aquele ar de desconforto que Tay conhecia bem demais. Era bonito, sempre foi. Mas havia algo diferente nele agora. Talvez fosse a postura, a confiança que ele adquiriu, algo que Tay ajudou a moldar.

— Pensei que já estivesse longe daqui — Tay falou sem nem olhar para ele, a voz fria como uma lâmina afiada.

Tem hesitou, os olhos varrendo o ambiente antes de fixar-se em Tay.

— Tay, não precisa me tratar assim... — Ele deu um passo hesitante para frente. — E por que você está usando esse protetor no pescoço?

Tay soltou uma risada seca, amarga. Virou-se lentamente, os olhos penetrando Tem como se tentasse atravessar a fachada que ele mantinha.

— Talvez eu devesse nem te dirigir a palavra — disse ele, a voz cheia de ironia. — Estou usando isso porque, depois de vocês dois pisarem na minha bondade, eu sofri um acidente. E o mais engraçado? — Ele fez uma pausa, o olhar cravado em Tem. — O mais engraçado foi perceber que, no momento do acidente, eu não pude dizer “liguem para o meu namorado, ele é médico”. Isso... isso foi o que mais doeu.

Tem vacilou, os ombros caindo um pouco. O arrependimento estava estampado no rosto dele, mas era tarde demais para isso.

— Tay... você deveria ter me chamado. Eu... eu teria vindo.

— Já passou. — A voz de Tay soou firme, como se ele estivesse tentando convencer a si mesmo tanto quanto a Tem. — Eu não morri. E voltei. Agora, vou alugar o apartamento. Estou levando só o que é essencial.

Tem respirou fundo, lutando para encontrar palavras.

— Tay... eu sinto muito. Eu...

— Não sinta. — Tay interrompeu, os olhos fixos nos dele, sem nenhum traço de suavidade. — Eu nunca sinto quando faço algo que é, como vocês disseram, a última saída.

Ele pegou o porta-retrato que segurava. A foto dos três. Lembrou do dia em que a tiraram. Aquele momento parecia uma eternidade atrás, e ainda assim, estava gravado em sua memória com tanta clareza.

— Lembra dessa foto? — perguntou, a voz carregada de algo mais profundo, uma dor não resolvida. — Foi a primeira vez que ficamos juntos... os três.

Tem não respondeu. Seu silêncio dizia mais do que qualquer palavra poderia.

— Se você soubesse... — Tem começou, a voz baixa, como se estivesse buscando uma forma de consertar o que já estava quebrado.

— Se eu soubesse? — Tay soltou uma risada amarga. — Se eu soubesse, isso nunca teria chegado a esse ponto. Mas eu conheço vocês dois. Conheço você, Tem. Vocês podem até achar que isso vai durar... mas eu sei que, um dia, vão perceber que o que vocês realmente queriam era estar ao meu lado.

Ele deu um passo à frente, aproximando-se de Tem. Mesmo com o protetor no pescoço, havia algo irresistivelmente charmoso em sua presença. A camisa levemente aberta deixava à mostra o decote, algo que sempre o tornava hipnotizante.

— Você adora participar, Tem — continuou Tay, a voz baixa e carregada de um misto de sedução e desprezo. — Mas nunca gosta de começar. Já Time... ele adora ser provocado a agir. Um dia, vocês vão estar exaustos, lado a lado, e vão perceber que o que vocês mais queriam era estar comigo. Sentindo minhas mãos... ouvindo minhas piadas... mas tudo o que vão ter é um ao outro. Dois iguais. Porque a singularidade de vocês estava em mim.

Tem parecia sem ar. O peso das palavras de Tay o atingia com força. Ele queria negar, queria argumentar, mas não podia. Porque, no fundo, sabia que Tay estava certo.

— Você sempre teve essas certezas... — Tem murmurou, a voz fraca.

— E você, sempre tão incerto. — Tay balançou a cabeça, com um sorriso amargo. — Como é viver com tanta certeza no trabalho, mas ser uma bagunça no pessoal?

Tem ficou em silêncio, apenas olhando para ele. Tay podia ver o desejo nos olhos dele. Ele sabia que Tem ainda o queria. E isso só tornava tudo mais triste.

— Retire o que você ainda tem aqui — disse Tay, voltando à frieza. — Amanhã o apartamento já estará alugado. E tudo o que ficar fora deste quarto... será queimado. — Ele olhou diretamente para Tem, uma ameaça velada na voz. — Dependendo do meu humor... isso pode incluir você.

Tay pegou sua pequena mala e saiu. Seus movimentos eram lentos, cada passo parecia pesar mais do que o anterior. Quando chegou ao carro, estava exausto, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Enquanto dirigia de volta, os pensamentos o distraíram, e ele quase bateu o carro novamente.

Parou, xingando entre os dentes. Em um acesso de raiva, arrancou o protetor do pescoço e o jogou pela janela, sem nem olhar. Só ouviu um "ai" do lado de fora. Quando olhou, viu um jovem parado, com uma expressão de dor e confusão, segurando o protetor e esfregando a cabeça.

Tay soltou um suspiro. Hoje não era seu dia.

Depois Daquele Carnaval - Pete E VegasOnde histórias criam vida. Descubra agora