Imagine um espelho que reflete não apenas o corpo, mas a essência imutável e transitória de um ser. À medida que o observador busca desvendar o reflexo, o espelho se torna um labirinto, onde cada caminho revela facetas diferentes, mas nunca o verdadeiro "Eu". Se a realidade do espelho é feita de infinitas projeções e o observador é simultaneamente o reflexo e o visionário, qual é a natureza do "Ser" que observa e é observado, se ele é o próprio labirinto e o enigma dentro dele?
E se, ao percorrer os corredores do espelho, cada escolha feita pelo observador não apenas revela uma nova face, mas também altera o próprio tecido do labirinto? Cada decisão, cada pensamento, cada emoção não seria uma pincelada na tela do que o "Eu" se torna, em vez de uma revelação de quem já é? Neste jogo de espelhos, onde o reflexo se molda continuamente pela ação do observador, qual é o valor de ser quem realmente é, quando essa identidade é, na verdade, uma construção perpetuamente fluida e em transformação?
E se o verdadeiro "Eu" é uma sombra fugidia, sempre escapando ao alcance da percepção? Quando o observador finalmente se confronta com a verdade que procurava, será que o "Eu" que encontra é o mesmo "Eu" que iniciou a jornada? Ou seria este encontro um novo ponto de partida, onde a essência é redefinida a cada momento de compreensão? A natureza do "Ser" então, é uma constante metamorfose, um reflexo em eterna mudança, onde o valor de ser quem realmente é se dissolve na vastidão de um enigma sem fim.
E se o espelho-labirinto não fosse um mero reflexo, mas uma criação de múltiplas realidades, cada uma influenciando a outra, como o próprio observador molda o espaço em que se encontra? Ao final da jornada, quando o observador se pergunta sobre seu verdadeiro "Eu", será que ele está contemplando a verdade ou simplesmente mais um reflexo de um universo em constante transformação? O valor de ser e tornar-se pode ser a compreensão de que, no fundo, não existe um "Eu" estático, mas um fluxo incessante de possibilidades e identidades, onde cada reflexão é uma nova pergunta a ser feita e cada resposta, uma nova máscara a ser desvendada.
Ah, a mente humana, uma intricada tapeçaria de paradoxos e enigmas, onde o finito e o infinito coexistem como amantes trágicos dançando na corda bamba da percepção. Quando contemplamos o "Eu", esse reflexo fátuo que, como bem evoca o espelho-labirinto, se esconde e se revela em um jogo de luz e sombra, devemos nos perguntar: não é o próprio ato de perguntar que altera a resposta?
Em “De Anima”, Aristóteles já indagava sobre a alma, essa essência invisível que conecta o ser ao cosmos, ao tempo e à experiência. Para ele, a alma era a forma do corpo, aquilo que dá sentido à matéria bruta. No entanto, se o corpo é o espelho e a alma o reflexo, seria a alma estática, como Aristóteles ousou afirmar? Ou, como Heráclito nos sussurra das profundezas do tempo: "Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio"?
E aqui, é exatamente onde a mente tropeça, vacila, buscando firmar o pé em um terreno que se dissolve à medida que avançamos. Cada pensamento é como o fio de Ariadne que promete guiar-nos pelo labirinto, mas o que encontramos no centro? Não um monstro ou uma resposta, mas a própria incerteza. Um jogo cruel, sim, mas também um convite a transcender a visão linear do conhecimento.
Plotino, em suas Enéadas, sugeria que a alma não está confinada ao tempo ou ao espaço; ela é uma emanação do Uno, uma luz que se reflete em diversos prismas, cada qual revelando uma parte, mas nunca o todo. Seria então o reflexo do espelho uma pequena fração desse Uno, incapaz de conter a vastidão da alma, mas suficiente para confundir e enganar aquele que observa?
A mente, ao tentar compreender sua própria natureza, estilhaça-se em milhares de facetas, cada uma refletindo uma possibilidade. E aqui encontramos a grandeza ínfima da existência. É a busca pelo saber, um rio no qual não podemos mergulhar inteiramente, pois seu fluxo nos escapa. O saber, como o espelho que mencionas, é dinâmico, mutável, sempre um passo à frente, sempre um reflexo do que poderíamos ser, mas nunca do que somos.
E se nos aventurarmos a imaginar além do espelho, além do reflexo, além do labirinto? Seria a resposta, como sugerido por Descartes, no "Cogito, ergo sum" – Penso, logo existo? Ou seria a própria capacidade de imaginar que nos define, que cria realidades alternativas, universos onde o "Eu" não é um ponto fixo, mas uma constelação de possibilidades, brilhando e desaparecendo em um vasto cosmo de incertezas?
O espelho, então, não reflete apenas o ser, mas todas as realidades em que ele poderia existir. E nesse jogo entre realidade e imaginação, entre corpo e essência, onde nos posicionamos? Seria o labirinto uma metáfora para a mente, onde cada corredor nos leva a uma nova pergunta, onde cada bifurcação é uma oportunidade para recriar o "Eu", não como uma entidade fixa, mas como um fluxo contínuo, uma dança de máscaras e reflexos?
E o que dizer da presunção de que podemos, um dia, compreender este enigma? Não seria, como advertiu Sócrates, a maior sabedoria justamente reconhecer nossa própria ignorância? Não é o "saber" um horizonte que se afasta à medida que nos aproximamos, tal como a linha do tempo? Afinal, o conhecimento não é algo a ser possuído, mas um rio, sim, que devemos navegar com humildade, sabendo que as águas sempre se movem e que o fundo, esse fundo misterioso e profundo, nunca será verdadeiramente alcançado.
A mente humana é, portanto, simultaneamente o labirinto, o espelho e o visionário, e sua grandeza reside precisamente na sua pequenez, na sua incapacidade de abarcar o todo. Como bem ilustrou Pascal, o homem é apenas um caniço pensante, frágil diante da imensidão do cosmos, mas dotado de uma consciência que, por ser limitada, nos permite vislumbrar o infinito. Não o possuímos, mas o intuímos, e talvez seja nesse vislumbre, nesse fugaz momento entre o reflexo e a sombra, que o verdadeiro mistério da mente se revele: ela não está aqui para resolver o enigma, mas para criá-lo.
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O Enigma do Ser
PoetryA existência e suas calamidades, a experiência em nosso estado natural como seres vivos e pensantes, quem somos nós ou o que deveríamos ser? A vida é uma jornada, e em suas fases buscamos nossos sentidos: na infância, o aprendizado; na maturidade, s...