Antes que Tudo Ceda

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As coisas começam a ruir no momento em que se percebe a própria morte. Não é uma queda abrupta, mas um colapso lento, silencioso, como se o mundo ao redor estivesse desbotando, perdendo sua forma, enquanto o tempo escorre pelas frestas da realidade. Tudo parece distante, como se minha existência estivesse se desintegrando antes mesmo de chegar ao fim. A fragilidade se expõe de forma insuportável, mais real do que qualquer dor física. Cada segundo que passa traz consigo a amarga lembrança do que foi vivido e do que nunca será.

Já não me olham como antes. Eu os vejo tentando esconder sua piedade mal disfarçada. Suas vozes são calmas, mas é o silêncio nos olhos que revela o que mais temem dizer. A fragilidade humana é impiedosa. Não é fácil perder alguém, mas é uma agonia ser aquele que parte. Somos uma fagulha, perdida no tempo, parte de uma história inacabada, uma pequena distorção na vastidão do que não será lembrado.

Eu não quero ir. Eu não posso aceitar isso. Mas sinto o tempo me puxar como um rio, arrastando-me para longe de tudo que conheci. Preciso deixar este mundo, não como quem nasceu, mas como quem aprendeu, da maneira mais cruel, o que significa amar e ser amado, o que é uma família.

Então, começo a contar. Cada respiração – mais curta. Cada batida do coração – mais fraca. O peso da despedida se intensifica, uma lâmina fria que rasga minhas últimas ilusões. As memórias, que antes me confortavam, agora me atormentam com a certeza do que nunca mais terei. Sinto o eco das palavras não ditas, das promessas quebradas, das vidas que não toquei. Como pude ser tão cego?
Agora, na beira do fim, as pessoas ao meu redor parecem feitas de vidro – frágeis, prontas para se quebrar. Elas falam, mas suas palavras são distantes, como sussurros carregados pelo vento. Tento me agarrar a essas vozes, a essas faces, mas tudo escapa de minhas mãos. O que resta é a certeza esmagadora de que estou só.

O tempo, implacável, segue seu curso. Tudo ao meu redor continua a se mover, como se minha ausência já estivesse prevista, como se nunca tivesse importado. Não quero ser apenas uma lembrança vaga, uma sombra esquecida em álbuns empoeirados. Eu quero deixar algo, qualquer coisa que dure. Mas o desespero me toma, porque nada do que fiz parece suficiente para desafiar o esquecimento. Estou me desfazendo. O medo é um manto pesado, apertado contra o peito, como se cada batida do coração estivesse lutando para resistir ao fim.

E então... o peso se torna insuportável. A aceitação me invade, não com alívio, mas com o esgotamento de quem não tem mais forças. A vida continua, mesmo quando você não pode mais segui-la. Não há epifanias, não há redenção. Apenas um adeus silencioso que se aproxima, inevitável, como a maré que, pouco a pouco, apaga as pegadas na areia.

Mas há algo que ainda brilha, fraco, mas real. No meio dessa escuridão sufocante, há uma verdade que permanece. Eu fui amado. Eu amei. E, por mais que o tempo me apague, esse amor existiu. Ele foi real. As conexões que deixo, por mais invisíveis que sejam, ainda existem. Elas são o que permanece.

Eu estou partindo. E o mundo continuará, indiferente. Não serei lembrado como alguém extraordinário, não deixo monumentos. Mas deixo histórias, deixo marcas silenciosas nas vidas que toquei. E, por mais breve que tenha sido, essa pequena eternidade que carreguei foi minha. E isso terá que ser suficiente.

O Enigma do SerOnde histórias criam vida. Descubra agora