O cansaço me assombra com uma familiaridade gélida,
como se tivesse sido escrito em mim, linha por linha.
Eu o sinto em cada músculo, em cada pensamento,
e mesmo se quisesse rejeitá-lo, ele conhece cada recanto do meu ser.
Os dias se arrastam, e eu, em um ritual de desgaste,
aproximo-me de um abismo que não sei nomear,
como se a realidade fosse um presságio que não cede.Há descanso em aceitar o real?
Me disseram que as mudanças trariam felicidade,
mas ela permanece um eco distante,
como uma promessa dita com voz baixa, sem convicção,
enquanto o cansaço, intruso sombrio, se enlaça em mim e não cede.Meus sacrifícios foram febris,
mas o retorno, apenas o peso do tempo.
Tudo o que resta é carcomido,
enquanto a felicidade, ao longe, me olha com pena,
como uma lembrança vaga do que nunca pude tocar.
E eu me deixo cair, afinal, na familiaridade do cansaço.Vejo a vida do outro lado da janela,
uma sequência de sombras sem rosto,
cada expressão uma rachadura que me reflete,
vestígios de sonhos que um dia foram vivos,
ilusões trituradas sob o cotidiano insensível.
O ar está carregado de expectativas desgastadas,
de murmúrios que os anos tornaram canções desconexas,
como uma sinfonia que perdeu sua melodia.E o que busco agora?
Um instante de paz ou apenas coragem para enfim cair?
O cansaço, esse velho visitante, se deita ao meu lado,
sua presença um frio antigo, imóvel, sutil,
como um segredo que o tempo quer sussurrar, mas silencia.O cansaço é meu lamento,
um som monocórdio que pulsa, abafado, na mente,
onde cada passo é uma rendição,
cada sorriso, um ensaio de resistência.
E os sonhos?
Perdidos, apagados em algum recanto do tempo,
como páginas de um livro que nunca foi lido,
sem história, sem sequência,
apenas sombras do desejo que não posso recordar.É isso, então? Viver é resistir ao que não posso ser?
Deveria o esquecimento ser, em si, a última paz,
o fim da busca de um algo que sempre me escapou?Busco o descanso, mas encontro o cansaço,
e nele, uma paz gasta, fria,
como se o fim do desejo fosse meu último consolo,
um refúgio frágil para uma alma que se consome à espera.
E assim sigo, num caminho sem luz,
envolto na presença deste cansaço que já sou eu,
enquanto os sonhos, agora ocos,
me observam como sombras distantes,
fugazes, até que nada mais reste.
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O Enigma do Ser
شِعرA existência e suas calamidades, a experiência em nosso estado natural como seres vivos e pensantes, quem somos nós ou o que deveríamos ser? A vida é uma jornada, e em suas fases buscamos nossos sentidos: na infância, o aprendizado; na maturidade, s...