O Verão dos Pace

Capitulo 21

Para passar o tempo no barco, Clarissa levara consigo o diário de Olímpia, apesar do enjoo que sentia por ler em alto mar, das cólicas da tensão pré-menstrual e um leve arrependimento de ter contado o envolvimento com moda de Olímpia para Iris que compartilhava desse mesmo gosto, também era costureira e perguntava por novas informações a cada novo parágrafo era lido, a leitura estava fluindo muito bem. Olímpia relatava seu antigo estágio em uma boutique.

A boutique fora fundada por Adelina Fontes, uma estilista talentosa que após se desentender com sua chefe, que era herdeira de uma boutique cara e tradicional fundada poucos anos antes do século XX em São Paulo, resolveu investir em um negócio próprio. A tal boutique, fora fundada com o nome de Graciana Baptista e renomeada como Marialva Galvão, a neta de Graciana Baptista décadas mais tarde.

Ainda estava de pé, Clarissa lembrava-se bem de um dia de passeio anos atrás em que a mãe de Bruna precisava trocar uma saia que ficara apertada antes de ir ao cinema e fez com que ela, Bruna e Beatriz, a irmã mais nova de Bruna, esperassem em absoluto silêncio em um sofá num canto quase imperceptível para que elas não a envergonhasse na frente das vendedoras esnobes e das madames idosas que ali frequentavam.

No caso, Adelina brigara com a Marialva Galvão em pessoa. Marialva fora professora de corte e costura de Olímpia, desde os seis anos de idade até poucos dias depois dela completar quinze anos. O diário continha inúmeros desabafos rancorosos de Olímpia pelos modos arrogantes e pouco acolhedores de Marialva, cujo para tal era um peso ser professora de uma garota que em sua opinião tinha ideias tão vulgares que até prostitutas teriam receio de vestir, segundo suas próprias palavras. Quando brigara com Marialva, Adelina tratou de recrutar Olímpia pois queria alguém em sua equipe que tivesse ideias mais visionárias e fora da caixa, e achava que havia potencial nela para ser essa pessoa.

Enquanto lia o diário no dia anterior antes de dormir, Clarissa se lembrara do resto do conteúdo da caixa em que o achara, e se aproveitou de um momento em que Elsa levou Olímpia para uma consulta de rotina para surrupiar coisas que talvez o completassem. Como Olímpia mal tocara na caixa e a deixara no fundo do nicho de cima do guarda-roupa, levou quase todos os papéis que haviam dentro da caixa sem se preocupar muito com alguém descobrindo seu intrometimento nas memórias antigas de sua bisavó.

Especificamente, encontrou um jornal com uma coluna destacada que criticava a inauguração da boutique de Adelina. Clarissa pesquisara o nome do colunista que a escrevera no Google, Emanuel Lucchesi e descobriu uma entrevista dos anos setenta de Marialva Galvão admitindo que Emanuelle Lucchesi era um pseudônimo que ela costumava usar para expressar algumas de suas opiniões sem se queimar. Clarissa havia lido algumas colunas que Marialva assinara com seu próprio nome desde que Olímpia a citara pela primeira vez, se nelas estava segurando a língua era inimaginável as espécies de atrocidades que ela falaria protegida por outra identidade.

Ao contar para Iris a reviravolta de que a mulher que Olímpia amaldiçoara em seu diário de todas as formas possíveis era a própria Marialva Galvão, pediu licença para pegar o jornal frágil da mão de Clarissa e leu em voz alta:

Adelina Fontes e suas mulherzinhas pretensiosas inauguram uma boutique em um bairro nobre de São Paulo

  Não é menos que justo afirmar que há dentro de todos nós uma menininha petulante e pretensiosa que acha que irá mudar o mundo. É natural ter essa tola esperança jovem no início da carreira, apesar de sempre ter tido noção e pés no chão que me permitiram ter sempre um respeitável nome, aprendi a ter certa tolerância com essa classe, pois tenho tempo de profissão o suficiente para saber que existe uma seleção natural na indústria que cortam as asinhas desse tipinho.