Capítulo 2

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   Clarissa não poderia ter presenciado uma cena mais patética no dia de hoje, logo ela, que estava prestes a desperdiçar dois meses de suas férias de verão em uma cidade de caipiras fãs de Halloween.

   A mãe de Clarissa havia pedido à ela para dizer à Miguel guardar as cuecas que ele usaria nas férias em uma bolsinha para ajudá-la a terminar a mala dele, e quando Clarissa abriu a porta do quarto do irmão sem bater, se deparou com ele sem camisa chacoalhando um cantil, e limões, cachaça, açúcar e gelo espalhados pelo quarto. Em seguida, quando Miguel percebeu que alguém havia aberto sua porta, soltou um grito agudo e derrubou o cantil com a bebida no pé direito.

— Quem mandou você entrar no meu quarto assim? — gritou Miguel em um misto de raiva e alívio. Ele se molhara inteiro de caipirinha e seu pé doía pelo o impacto do cantil de inox, mas era melhor ser pego por Clarissa do que pelo seu pai.

   — Não sei, quem mandou você levar caipirinha para Cecília? — debochou Clarissa, como se dissesse não reclame, pois posso lhe fazer ir viajar sóbrio e isolado na torre como Rapunzel durante as férias— De qualquer modo, a mamãe mandou você enfiar suas cuecas numa bolsinha para levar para Cecília. Limpas de preferência.

— É Ceuci — disse Miguel frustrado, abrindo suas gavetas e separando as cuecas. Ele já tentara mais de uma vez deixar todas as cuecas em uma só gaveta, mas como o bagunceiro nato que sempre foi nunca conseguiu, então havia desistido há muito tempo.

   Clarissa tateou a cama bagunçada de Miguel para tentar se sentar, ela sabia que seu irmão não acreditava em arrumar a cama, ela mesma tinha suas objeções, mas tudo tinha um limite. Miguel parecia não conseguir dormir sem estar aninhado com suas bagunças. Quando finalmente conseguiu se sentar, Miguel a impediu:

— Aí não — disse Miguel de repente, fazendo Clarissa pular de susto e deixando Miguel satisfeito pela pequena vingança acidental — Meu sketchbook tá aí em cima.

Clarissa pegou o sketchbook e pediu a permissão do irmão para folhear, e ele assentiu para que ela ficasse à vontade, e então guardou as cuecas em uma sacola de supermercado e se agachou para limpar a bagunça do chão. Os desenhos estavam lindos como sempre. Desde pequena, Clarissa olhava os desenhos do irmão com um misto de admiração e inveja. Miguel já havia encontrado sua vocação, até mesmo Rosa que passava o dia inteiro cantarolando parecia mais perto de encontrar um hobby do que ela.

Clarissa fechou o sketchbook ao terminar de folhear e disse que os desenhos estavam ótimos. Foi quando ela notou dois desenhos nas costas de Miguel.

— O que é isso nas suas costas? — perguntou Clarissa em um tom não acusatório, mas curioso.

Miguel se virou de frente para a irmã de pressa, com raiva de si mesmo por ter se descuidado duas vezes perto dela. Não respondeu de primeira, terminou de limpar o chão com cuidados de Cinderela para não deixar rastros e respondeu:

— São falsas.

Miguel não era idiota de achar que enganaria sua irmã, era óbvio que não eram falsas, a pele estava avermelhada e tinha pomada em cima de suas tatuagens. Apenas queria se livrar rápido do assunto. A presença de Clarissa no quarto já estava o aborrecendo.

— Jura? — riu Clarissa. Ao contrário de Miguel, não queria terminar essa conversa tão cedo, estava interessante.

Então ela se aproximou para enxergar as tatuagens com nitidez. Eram próximas, uma continha os dizeres "mãe" e a outra era um dragão.

— Você é tão puxa-saco que nem notou que tá chamando a mamãe de dragão — riu Clarissa — Mas do jeito que ela é, vai adorar, e ainda vai te pedir para fazer outra tatuagem com ela de bruxa.

Miguel não pôde evitar rir. Quando fizera sua tatuagem de dragão, pensara em adoçar o impacto fazendo uma tatuagem para Ana, pois ao contrário do pai, o único argumento dela contra as tatuagens era o fato de Miguel ser menor de idade. Ele não achou que seria tão óbvio, mas ao ver que sua irmã de catorze anos descobrira em menos de um minuto, pensou que talvez tinha pago outra tatuagem em vão. O impacto seria o mesmo.

— Você tá mesmo amarga em relação a essa viagem — foi o que Miguel conseguiu responder. Não queria mais conversar sobre suas tatuagens.

Enquanto Miguel abria as portas do armário para vestir uma camiseta, Clarissa não conseguiu deixar de pensar na surpresa em ver que o irmão não estava tão negativo quanto ela para ir para Ceuci.

Havia algumas semanas que Miguel tinha terminado com Livia, e seria gentil dizer que o término foi uma carnificina. Ele tinha recebido por uma mensagem de um número desconhecido uma foto dela o traindo em uma festa na qual ele não fora, e desde então vivia se arrastando pela casa, chorando sem pudor em qualquer canto e constrangendo a todos, até mesmo Ana que tinha seus discursos intermináveis a favor de diálogos.

Com as férias de verão próximas, Miguel cessou sua choradeira e só falava em planos de festas e garotas, parecia que ele finalmente havia superado Livia.

Clarissa estava com pena de Miguel desde que seus pais anunciaram que todos teriam que passar as férias inteiras na casa de praia em Ceuci. Até aquele momento. Clarissa imaginava que Miguel se sentia muito mais frustrado com a viagem do que ela, o que de certa forma, tornava-se reconfortante saber que mais alguém na família não iria se divertir como ela não iria.

— A Nina me convidou para passar alguns dias em Aspen com a família dela.

Miguel finalmente entendeu. Não seria bem férias com "a família de Nina" . A mãe de Nina falecera há treze anos atrás, e pelo o pouco que conhecia o pai de Nina, sabia que ele era um homem carrancudo, bilionário e de poucos amigos que terceirizava a educação da filha. Miguel desconfiava que Clarissa e Nina viravam a noite pedindo serviços de quarto, assistindo filmes e nadando na piscina dos hotéis no qual se hospedavam enquanto o pai de Nina dormia tranquilamente em outro quarto.

Não era totalmente mentira. Mas nem Miguel e nem os pais dos dois imaginavam que ultimamente, a funcionária encarregada de cuidar das meninas fazia vista grossa em troca de alguns trocados e as duas escapavam para festas.

Nina era linda. Era modelo desde criança, possuía um rosto delicado, cabelos loiros acobreados e olhos que as pessoas não se decidiam se eram azuis ou verdes. Cada um tinha a sua opinião.

Esse tipo de aparência hipnotizante abre portas para qualquer um, ainda mais para uma herdeira de uma fortuna bilionária. Não era difícil para Nina fazer amizade com todo tipo de gente interessante, ser convidada para as melhores festas e ter o cara que ela quisesse sem que a idade fosse um empecilho. Clarissa curtia as vantagens de ser amiga de alguém como Nina, mas era difícil não se sentir... Clarissa não gostava da palavra "inferior", mas também não conseguia pensar em outra.

Clarissa estava longe de ser feia, ela era uma menina de pele oliva, cabelos castanhos lisos e olhos bem redondos, como seu pai e seus dois irmãos. Era uma beleza bem comum na opinião de Clarissa. Os Pace também estavam longe de serem ricos como os colegas de escola de Miguel e Clarissa, o que em si para ela não era um problema, mas fazia com que quase todos ao seu redor a tratassem como uma espécie de assistente pessoal de Nina.

Talvez as férias em Ceuci pudessem ser uma oportunidade para ela respirar um pouco longe de Nina, mas definitivamente não era desse jeito que Clarissa se sentia. Quando ficava longe de Nina, sentia-se estranhamente desprotegida.

Clarissa não era confiante o suficiente para tentar sair da sombra de Nina, por mais deprimente que isso soasse, a verdade era que ser a assistente pessoal de Nina era o que ela fazia de melhor.

— Esquece a Nina — retrucou Miguel começando a macerar mais limões para preparar outra caipirinha para levar no cantil. Seria difícil fazer com que Clarissa admitisse, mas ela admirava a força de vontade de seu irmão. Ele estava molhado de bebida, seria mais seguro beber antes de ir viajar, mas ele queria porque queria levar um cantil com caipirinha e iria levar — Você vai fazer amigos novos lá, já tá na hora de vocês darem uma desgrudada.

—Acho que você tem razão.

— Claro que eu tenho.

Clarissa assistiu Miguel terminar a caipirinha no cantil. Ela tentou dar outro susto nele, que não foi nem de longe tão divertido quanto o primeiro, mas o fez ficar tão bravo quanto. Quando a caipirinha ficou pronta, Miguel ofereceu um gole para Clarissa, que recusou. A adrenalina de correr o perigo de ser pega com cheiro de bebida pelo pai não era divertida para ela como era para Miguel.

Ela alertou o irmão sobre o forte cheiro de álcool que ele emanava após a queda do cantil , e ele, que gostava de adrenalina mas nem tanto, disse à ela que tomaria um banho antes de descer e a entregou a sacola com as cuecas. Então, Clarissa desceu para o primeiro andar para entregar a sacola para Ana.

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