Capitulo 22

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   O barco que Bárbara desembarcara era bem mais chique do que o de Clarissa e Iris. Também uma opção mais chamativa, o que não combinava com seus trajes, que parecia os de uma celebridade em Los Angeles tentando fugir de paparazzis. Exceto que Bárbara trocara o famigerado moletom, estava calor demais para usar algo minimamente semelhante.

  Logo Iris e Clarissa a perderam de vista, e estranhando, Iris perguntou para a colega se ela não estava frustrada. Se estivesse no lugar de Clarissa e visse alguma tia, ou mais provavelmente sua mãe na mesma ilha para qual viajara logo entraria de mau humor por perder a liberdade. Mas Clarissa estava tranquila.

  — Eu garanto que nós somos a última coisa que passa pela cabeça dela— respondeu Clarissa dando de ombros— Relaxa, se a gente tiver cuidado ela nem vai notar nossa presença.

  Mas ao contrário de sua tia, Clarissa sim queria notar sua presença na ilha, estava tão intrigada quanto Sandra com aquela ligação bisbilhotada.

Um parente de cada vez. Continuando com Olímpia, Clarissa leu outra coluna de Marialva sobre vestidos de madrinhas de casamento da moda da época em voz alta, Iris volta e meia tinha que conter uma risada para manter a postura de ranço, mas era difícil quando ouvia-se os maiores absurdos venenosos ditos com a maior tranquilidade.

  Assim que terminou, Clarissa entregou a pasta para Iris e pediu para que ela escolhesse outro recorte ou coisa do tipo para ler em voz alta. Iris sorteou um pedaço de jornal, o leu para si com olhos arregalados e guardou-o de volta na pasta. Ao ver o olhar confuso de Clarissa, explicou:

  — Era só a notícia de um menino que morreu afogado há anos atrás. Acho que você não sabe quem é Nivaldo Silva, sabe?— desconversou tragando o cigarro e fazendo Clarissa conter uma tosse, não havia cheiro algum no mundo que odiasse mais do que o de cigarro.

Aos seis anos, Clarissa fora diagnosticada com claustrofobia, motivo pelo qual Alexandre parou de fumar. Ainda tinha pavor de lugares minimamente fechados e muitas pessoas em cima de si, apesar de que a amizade com Bruna havia feito com que aumentasse consideravelmente a tolerância ao odor de cigarros e similares, o menor sinal do cheiro a deixava de mau humor e dependendo da intensidade, ansiosa.

  Clarissa pediu para Iris para que pedissem a conta e fossem andando, talvez assim o cheiro do cigarro circulasse, e antes que pudesse insistir para ver o jornal, Iris buscou algo novo na pasta e sorriu ao mostrar o que era. Um croqui de um vestido de alças finas, com um busto delicado bordado com pérolas e a saia plissada suave. Na parte de trás do papel estava escrito que era era um esboço de uma coleção, que seria inspirada na mitologia de sereias.

Quando estavam no píer, Iris lembrou-se de perguntar sobre a corrente de ouro com o pingente de sereia para Clarissa pois queria comprar uma igual, e ela lhe contou que Ana mandara fazer como presente de aniversário de dez anos pois ela tinha um apreço pela mitologia das sereias. Clarissa havia contado mais de uma vez razões pelas quais achava-se parecida com Olímpia e o receio de ter um destino parecido, Iris no começo achara que era uma baboseira e que Clarissa estava projetando, mas agora não dava para negar a semelhança. Neste momento Iris teve certeza que fez o certo em esconder o jornal de Clarissa.

— E a Marialva achava que ela não tinha talento— observou Clarissa com orgulho— esse vestido não seria nada antiquado pra usar até mesmo hoje em dia.

  Ao chegarem na casa em que se hospedariam, Clarissa fixara-se na placa da entrada, com os dizeres "A Lua". Talvez fosse porque a tal deusa da ilha fosse Jaci, a deusa da lua tupi-guarani, mas Clarissa tinha a impressão de já ter visto a placa antes.

  — Sim, a casa é da Nena e do Júlio, "A Lua" também é uma carta do tarot, igual "O Louco"— explicou Iris ao perder a paciência em esperar que Clarissa decifrasse sozinha— Sabe o Junior? A gente chama ele de Jota, é aquele garoto que fica na registradora da loja, é filho deles e estuda comigo, ele me emprestou pro fim de semana.

— Claro que sei. Ele atende todo mundo de má vontade, na primeira vez que fui na loja ele registrou o valor errado de um livro que eu comprei e arrancou da minha mão quando foi registrar certo.

— Não é nada pessoal.

— Eu já reparei isso. Também reparei que ele quase desidrata babando por você.

— Ele não é o único.

Iris destrancou a porta, jogou as bolsas no sofá da sala e pediu para que Clarissa calçasse um tênis pois iriam fazer a trilha da montanha de Jaci. Que déjà-vu. Instantes após deixar a casa, Iris recebeu uma ligação de Jota, que mal via a hora de usar de sua gratidão para puxar assunto. Alugou-a por um bom tempo na ligação, Clarissa logo ficou entediada, dispersou-se e não prestava atenção.

Tudo tem mesmo um preço, a casa que saíra aparentemente de graça teve que ser paga com a pouca paciência e simpatia que havia em Iris para aguentar um mala daquele. Jota falou sem parar sobre histórias de infância dos dois que Iris não estava nem perto de se lembrar, do trabalho na loja, da professora de português pavio curto que daria aula novamente para os dois no ano que vem e do filme do Adam Sandler que estava assistindo que para Iris parecia igual a todos os outros filmes dele que já havia assistido.

Para chegar no início da trilha, Clarissa e Iris tinham como uma das opções pegar um carro por aplicativo, mas como Clarissa ainda não conhecia a cidade Iris insistiu que fossem a pé. Foi um alívio, pois o estômago de Clarissa ainda se revirava inteiro ao pensar em entrar dentro de um carro.

A ilha era muito bonita. Clarissa não tinha ideia de como era a tal ilha Guaraci que sua tia Alicia havia se confundido e achado que seria seu destino, mas seria difícil ser mais bonita do que essa. As casas eram em tons claros e com decorações temáticas de lua, a praça principal tinha bancos, escorregadores, balanços e gangorras de madeira talhados com desenhos lunares e uma enorme banca de jornal e revistas em formato de lua. Em dada hora, Iris lhe deu um cutucão para que olhasse para baixo e visse o calçadão decorado e lhe explicou que era feito completamente de cristais lua.

  Chegaram ao ponto de partida da trilha, e Iris comprou algumas folhas para mastigarem, segundo ela ajudavam a aguentar a altitude. Se não fosse os empecilhos da outra trilha, como a cachorra parindo, crianças endiabradas (Rosa e Sandra), DRs familiares e roupas inapropriadas, essa trilha teria sido mais difícil, era cheia de subidas.

  Clarissa mastigava as folhas como se fossem pipoca, uma atrás da outra, estranhamente lhe davam gás para continuar, e assim conseguiu seguir até o fim da trilha, seus pés e panturrilhas em carne viva.

  — Essas folhinhas parecem mágica— comentou Clarissa.

  —Mágica nada— começou a explicar Iris enquanto preparava as oferendas para a tal deusa Jaci— são folhas de cocaína, vários alpinistas usam pra aguentar a altitude.

  — Até parece.

  — Juro pra você, pergunta pro cara lá se não é.

  Com os olhos arregalados, Clarissa cuspiu a folhinha que estava mastigando, fazendo Iris rir.

   Havia barzinhos, restaurantes, lojas e até casas  poucos metros do local aonde era permitido as oferendas para Jaci, e Iris convidou Clarissa para procurar algum lugar para comer. Entraram no primeiro barzinho que viram pela frente, pela primeira vez em dias, Clarissa sentia muita fome.

  A garçonete corpulenta, baixinha e dispersa reconheceu Clarissa, perguntou sobre sua família e passou um bom tempo conversando. Chamou outra garçonete, que animada, fez as mesmas perguntas que a primeira e disse de repente momentos depois:

  — Não sei o que tá acontecendo aqui, mas tô adorando. Encontrei agora com aquele senhor que fez a novela que a gente tava assistindo agora, você conhece ele? Se continuar nesse pique a gente vê o DiCaprio até o fim do dia, Rosângela.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2024 ⏰

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