Desde que voltou da trilha, Clarissa só conseguia pensar em deitar-se em silêncio no escuro de seu quarto. Quando Alicia apareceu quase duas horas depois com o carro para busca-las, sentiu seu estômago revirar. Sandra preocupou-se ao notar que Clarissa estava pálida de pavor do carro, e a abraçou durante o trajeto e tentou mantê-la de olhos fechados. Assim que o carro chegou na casa de praia, Clarissa batizou a casa vomitando no coqueiro da entrada.
Sandra a levou para o quarto e pediu para que ela descansasse. O quarto era muito bonito, Ana havia decorado com conchas e tons delicados. A cama de casal era maior do que a que Clarissa tinha em casa, e o closet era grande, mas nem tanto ao ponto de dar espaço para o consumismo, o que era ótimo tanto para Ana quanto para Clarissa.
Ao explorar mais o quarto, descobriu que era uma suíte, ela também não tinha uma em casa, ainda mais com banheira e piso aquecido. Há uns dois anos atrás, quando seu pai e sua tia não eram âncoras do Correio Cívico, isso não era uma opção, ela jamais imaginaria que teria coisas assim.
Parecia ingratidão, mas Clarissa ficou triste ao ver o quarto, ela conseguia imaginar os exatos pensamentos de sua mãe ao escolher tudo.
Pensando bem, tudo estava a desanimando. Notícias ruins, notícias vagas, pequenos detalhes, notícias boas, tudo o que Clarissa queria era escurecer seu quarto novo ao máximo e esvaziar a cabeça.
E assim ela fez. O único momento em que saiu do quarto foi quando Sandra a chamou para ver o programa de Lola Labres, e custou para prestar atenção.
— Tá com uma pegada intimista, né?— destacou Clarissa tentando se mostrar ativa.
— Acho que é porque fizeram de última hora.— respondeu Alicia enquanto se desvencilhava de Rosa que a perturbava para brincar com seus óculos.
De má vontade, Clarissa comeu a pizza que Bárbara encomendou para que ninguém se preocupasse, era a melhor pizza que já comera, ela desejava ter comido pela primeira vez enquanto estivesse em um estado de espírito melhor.
Normalmente, Clarissa teria receio de dar trabalho ou aborrecer alguém, mas ela tinha sofrido um acidente de carro, ela merecia ficar deprimida pelo menos um pouco, então decidiu que seguiria seus planos de vegetar em seu quarto escuro até onde desse.
Até conseguiu no dia seguinte durante, exceto pelas quatro vezes que Elsa lhe chamou para comer, os poucos minutos que Sandra sentou ao pé de sua cama em silêncio sem saber o que dizer e quando Alicia lhe chamou para ir dar uma volta na feira da praia junto com ela, Rosa e Bárbara.
No dia seguinte, Luciano a acordou às sete da manhã com a delicadeza de um elefante, acendeu as luzes do quarto e jogou Rosa em sua cama, gritando bom dia e lhe dizendo que Ana estava no celular e queria falar com ela.
A voz de Ana estava rouca, Clarissa mal conseguiu ouvir o que ela dizia, mas parecia com um cumprimento.
— E vocês tão bem?— perguntou enquanto Luciano lhe tomou seus travesseiros para brincar de guerrinha com Rosa— Ai vô!
—Perdão minha filha, não vi seu braço encostado— desculpou-se Luciano.
—Sim, o seu pai já acordou, já já ele vai te ligar.— disse Ana com a voz um pouco mais nítida, mas dessa vez a bagunça de Luciano e Rosa que estava atrapalhando a ligação.
— E o Miguel?
Luciano parou de dar as leves travesseiradas em Rosa, ela não perdeu tempo e lhe acertou na orelha com uma almofada de crochê. Ele olhou aflito para Clarissa, percebendo a reação, Clarissa repetiu a pergunta.
— E o Miguel, mãe?— perguntou Clarissa pela terceira vez escutando Ana fungar— Por que você tá chorando?
— Não tô chorando, filha.
— Tá sim.
—Não tô.
— Eu escutei, mãe. Fala logo.
Ana não disse nada, ela pensou que alguém já tinha dito a essa altura, e não era de bom gosto contar por ligação.
— Ele morreu?— soltou Clarissa sentindo seu coração travado em sua garganta.
—Que isso filha, não, não morreu não. É meio complicado, não dá pra explicar de qualquer jeito.
— Só seja direta, os detalhes podem vir depois.
—Seu irmão tá em coma.
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O Verão dos Pace
Teen FictionAna Clementina Rinaldi Pace sempre sonhou em ter uma bela casa de férias na pequena cidade histórica de Ceuci, lar das mais diversas religiões e lendas tradicionais como sereias, bruxas, lobisomens e até mesmo das não tão tradicionais assim. Em seu...