Capitulo 9

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   O ar-condicionado do carro estava ligado para a chuva não embaçar as janelas. Clarissa se encolhia para se aquecer, e Miguel obedecia seu pensamento intrusivo de assoprar seu hálito quente em sua janela e desenhar estrelas com o indicador.

  A sensação era como se Clarissa estivesse perto de morrer sufocada naquele carro, e não só pelo frio e as janelas fechadas.

  Desde que Ana e Alexandre encerraram a troca de ofensas, Ana pensava em um jeito de quebrar o gelo com os filhos, e todos pareciam péssimos. No fim, ela lembrou do desfralde de Rosa e perguntou para Clarissa se ela estava usando fralda.
 
  —Não sei— respondeu Clarissa.
 
  —Dá uma olhada pra mim por favor.

    Clarissa apalpou o bumbum de Rosa para sentir a fralda, e lá estava ela. Mas Clarissa queria descer do carro para respirar, então mentiu dizendo que ela estava de calcinha. Alexandre parou o carro em um posto enorme na estrada de Campinas, que por sorte estava em uma área que não estava chovendo. Clarissa se apressou em dizer para Ana que queria ela mesma trocar sua irmã. Ana disse que esperaria as duas no restaurante do posto enquanto as esperava retornarem do fraldário. Clarissa pagou com várias moedas a cabine moderna do fraldário, o suficiente para passar um bom tempo sozinha com Rosa.

  Ela acendeu as luzes, trancou a porta e deu alguns brinquedos da bolsa de Rosa para ela brincar, e por fim, se pôs a chorar na poltrona de plástico ao lado do trocador.

  Eram muitas coisas ao mesmo tempo. Ela remoía todas as palavras de Bruna. Pelo que parecia, todos a consideravam um invejosa, mas o pior é que era verdade.

  Com certeza não podia-se dizer que Clarissa não adorava Nina, ela era sua melhor amiga e uma de suas pessoas preferidas. Mas as palavras de Bruna foram um choque para que ela saísse do modo inconsciente de inveja e fosse direto para o consciente.

  Foi sempre tão óbvio para todos e tão pouco óbvio para ela. Clarissa assistia em sua cabeça todas as vezes que fora uma grande invejosa. Ela se imaginava constantemente com a vida de Nina, sendo confiante, talentosa e tendo um pai negligente que daria paz para ela. Clarissa se via no momento em que Nina servia perfeitamente no mesmo modelo de vestido Donna Karan que entalou em suas coxas e não passou de jeito algum, quando Nina deu seu primeiro beijo em Marco, o garoto que todas as garotas heterossexuais de sua classe tinham um crush secreto,todas as vezes que viu Nina de biquini e quis profundamente ter o corpo dela e dezenas de outros momentos parecidos.

  Como ela podia ter sido tão idiota e ter deixado todos perceber? Além da culpa por seus sentimentos mesquinhos, Clarissa sentia profundo ódio de si mesma por ter sido tão descuidada. Ela nunca verbalizou nada que pudesse dar a entender, nunca fez nada de mal contra Nina, jamais faria isso, mas não foi o suficiente. Mas o que seria? O que ela poderia fazer para fazer todos mudarem de ideia? Como eles perceberam?

   Bem, eu não chamaria o que os fez deduzir isso de perspicaz, também não diria que foi por algum comportamento específico de Clarissa. Foi uma grande presunção por Clarissa não ser tão rica quanto eles, mas aparentemente, acertaram em cheio mesmo deduzindo pelos motivos errados.

  Outra das coisas que ecoavam na cabeça de Clarissa era que provavelmente todos a achavam uma interesseira. Ela nunca entendeu muito bem isso, todos seus amigos eram herdeiros de grandes fortunas e tinham impérios gigantescos que movimentavam fortunas bilionárias, mas ela estava muito longe de ser pobre. Seu pai era âncora de um dos jornais televisionados mais famosos do Brasil, o Correio Cívico, que passava de segunda a sexta. Sua mãe era formada em história e psicologia e tinha mestrado e doutorado em antropologia, e era uma das melhores psicólogas de São Paulo. Eles viviam uma vida mais que confortável, mas mesmo assim seus colegas a tratavam como se ela morasse de baixo de um viaduto, sempre destacando de algum modo discreto que ela tinha menos dinheiro que eles.

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