Capítulo 27 | O arranhão

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Já estávamos sentadas à mesa, no momento em que a nossa conversa foi interrompida pelo som da porta da frente se abrindo com força.
Caius entrou, as chaves batendo pesadamente na mesa de entrada. Ele parecia esgotado, os ombros tensos, a gravata meio solta no pescoço e o rosto marcado pelo cansaço.

- Finalmente você chegou. Eu disse, ainda tentando manter o tom leve. - Como foi o dia?.

Mamãe estava logo atrás de mim, mas ela também percebeu a mudança brusca na energia do ambiente.

- Lembrou que tem família, Caius?. Mamãe perguntou.

Caius parou por um momento, os olhos cravados em mim, e então soltou um suspiro profundo.

- Eu estou cansado, Calliope. Cansado demais. Eu não quero mais estresse quando chego em casa, entende?. A voz dele estava dura, carregada de uma irritação que eu não esperava. - De perguntas já bastam as que eu respondo no escritório o dia inteiro.

Fiquei parada, atônita, por um segundo. Aquela frustração era uma sombra que não costumava aparecer com tanta frequência, mas hoje parecia diferente. Mais intensa. Mamãe, sentindo a tensão, se afastou novamente em silêncio para a cozinha, nos deixando sozinhos na sala.

- Eu só perguntei como foi o seu dia. Respondi, tentando manter o controle. - Você não precisa agir assim.

- Você não entende. Ele resmungou, passando a mão pelo rosto com exasperação. - Você não sabe o que é trabalhar de verdade. Se soubesse, me deixaria em paz para descansar, mas parece que você faz questão de criar mais problemas toda vez que chego.

Aquelas palavras me atingiram como um tapa. A raiva começou a subir lentamente dentro de mim, queimando minha calma.

- Eu não sei o que é trabalhar?. Minha voz saiu firme, quase gelada, enquanto eu encarava Caius. - Eu cuido de uma floricultura, faço mil coisas ao mesmo tempo, e ainda tento manter tudo aqui funcionando quando você decide sumir, e olha que você me deixou sozinha naquele hospital. Então não me venha com essa de que eu não sei o que é trabalhar.

Caius soltou uma risada amarga, como se estivesse debochando de mim.

- Cuidar de flores e ficar arrumando a casa?. Isso não é trabalho, Calliope. Você não tem ideia da pressão que eu enfrento todos os dias. Quando eu chego em casa, quero paz, não uma enxurrada de perguntas.

Eu estava prestes a responder quando algo chamou minha atenção. Um arranhão fino, quase imperceptível, corria pelo lado esquerdo do pescoço dele, escondido parcialmente pela camisa desabotoada. Aquele detalhe pequeno e fora de lugar acendeu um alerta dentro de mim.

- O que é isso no seu pescoço?. Perguntei, apontando diretamente para o arranhão.

Caius imediatamente levou a mão ao pescoço, o toque rápido e defensivo. Seu olhar endureceu, mas ele não respondeu imediatamente. Meu coração começou a bater mais rápido, uma mistura de desconfiança e ansiedade crescendo no meu peito.

- Nada demais, só uma besteira que aconteceu no trabalho. Ele desviou o olhar, mas o tom de voz dele entregava algo mais. Ele estava escondendo algo.

- Uma besteira no trabalho?. Dei um passo à frente, cruzando os braços. - Como você conseguiu isso?. Estava lidando com documentos ou brigando com alguém?.

Ele fechou a cara, a frustração dele se transformando em uma fúria silenciosa.

- Calliope, pelo amor de Deus, não começa com isso. Não hoje. Ele olhou diretamente nos meus olhos.

Mas algo dentro de mim dizia que eu não deveria deixar passar.

- Eu estou perguntando porque isso não parece "nada demais". E desde quando arranhões assim são comuns no seu trabalho?.

Entre flores e segredosOnde histórias criam vida. Descubra agora