A manhã se arrastava devagar, quase como se o tempo estivesse pregando uma peça em mim. Meu estômago estava vazio, roncando sem parar, mas eu o ignorava a todo custo. O cheiro fraco de hospital me cercava, me lembrando de onde estava e de como eu odiava ficar presa a uma cama.
Dana tinha ido para casa, disse que precisava organizar algumas coisas, e minha mãe ficou comigo. Hoje, ela estava mais tagarela do que o normal. Falava sobre tudo, desde o que tinha comido no café da manhã até detalhes triviais sobre Dana. Coitada da Dana.
- Você precisa contratar outra pessoa, Calliope. Essa aí já não tá prestando mais. Minha mãe resmungou, cruzando os braços. - Não sabe nem dirigir, acredita que tivemos que vir de ônibus?.
Eu bufei, já prevendo onde essa conversa ia chegar.
- Mãe, não fala assim da Dana. Revirei os olhos, tentando não perder a paciência. - Ela é uma ótima pessoa e tem sido a única a cuidar de você todos esses anos. Não seja ingrata.
Ela suspirou, me lançando aquele olhar que só mães sabem dar.
- Bem que você podia largar aquela floricultura e ficar comigo de vez. Igual era antigamente. Ela sugeriu, como se fosse a coisa mais simples do mundo.
- Eu sabia que você iria chegar nesse assunto.
Me ajeitei na cama, sentindo o desconforto subir pela minha coluna. A ideia de largar tudo para viver ao redor da minha mãe já não me parecia tentadora há muito tempo.
- Você sabe que não posso fazer isso. Suspirei, tentando ser firme. - Eu amo trabalhar lá, e não vou deixar que Caius tome conta de tudo.
- Por falar nele, onde está o Caius?. Quando eu cheguei, ele já não estava. Ela perguntou, como se estivesse comentando sobre o tempo, mas com aquele tom curioso que sempre me irritava.
- Ele teve que sair ontem à noite, coisas da empresa. Respondi, dando de ombros, mas me perguntando por que ele não tinha me respondido ainda.
Mamãe franziu o cenho, como se minha resposta não a convencesse.
- Cuidado, ou você vai perder seu marido pra essa tal empresa. Ela bateu de leve no meu nariz com o dedo, rindo como uma criança.
Eu ri de volta, mais por reflexo do que por achar graça de verdade.
- Talvez... . Deixei a palavra no ar, sem querer me aprofundar nesse pensamento.
Ela olhou para a porta e se levantou, esticando as pernas.
- Vou até a recepção perguntar que horas o almoço sai. Tô morrendo de fome. Ela cantarolou, animada. - Quer alguma coisa?.
- Não, vou esperar o almoço mesmo. Respondi, mexendo distraída nos lençóis.
- Ok, beijos. Ela sorriu e saiu do quarto, deixando um rastro de energia inquieta para trás.
Assim que ela se foi, peguei meu celular no criado-mudo. Abri minha conversa com Caius. Minhas mensagens estavam lá, solitárias, sem nenhuma resposta dele, sem sinal de vida. Uma sensação de incômodo começou a crescer dentro de mim. Ele não tinha dado nenhum sinal desde a noite passada, o que não era comum.
Decidi mandar mais uma mensagem, na esperança de que ele respondesse dessa vez.
• Amor, ainda está na empresa?.
• Você ainda não me deu notícias, estou preocupada.
• Mamãe está aqui, Dana a trouxe.
• Possivelmente vou ganhar alta hoje, vai poder me buscar?.
Suspirei, bloqueando o celular e deixando-o ao meu lado.
Me ajeitei na cama, sentindo o silêncio pesar assim que terminei de mandar a mensagem. O hospital tinha essa maneira estranha de fazer tudo parecer mais quieto, mais lento. E, por mais que eu tentasse manter a mente ocupada, não conseguia afastar a sensação incômoda de que algo estava errado.
Caius nunca ficava tanto tempo sem responder. Ele sabia que eu não estava bem e que isso me deixava preocupada. Mas, ainda assim, nada. Nem uma palavra desde a noite anterior.
Tentei me distrair, olhando pela janela. Lá fora, o céu estava azul, sem nuvens, e as árvores balançavam suavemente ao vento. Era uma cena tão calma que parecia contradizer o caos que eu sentia por dentro.
O som da porta se abrindo me tirou dos meus pensamentos. Minha mãe voltou, segurando um panfleto na mão e com um sorriso meio debochado nos lábios.
- Você não vai acreditar. Ela começou, fechando a porta atrás de si. - A mulher da recepção disse que o almoço vai demorar porque estão com problema na cozinha. Estou quase pegando um táxi e indo até um restaurante pra buscar comida.
Eu ri, mesmo que sem vontade.
- Claro que você faria isso, mãe.
Ela se sentou na cadeira ao lado da minha cama, cruzando as pernas com uma elegância despreocupada, como se estivesse em um café e não em um hospital.
- Voltando ao assunto, não sei como você consegue lidar com aquele lugar todos os dias. Ela continuou. - Lidar com flores e gente te dando ordens o tempo todo?. Eu já teria enlouquecido.
- Eu gosto do que faço, mãe. Respondi, sabendo que aquela discussão era um beco sem saída. - A floricultura me dá paz, e eu preciso disso.
Ela me olhou de lado, como se estivesse tentando me decifrar, e depois suspirou.
- Tá bem, se você gosta... Mas ainda acho que você devia passar mais tempo comigo. Ela sorriu, tentando aliviar a conversa.
Eu apenas sorri de volta, sem saber o que responder. Minha mãe sempre queria mais, sempre achava que eu não fazia o suficiente. E, de certa forma, eu entendia. Depois de tudo o que ela passou com a perda do meu pai, eu sabia que ela se apegava a mim como uma forma de manter o passado vivo.
- Ah, antes que eu esqueça. Ela disse, mudando de assunto. - Falei com a Dana, e ela disse que pode vir me buscar mais tarde, se você quiser descansar.
- Ela é um anjo. Respondi, mais para mim mesma. - Mas ganharei alta hoje, acho que vai ser depois do almoço. Tenho que esperar o médico vir.
- Pois é. Ela revirou os olhos, ainda não convencida das qualidades de Dana. - Mas ela precisa aprender a dirigir, pelo amor de Deus. Eu me recuso a andar de ônibus de novo.
Eu ri mais uma vez, balançando a cabeça.
- Vou falar com ela sobre isso, mãe. Prometo.
Ela sorriu e se levantou, esticando os braços acima da cabeça.
- Vou lá fora de novo, ver se descubro mais alguma coisa sobre o almoço, ou se eu dê sorte, até encontro alguma coisa gostosa pela caminho. Ela se dirigiu até a porta e, antes de sair, se virou para mim. - Você tem certeza de que está bem?.
- Tenho, mãe. Só preciso descansar um pouco.
Ela assentiu e saiu do quarto novamente, deixando o silêncio tomar conta mais uma vez.
Peguei o celular mais uma vez, esperando encontrar uma resposta de Caius. Nada. Um suspiro escapou dos meus lábios.
Onde você está, Caius?.
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Entre flores e segredos
AlteleA vida pacífica de Calliope Lewis na floricultura da família é virada de cabeça para baixo quando ela recebe uma fita cassete e uma carta misteriosa. Envolvida em um jogo psicológico de gato e rato, ela enfrenta uma perigosa batalha de sobrevivência...