Capítulo 6 - Fragmentos de Memórias - Oliver Thauvin

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8 Anos atrás...


Naquela manhã de 15 de outubro de 2016, eu saí de casa como em qualquer outro dia. A caminho da escola, o mundo parecia o mesmo de sempre: pessoas apressadas, sons da cidade, o vento fresco no rosto. Não havia nada que indicasse o que estava por vir. Depois da aula, voltei para casa e a rotina seguiu como sempre. Tomei um banho, conversei brevemente com minha mãe sobre a escola. Ela estava sorrindo, como de costume, sempre preocupada com meus estudos, com meu futuro. Eu me despedi dela logo depois, dizendo que ia sair com alguns amigos. Tudo parecia tranquilo, como deveria ser.

Quando voltei mais tarde, o mundo desabou.

Ainda estava a alguns metros do portão quando ouvi os tiros. Meu coração parou por um segundo. Um carro arrancou com o som estridente dos pneus queimando o asfalto. Sem pensar, corri. Corri como nunca havia corrido antes, o medo me consumindo. Cheguei à porta da mansão e ela estava entreaberta. Meu peito apertou. Empurrei a porta, e o que vi dentro... Deus, nunca vou esquecer. Meus pais, ali no chão, sem vida, o sangue ainda fresco ao redor de seus corpos. Minhas pernas cederam, e eu caí de joelhos. Um grito saiu da minha garganta, mas parecia tão distante. Lágrimas caíam pelo meu rosto sem parar.

Mas era minha mãe... Minha mãe... Ela estava ali, tão imóvel, tão... fria. Ela sempre foi meu apoio, minha guia. E agora ela estava morta. Tudo o que eu conhecia, tudo o que amava, foi arrancado de mim naquele instante.

Depois disso, tudo virou um borrão. O enterro, as pessoas ao meu redor, nada disso parecia real. Eu me lembro de sair do cemitério, carregando uma mochila nas costas, sem expressão, sem lágrimas. Apenas um vazio profundo. Não olhei para trás. Minha antiga casa estava morta, assim como meus pais. Eu não sabia para onde ia, mas sabia que jamais voltaria ao que fui antes. O garoto que saiu de casa naquela manhã não existia mais.

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Acordei naquela manhã como sempre, com a luz suave do sol entrando pelas cortinas e o som do despertador insistente ao meu lado. Passei as mãos pelo rosto, tentando afastar o cansaço que sempre parece vir junto com a rotina. Outro dia no hospital, mais uma série de rostos desconhecidos, dores que eu tentaria aliviar, respostas que daria para perguntas difíceis. Faz parte do trabalho, e eu já estava acostumado com isso, mas o peso nunca realmente desaparece.

Levantei da cama, fiz minha rotina matinal, tomei um café rápido, após o banho e coloquei o jaleco. Cada movimento era automático agora, uma sequência de ações que eu conhecia tão bem quanto a palma da minha mão. Peguei minha pasta com documentos e o notebook e saí pela porta, o ar fresco da manhã me dando um breve alívio antes de mergulhar na pressão do hospital. O trajeto até o hospital era curto, e enquanto eu dirigia, meu foco já estava na longa lista de pacientes que teria que ver naquele dia. O trânsito estava tranquilo, o rádio tocava uma música qualquer, mas minha mente estava no trabalho. Ao chegar, estacionei e entrei pelo mesmo portão de sempre. Um "bom dia" aqui, um aceno ali, enquanto caminhava em direção à sala de plantão.

O hospital já estava movimentado quando cheguei. Vi as equipes se apressando, prontos para mais um dia de trabalho intenso. Cumprimentei alguns colegas, peguei meu crachá e assumi meu turno. Já nos primeiros minutos, fui informado sobre uma nova paciente que havia sido admitida, Renata Lopes, com um trauma na cabeça. Nada grave ao que parecia, mas precisávamos ser cautelosos.

Passei pelas portas duplas e fui diretamente à sala de exames. Assim que terminei de revisar os resultados dela, peguei a ficha em mãos e respirei fundo antes de sair. Sabia que a mulher que a acompanhava estava ansiosa, esperando por notícias. Eu já havia visto esse olhar de preocupação incontáveis vezes. Caminhei até a recepção e vi a jovem mulher sentada ali, as mãos trêmulas e o olhar inquieto. Ela parecia estar no limite. Quando me aproximei, forcei um sorriso, estendendo a mão.

— Olá, eu sou o Dr. Oliver Thauvin — disse calmamente, tentando transmitir a tranquilidade que eu sabia que ela precisava naquele momento.

Ela se levantou rapidamente, como se minha presença fosse a única coisa que a mantivesse em pé naquele instante.

— Sky...Springfield — ela respondeu, e eu percebi a tensão em sua voz.

Perguntei o que ela era de Renata, e sua resposta rápida revelou o quanto aquela situação pesava sobre seus ombros. Ela disse que era a amiga mais próxima e que cuidava de Renata. O nervosismo em sua voz era inconfundível.

Depois de uma pausa, escolhi minhas palavras com cuidado antes de responder.

— Sky, quero que saiba que ela está bem — comecei, mantendo meus olhos fixos nos dela, esperando que aquelas palavras a acalmassem. — Não encontramos nada grave nos exames. Vamos mantê-la em observação por um tempo, mas logo ela vai acordar.

O alívio no rosto de Sky foi imediato. Eu pude ver o peso saindo de seus ombros, mesmo que apenas por um instante. Ela me perguntou se Renata realmente ficaria bem, e eu confirmei. Era um daqueles momentos em que eu sabia que uma pequena confirmação médica poderia trazer um oceano de paz a alguém. Depois que terminei de falar, deixei Sky com suas emoções e me afastei. No meu caminho de volta para a sala de plantão, meu coração pesava menos. Essas pequenas vitórias no meio do caos são o que mantém meu propósito vivo no hospital. Eu sabia que haveria mais pacientes para ver, mais casos para resolver, mas, por um momento, senti que havia feito uma diferença.

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Voltei à sala com passos leves, sabendo que, a essa altura, Renata já deveria estar acordada. Seus sinais vitais estavam estáveis, e a medicação intravenosa através do soro para amenizar sua falta de nutrientes por conta dos dias sem comer, já estava fazendo efeito. É sempre um alívio quando o corpo do paciente responde bem aos medicamentos. Ao entrar no quarto, encontrei Renata sentada na cama, já comendo uma refeição leve. Sua expressão estava serena, apesar de cansada, como se estivesse processando tudo, mas determinada a seguir em frente. Aquele brilho de força, mesmo em momentos de vulnerabilidade, era algo que eu admirava nos pacientes. Era o primeiro passo para o sucesso.

— Vejo que está se alimentando bem — comentei com um sorriso enquanto conferia os monitores ao lado de sua cama.

Renata me olhou e deu um pequeno sorriso de volta, seu olhar carregado de uma mistura de aceitação e uma silenciosa compreensão. Depois de me certificar de que estava tudo em ordem, saí do quarto e caminhei de volta para onde Sky estava esperando, ainda com aquele ar ansioso, mas visivelmente mais aliviada do que da última vez que nos encontramos. Pude ver a esperança nos olhos dela.

— Sky — chamei, enquanto ela se levantava imediatamente, quase como se estivesse esperando que algo pior tivesse acontecido.

— Está tudo bem — tranquilizei-a rapidamente. — Renata já está acordada e até se alimentou. O tratamento foi iniciado, e ela está respondendo bem até agora.

O rosto de Sky relaxou visivelmente, um peso sendo tirado de seus ombros com minhas palavras.

— Pode ir vê-la agora — continuei, gesticulando em direção ao corredor. — Vou deixar vocês duas sozinhas por um tempo, mas se precisar de mim, estarei por perto.

Ela me agradeceu e se apressou para o quarto, enquanto eu a observava de longe, sentindo o peso da situação em meus próprios ombros. Saber que o tratamento estava em andamento era um pequeno alívio, mas cada paciente carrega sua própria luta, e acompanhar essa batalha exige mais do que apenas conhecimento médico. Envolve empatia, paciência e a compreensão de que o tempo será o verdadeiro teste. Voltei para a minha sala, sabendo que o próximo desafio para Renata já havia começado, mas ela não estaria sozinha. Sky, com sua preocupação inabalável, estaria lá, assim como eu, a equipe médica.

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