3 - Enchanted

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A madrugada avançava lentamente, já haviam se passado quase dois dias e a tempestade que havia assolado a cidade parecia agora um evento distante. A noção de tempo e espaço cada vez mais confusa entre a instabilidade dos serviços de comunicação e as frequentes quedas de energia.

No coração do Jackson Memorial Hospital, os sons frenéticos de emergência haviam sido substituídos pela sinfonia constante e meticulosa da Unidade de Terapia Intensiva. O bip dos monitores cardíacos ritmava o ambiente com precisão quase musical, enquanto as bombas de administração de medicamentos zumbiam suavemente, mantendo um fluxo vital para os pacientes. O ventilador mecânico, com seu ciclo regular de compressão e liberação, proporcionava um suspiro artificial mas indispensável, enchendo o espaço com um som tranquilizador e hipnótico.

À medida que mais um dia se aproximava, a penumbra da UTI era suavemente iluminada pelas primeiras luzes da manhã que filtravam pelas janelas cobertas de gotas de chuva. Dra. Anuntrakul, ainda paramentada com sua vestimenta cirúrgica, encontrava-se adormecida em uma poltrona ao lado do leito de Kornkamon. Sua postura era tensa, mesmo no sono. Seu corpo inclinava-se ligeiramente para frente, como se, a qualquer momento, ela pudesse ser despertada para agir novamente.

O rosto de Sam estava marcado pelo cansaço. Suas pálpebras fechadas revelavam olheiras profundas, o resultado de noites sem dormir e o peso de uma responsabilidade imensa. Sua pele, geralmente alva e jovem, agora mostrava o cansaço acumulado dos últimas dias. Os lábios estavam levemente entreabertos, e sua respiração, ritmada, parecia tentar se alinhar ao som dos aparelhos ao seu redor.

Cada detalhe em Samanun parecia contar uma história de dedicação e exaustão. O cabelo, preso em um coque, exibia alguns fios soltos, vestígios de uma noite em constante movimento. As mãos, que repousavam no colo, tinham pequenos cortes e arranhões, marcas de sua luta incansável para salvar a vida de Kornkamon em meio as ferragens do carro e o caos da tempestade. Mesmo em repouso, suas sobrancelhas estavam ligeiramente franzidas, como se os pensamentos não a abandonassem completamente.

Assim que se liberou dos atendimentos no pronto-socorro, Samanun não conseguiu lutar contra a força magnética que a levava até Kornkamon em cada momento de folga que tinha. Algo sobre aquela mulher despertava uma curiosidade e uma conexão incontrolável. Era como se uma força invisível a puxasse para perto, insistindo que ela ficasse ali, ao lado da mulher, enquanto a batalha pela vida da paciente era silenciosa mas árdua.

A médica acordou abruptamente, assustando-se com um sonho desconexo que vagava entre temores e memórias das noites de dedicação que vinha se submetendo entre as paredes do hospital. Sua postura relaxou quando percebeu o silêncio do local que estava e logo seus olhos e corpo se posicionaram de frente ao leito 12 para, assim como vinha fazendo nas últimas 48 horas, olhar para a mulher desacordada à sua frente.

Olhando para Kornkamon, mesmo em seu estado adormecido, Samanun via uma beleza marcante. A mulher, anglo-tailandesa de cabelos castanhos e longos, tinha traços delicados e expressivos. A suavidade de suas feições contrastava fortemente com os hematomas e cortes que agora marcavam seu rosto. Samanun notou as linhas suturadas, linhas finas que percorriam a pele de Kornkamon, evidências das intervenções necessárias para salvar sua vida.

Os longos cílios de Kornkamon repousavam sobre suas bochechas, e apesar dos hematomas, era possível discernir uma leveza em seu rosto e traços que sugeriam a existência de covinhas quando ela sorria. Era uma visão que evocava uma mistura de fragilidade e força, uma mulher forte, agora entregue ao acaso e ao cuidado de estranhos.

Samanun não conseguia evitar a fascinação que sentia. Cada detalhe do rosto angelical de Kornkamon parecia guardar uma história, um segredo não revelado. Seus olhos moviam-se lentamente, examinando cada centímetro da pele da mulher deitada, como se pudesse decifrar a vida que ela levava antes daquele fatídico encontro.

Em meio ao ambiente controlado da UTI, os pensamentos de Samanun vagavam.

Quem é você, Kornkamon Phetpailin?

A curiosidade crescia, acompanhada por uma preocupação profunda.

O que havia levado Kornkamon a estar naquele carro durante a tempestade?

Quais desafios e lutas ela enfrentava em sua própria vida?

Os minutos passavam lentamente, e cada bip dos monitores parecia contar a passagem do tempo com uma precisão implacável. Samanun respirava profundamente, tentando alinhar seus pensamentos e emoções. Olhando para Kornkamon, sentiu um impulso protetor, uma necessidade de garantir que essa mulher desconhecida sobrevivesse, que fosse recompensada por todo esforço em busca de uma segunda chance de viver.

A presença de Kornkamon na UTI era um lembrete constante da aleatoriedade e da fragilidade da vida humana. Duas vidas unidas por um evento fortuito e devastador. O destino parecia ter um plano invisível, entrelaçando as histórias das duas mulheres de maneira profunda e inescapável.

Enquanto o dia começava a clarear, Samanun permanecia pensativa. O som dos aparelhos ao redor era reconfortante, um sinal de que Kornkamon estava sendo cuidada. Sam verificou os monitores, observando os sinais vitais que brilhavam na tela. A frequência cardíaca estava estável, e a respiração, ainda que assistida pelo ventilador, mostrava uma regularidade promissora.

Samanun olhou novamente para o rosto da mulher, notando os hematomas que pintavam sua pele clara. A suavidade dos cabelos castanhos, mesmo em desordem, sugeria um cuidado meticuloso e uma vida de elegância. Os cortes suturados eram linhas finas e precisas, um testemunho do trabalho da equipe médica que lutara para salvá-la.

Ainda que os traços de Kornkamon estivessem marcados pela dor e pelo trauma, havia uma serenidade latente. A expressão de seu rosto, agora relaxada pelo sono induzido, trazia uma paz momentânea em meio ao tumulto recente. Samanun sentiu uma onda de empatia e determinação. Estava disposta a fazer tudo ao seu alcance para garantir que Kornkamon não apenas acordasse, mas se recuperasse plenamente.

O dia já havia nascido com raios luminosos sutis, e a luz suave que entrava pela janela começava a delinear o quarto com sombras alongadas. A energia e a comunicação estavam começando a ser restabelecidas no hospital, um sinal bem-vindo de que a normalidade começava a retornar após o furacão devastador. Enquanto Samanun observava os sinais vitais da mulher, um pensamento súbito a atingiu: ela precisava contatar a família de Kornkamon. Era fundamental informar aos parentes sobre o estado crítico dela e garantir que eles soubessem que ela estava sob os melhores cuidados possíveis.

Sam estava pensando em como faria isso logo, talvez assim que o dia clareasse um pouco mais e o acesso à internet estivesse estável. Imaginava como seria a reação da família ao receber uma ligação de um hospital, a agonia de esperar notícias de alguém tão querido. Ela própria sabia muito bem a dor de perder alguém de maneira abrupta e inesperada. Precisava encontrar algum meio de confortar a família, mesmo que minimamente, sabendo que Kornkamon estava em mãos seguras.

Então, repentinamente, a calma da UTI foi rompida por um som alarmante. Os monitores começaram a apitar com urgência, sinalizando uma parada cardíaca.

O coração de Kornkamon havia parado.

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Enchanted - Taylor Swift.

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