Capítulo 16

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VALENTINA SANTINELLE

O avião pousa com Pietro e eu de dedos entrelaçados. Ele não tem mantido suas mãos longe de mim por mais tempo do que considera necessário, o que seria engraçado se eu não estivesse com o rosto todo machucada e em tons diferentes de hematomas. Não que ele esteja intacto também, há algumas manchas roxas em seu rosto e tronco, o rasgo em sua bochecha está avermelhado e mesmo que nós dois tenhamos tomado banho para nos livremos do sangue, é evidente que estamos prejudicados.

-Quer trocar a bolsa? - Pergunta gesticulando para a bolsa de gelo que estou mantendo em meu olho esquerdo, ele foi o mais danificado da minha face, está adquirindo um tom arroxeado e está quase fechado, além de dolorido como o inferno.

-J-já p-po-pousamos. - Coloco a bolsa de gelo sobre a mesinha e pego os óculos de sol - Posso cuidar disso quando estivermos em casa.

-Acho que você gostará do apartamento, tem uma vista e tanto. - Retiramos os cintos e Pietro me ajuda a levantar.

-Oh, e-eu r-re-realmente n-não p-pensei so-sobre n-nossa ca-casa. - Confesso. A gagueira retornou com força total e ainda não consegui controlá-la. Tento respirar fundo e relaxar, mas não estou conseguindo de fato.

-Para mim é um lugar incrível, mas se quiser mudar alguma coisa fique à vontade. É sua casa também.

-G-Grazie.

Recebo uma piscadela dele e não posso deixar de sorrir antes de descermos da aeronave com mãos dadas. Há seguranças por todas as partes e vários carros blindados nos esperando, encostado em um dos veículos estava meu cunhado com tornozelos cruzados e mãos nos bolsos da calça social.

-Dio, vocês estão destruídos. - Luca reveza seu olhar entre Pietro e eu, antes de focar em nossas mãos e arquear uma sobrancelha - Devo passar as atualizações agora?

-Onde ele está? - Pietro questiona.

-No galpão, esperando pela sua visita.

-Preciso levar Valentina para casar e conversar com ela antes de irmos.

-Tudo bem. - Luca dá de ombros - Mamma está lá de qualquer maneira.

-Você deixou mamma ir para o apartamento nos esperar? - A voz de Pietro é uma mistura perfeita entre incredulidade e raiva.

-E alguém já conseguiu impedir mamma de fazer algo que ela queira? Não seja tão idiota, resolva suas coisas e vamos. Papà está nos esperando.

-Vá na frente, encontro vocês lá.

-Tudo bem. - Luca concorda, virando-se para mim - É bom ver que está bem, Valente.

Não me passa despercebido que Luca usa o apelido que Pietro costuma me chamar, mas não tenho tempo de comentar já que Luca me dá um último sorriso brilhante e entre no carro, partindo, imagino eu, para o galpão onde seu pai está os esperando.

-Vamos lá, passione. - Pietro me guia até o próximo carro e entramos, diferente do que imaginei não há um motorista para nos levar, é o próprio Pietro que dirige.

-S-sobre o q-que v-vo-vocês estavam f-falando?

-Eu pretendia explicar melhor quando estivéssemos em casa, mas com minha mãe lá é um pouco difícil. - Ele suspira, dirigindo para fora da área privada do aeroporto - Nosso ataque teve um mandante, passione e nós o prendemos. É ele quem está esperando no galpão, para pagar por tudo o que vem fazendo.

-Há m-mais?

-Ele não vem sendo um bom Capo. Há rumos de guerra interna, má administração e uma possível lavagem de dinheiro, mas esse último não foi comprovado ou os filhos também seriam considerados traidores. Se ele continuar no poder haveria um banho de sangue com confrontos rebeldes e agora há essa questão do ataque premeditado ao rancho.

-C-como sabe que f-foi premeditado?

-Ele já estava preso quando fomos atacados. Antes de entrar no quarto eu havia recebido uma mensagem do Chefe de Segurança do rancho para informar que os outros invasores haviam sido abatidos, naquele momento eu só precisaria lidar com os que ainda estavam no quarto.

-Q-quem é o ac-acusado?

-Seu pai.

A notícia caiu sobre mim como água fria. Não que estivesse realmente sofrendo, quero dizer, não sinto qualquer tipo de afeto por ele. É difícil amar um homem quando você assistia ele torturar sua mãe até o dia que ela não suportou e tirou a própria vida. Na frente dele e na minha, com a arma dele. Todos os anos seguintes em que eu passei a ser alvo de sua ira, mandada para as montanhas no interior, sendo vigiada por sua equipe para que sempre cumprisse suas ordens e nunca o irritasse, mesmo que não conseguisse. Ele estava sempre irritado.

Continuamos o trajeto até o prédio de Pietro em silêncio, ele me dando espaço para processar toda a informação e eu considerando todos os anos que passei com ele. Eu não fui feliz, nem perto de como me sinto bem estando com Pietro, não apenas porque o amo, mas porque ele me respeita, é paciente e não está sempre me julgando. Ele nunca reclamou da minha gagueira e está sempre fazendo coisas para me deixar confortável e feliz. Pietro se preocupa comigo, meu pai não.

-Valente?

-S-sim? - Olho para ele, despertando do meu transe, apenas para encontrá-lo me estudando. Já estamos estacionados - D-desculpe, mi-minha cabeça e-estava longe.

-Tudo bem?

-S-sim.

-Vamos então?

Concordo com a cabeça, me apressando em sair do carro. Pietro estava ao meu lado em poucos segundos, entrelaçando nossos dedos e caminhando juntos até o elevador. Havia mais botões do que pensei ser possível. Acho que nunca vi um prédio tão alto. Pietro digita uma senha e o elevador começa a se movimentar, subindo por todos os andares disponíveis.

-Esse é nosso lar. - Anuncia assim que o elevador para e entramos em um corredor branco e iluminado que nos leva para uma única porta dupla. Pietro digita uma nova senha com até leitura de digital para as portas destravarem e nós entrarmos.

-Por Dio, vocês demoraram uma eternidade! - A mãe de Pietro surge magicamente diante de nós. Não conversamos praticamente nada no casamento e agora ela está aqui, na minha mais nova casa onde eu deveria estar fazendo o papel de anfitriã, mas não sei onde fica o caminho para o banheiro.

-Mamma, o que está fazendo aqui? - Pietro pergunta com um suspiro cansado.

-Vim visitar minha nora e saber como estão. Fiquei tão preocupada! - Ela caminha até Pietro e ergue as mãos para segurar seu rosto, o analisando atentamente como uma mãe preocupada - Você precisa manter os ferimentos limpos para evitar infecção.

-Estou bem, minha preocupação é com Valentina.

-Oh, querida. Imagino como deve ter sido horrível! - Ela me abraça e estremeço um pouco quando ela aperta alguns de meus hematomas - Conte-me como foi. Você está bem mesmo?

-E-estou be-bem. - Retiro os óculos de sol e a expressão da senhora Emma é a de puro assombro.

-Dio Santo, o que fizeram com você?!

-Mamma...

-O que ainda está fazendo aqui, Pietro? - Questiona o filho - Você deveria estar no galpão. Vá, tenho muita conversa para colocar em dia com minha nora.

-Voltei o mais rápido que puder. - Promete, olhando no fundo dos meus olhos. Concordo com um movimento de cabeça e recebo um beijo rápido nos lábios.

-Não tenha pressa, estaremos muito bem. - A mãe o avisa quando ele se adiantar para beijar-lhe o rosto.

-Não a assuste, mamma.

-Não seja tolo, sou uma companhia maravilhosa!


O Mestre - Contos Santinelle 02Where stories live. Discover now