Trinta

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Pedro

Quando eu tinha uns oito ou nove anos, meu tio começou a namorar uma moça que se apaixonou completamente por ele. Ela sacrificou muitos dos seus próprios desejos por ele, cruzava a cidade para vê-lo sempre que podia, era gentil com a família, super prestativa e atenciosa. Pouco a pouco, vi os sonhos do meu tio sendo compartilhados pelos mesmos desejos.

Anos depois, se casaram e se tornaram pastores. O sonho do meu tio era seguir a Cristo, e os sonhos da minha tia, segui-lo. Somados à sua criação com crenças agnósticas e um imenso amor por ele, isso resultou em um relacionamento que dura á quase duas décadas. Jamais compreendi como minha tia poderia fazer aquilo, cedendo a todas as vontades por amor a ele.

Anos depois, entendi duas coisas, com cada um deles:

Com minha tia, o significado desse amor que se esforça para agir e somar, mas com meu tio, sobre a fé que o fazia se levantar todos os dias para orar pela conversão dela. Eu acreditava ser um amor unilateral na relação deles, até perceber quão doloridos os joelhos dele ficavam, depois de acordar para orar todos os dias.

- Eu preciso te agradecer. - Fui fisgado a sair dos meus pensamentos por Roberta, que analisava o ambiente com os olhos contemplativos e surpresos. Quão linda essa mulher ainda conseguia ficar? Eu já a havia conhecido em tantas fases, desde a pior até aquela com menos pior, mas ela ainda conseguia me conquistar em todas. Aquele vestido foi o ápice, juro que pensei que todos ouviriam os batimentos do meu coração, quando entrou na sala.

- Pela minha prazerosa campainha? - Ela fez uma expressão de deboche com minha reposta.

- Não, por não ter atropelado ninguém enquanto vínhamos para cá. Odiaria me atrasar no casamento de uma amiga tão querida. - Ironizou.

Por inconsciência, seguimos o efeito manada, sendo direcionados para o jardim onde aconteceria a cerimônia. Pelos detalhes que Roberta me deu, o noivo de Mirella morava naquela casa com a família. Apesar de chamá-la de "casa", isso era um eufemismo para um castelo com três andares e um jardim enorme. Vou admitir, Roberta não é a única embasbacada com a estrutura desse lugar.

- Mas por isso também... - Voltei minha atenção para ela, que sempre a roubava de alguma forma. - Odiaria ter que vir aqui sozinha. - Admitiu, fitando os inúmeros círculos de pessoas que conversavam no gramado. - Olha essa gente, eles têm aroma de pétalas brancas. Aposto que, se houvesse senhores feudais hoje em dia, eles teriam esse mesmo cheiro. Eu pareço cheirar a escória e selos. - Achei graça, mas ela realmente parecia preocupada com aquilo.

- E qual seria o meu cheiro? - Ela me encarou, parecendo avaliar a resposta. Seus olhos me examinaram por completo, antes de sorrir de forma divertida.

Misericórdia, tinha até medo.

- Cheira a escória como eu, mas também a cachorros e pulgas. - Com o sorriso que me lançou, parecia que seu mau humor havia sumido ao começar a zombar. - Sinto muito, é mais forte que eu. - Apostaria muito que ela não sentia. - Mas por que escolheu veterinária? - Suspirei, ainda fixando meus olhos nos dela. Parecia precipitado, mas estava disposto a me declarar ali mesmo, se ela continuasse me encarando daquela forma. Gostaria que Roberta sentisse o mesmo por mim. Mas sua máscara de pessoa impenetrável me fazia recuar.

Tinha medo de acabar metendo os pés pelas mãos. Roberta já usava aquela máscara, então facilmente poderia adotar um escudo e nunca mais nos falarmos. Eu não queria aquilo. Tomaria o primeiro passo, mas gostaria de ter certeza, para não acabar frustrado e manco. Qualquer mísero sinal.

Não poderia ter certeza, mas provavelmente Maya não contou nada para a prima, sobre minha confisão. Roberta não estaria tão à vontade ao meu lado, se fosse o contrário. Com isso, eu também poderia apostar que não contou sobre o desfecho da sua paixonite, algo muito mais íntimo. Precisava deixar isso claro para Roberta, para que ela não pensasse que estava flertando com ambas.

Corações em Conflito: Romance CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora