4 - Motivações

8 5 0
                                    


Os rapazes coletaram todo o espólio deixado para trás pelas Criaturas, felizes com o resultado da Caçada. Não era muito dinheiro, mas certamente foi muito mais emocionante que ordenhar vacas ou trabalhar nas minas.

Estavam muito animados com essa pequenina riqueza repentina. Tão animados que nem notaram que a pessoa misteriosa, que os observou durante toda a luta, sumiu silenciosamente por entre as árvores do bosque.

Eles, então, voltaram caminhando em direção à fazenda de Geris, conversando animadamente sobre o combate.

— Você viu aquele meu ataque assim — e Aestus fez um gesto exagerado com o braço. — Eu peguei duas delas de uma vez!

— Sim, muito bom. E eu acabei com todas as minhas sem nem um arranhão, como eu esperava — Orkan respondeu, limpando suas unhas em sua camisa, convencido.

— Que bom, né? Porque, pelo que você disse, uma mordidinha delas e você já desmontava. Tão resistente quanto uma taça de cristal!

Orkan empurrou seu amigo com força, brincando, mas não conseguiu nem tirá-lo do lugar. Ele realmente era forte e robusto, conseguindo suportar mais ataques do que o Ladino. Para ter sucesso nas próximas batalhas, eles iriam explorar essas diferentes características de suas Classes.

— Mas uma coisa eu tenho certeza: foi muito mais legal do que cuidar de vacas e dirigir caminhões o dia todo — Orkan falou, arrumando seu cabelo loiro.

— E ainda ajudamos uma velhinha em apuros. E nem vem fazer essa sua cara de desdém que eu sei que você também tá feliz em poder ajudar ela. Nem tenta fingir que isso não importa.

O Ladino balançou a cabeça e apertou o passo. Não queria entrar nesse assunto. Na sua opinião, toda essa ladainha de ajudar os outros não levava a lugar nenhum. Ser bonzinho não o faria rico e famoso. Ele precisava de dinheiro e poder, como Baruc.

Ou como Hiner...

Orkan sentiu um arrepio ao se lembrar do poderoso Bruxo, sem entender o porquê. Sentia mais raiva que medo, um sentimento não muito explorado, sem tanta explicação aparente. No fundo, tinha uma ponta de inveja, talvez, de como ele era respeitado... Ou de como ele era temido?

Ele nem sentiu o tempo passar enquanto se perdia em conjecturas e comparações. Os dois alcançaram a cerca e encontraram a simpática senhora aguardando o retorno dos Caçadores. Eles a informaram que o serviço estava feito, tendo eliminado 17 Moscas Gigantes. Geris deu pulinhos de alegria, visivelmente contente com a solução de seus problemas. Ela, então, olhou preocupada para Aestus.

— Você está ferido, jovem. Pode vir aqui, eu te ajudo com isso.

Geris estendeu seu braço esquerdo, com a palma da mão aberta em direção ao Cavaleiro. Ela fechou seus olhos e se concentrou, murmurando algum encantamento. Uma luz verde clara percorreu o corpo de Aestus, passeando em torno dos seus membros e tronco. Os ferimentos se fecharam em segundos e desaparecem, assim como as dores causadas por eles. Não era a primeira vez que era curado por uma Maga, mas isso não impedia que ele se surpreendesse novamente. Uma sensação de frescor e limpeza emanavam de seu corpo. Sentia-se reenergizado, como se tivesse acabado de acordar de uma soneca ou saído de um banho morno.

Geris abriu os olhos, piscando rápido. Ela parecia um pouco abatida, cambaleando de leve. Orkan rapidamente a aparou, preocupado. A senhora se apoiou no Ladino, logo voltando ao normal. Ela chacoalhou a cabeça, dando uma risada sem graça.

— Eu avisei que não era uma Maga muito boa. Meu poder é muito baixo, não nasci para isso — Geris confessou, tímida, apertando os lábios. — Sabe, minha irmã é uma Maga também, mas ela consegue usar cada magia poderosa. Eu treinava junto com ela, mas, mesmo assim, não conseguia desenvolver as mesmas habilidades dela. Cada um é cada um, né? E, pela rapidez, vocês levam jeito para isso, eu acho.

Sem conseguir disfarçar um sorriso, Aestus agradeceu pela cura. Entretanto, olhou para sua armadura novinha com pesar. Estava manchada de sangue em alguns lugares, com buracos causados pelas Criaturas. Pelo menos os cristais que eles coletaram seriam mais que o suficiente para pagar por um conserto em um Ferreiro.

Geris pediu o contrato pela caçada, para que ela pudesse assiná-lo e, assim, informar que o serviço havia sido realizado com sucesso.

Após obter o documento assinado, a fazendeira agradeceu aos rapazes efusivamente, que por sua vez também agradeceram pela oportunidade. Nem parecia que há pouco os dois reclamam sobre o serviço para Barthos. Eles fizeram o percurso de volta para a Guilda sentindo-se orgulhosos, com os pequenos sacos de couro com os cristais que coletaram. Corriam ao invés de só caminhar como antes, sem conseguir controlar a empolgação.

Não esperavam que toda essa felicidade e animação seriam arruinadas tão rapidamente.

— Orkan? — uma voz desagradável chamou. Parecia carregada de pigarro e desgosto. — Por onde você anda? Nunca mais te vi pela cidade, sumiu!

O Ladino empacou no lugar, sem querer acreditar naquele encontro infortúnio. Se fosse um Guerreiro das Sombras, ficaria invisível e desapareceria dali no mesmo instante. Aestus percebeu o desconforto de seu amigo e resolveu responder:

— Oi, senhora Privle. Bom dia. O Orkan tem passado muito tempo comigo, eu sou o culpado pelo sumiço dele. Desculpa.

— Não precisa mentir pra proteger ele, Aestus. Eu sei que ele anda se escondendo da própria família. Mas é melhor mesmo, não quero que me vejam com um ladrãozinho que não serve pra nada.

Aquelas palavras ardiam como fogo, fazendo a raiva borbulhar no interior de Orkan. Seu rosto tremia de raiva enquanto se virou para encarar aquela mulher desprezível. Evitava chamá-la de mãe, mesmo em pensamento.

Era uma visão mais triste do que outra coisa. Seu cabelo loiro, começando a ficar grisalho, estava despenteado e mal cuidado. O rosto, que já fora muito bonito um tempo atrás, era uma careta permanente, marcado por linhas muito fundas, incompatíveis com a idade. Limpava uma de suas mãos, sempre suadas, na saia surrada e fedida que vestia. A outra mão segurava um menininho envergonhado pelo braço. Ele conseguia estar mais sujo que as roupas velhas da mãe.

— Eu só tô viv...

— Eu não quero saber — ela interrompeu. — Por mim podia... — e parou de falar ao ver os saquinhos cheios de cristais que Orkan carregava. — Onde você conseguiu isso? Quanto dinheiro você tem aí?

A mulher avançou e tentou agarrar uma das bolsinhas, mas o rapaz recuou. Ela se desequilibrou e quase caiu, proferindo uma sequência de palavrões enquanto se apoiava no outro filho para se aprumar. Orkan respondeu, praticamente cuspindo as palavras:

— Foi em uma caçada. Eu virei Caçador agora, não que te interesse.

Sua mãe deu uma risada que mais pareceu um cacarejo, que terminou em uma crise de tosses encatarradas. Ela limpou o nariz com as costas da mão e, com o escárnio evidente na voz, disse:

— Mentira! Você não tem capacidade pra isso. Nunca trabalhou, nunca ajudou em casa, só me deu dor de cabeça. Aí agora cresceu e virou um Ladino, igual seu pai, pra envergonhar ainda mais a família. Certeza que roubou esse dinheiro de alguma velhinha, porque você não passa de um ladrão. É isso que você é e nunca vai ser nada além disso! Um ladrãozinho!

A mulher teve mais uma crise de tosse e Orkan se aproveitou disso para sair dali correndo. Aestus, claramente desconcertado por ter presenciado essa cena, não sabia o que falar, então só foi atrás de seu amigo.

— Orkan! Pera aí! — o Cavaleiro chamou, enquanto tentava alcançar o loiro, mas parecia ficar para trás cada vez mais.

Do nada, o Ladino estacou. Seu corpo todo tremia de ódio e ressentimento. Nem se virou quando Aestus o alcançou. Com os olhos perdidos e lacrimejando, ele disse:

— Vamos juntar bastante dinheiro logo, Aestus. Eu preciso sair dessa cidade o quanto antes. Não quero voltar aqui nunca mais.

Os Guerreiros do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora