30 - Entre Areia e Fogo

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Perspectiva de Niya.

O sol castigava o deserto, queimando tudo ao redor com sua luz impiedosa. O calor parecia atravessar até a lataria do carro, tornando o ar lá dentro sufocante, quase irrespirável. O vento seco entrava pelas frestas das janelas, levantando pequenas nuvens de poeira dourada que dançavam sob a luz do meio-dia. O horizonte era uma imensidão vazia de areia e pedras, quebrado apenas por alguns destroços enferrujados de veículos e construções que o tempo havia engolido.

Eu mantinha os olhos fixos nas minhas mãos, observando os pequenos tremores nos dedos. Eu as abria e fechava devagar, sentindo a pele áspera, marcada por cicatrizes. Havia algo de estranho nelas. Algo diferente. Meu corpo parecia o mesmo, mas não era. Eu sabia que não era. O vírus corria por mim como um veneno silencioso, um inimigo invisível que eu não podia expulsar.

Não era só o cansaço ou a adrenalina do que tínhamos acabado de passar. Era algo mais profundo, algo que corria pelo meu corpo e me corroía por dentro.

Engoli em seco, tentando ignorar o desconforto crescente em meu peito. Não era só isso que fazia minha cabeça girar.

A CRUEL.

As imagens vinham em flashes, rápidas e cortantes como lâminas. Os corredores brancos, o cheiro estéril e metálico, as vozes distantes murmurando dados como se fôssemos apenas números em um relatório. E Ava Paige.

Aquela mulher. Aquele olhar.

Eu podia vê-la tão claramente quanto via minhas próprias mãos. O rosto impassível, os olhos calculistas, me analisando enquanto eu era levada. Como se eu fosse um experimento prestes a dar errado, o que não era mentira, pois perdi a conta de quantas doses de testes eles aplicavam em mim, isso antes de fugir do laboratório quando criança. Como se minha dor não passasse de um detalhe irrelevante para o grande plano dela.

O ar dentro do carro ficou pesado. Bufei, impaciente, tentando afastar as memórias, mas elas se agarravam a mim como sombras que não se dissipavam.

- Você tá bem? - a voz de Newt me trouxe de volta.

Levantei o olhar, encontrando o dele por um breve segundo. O calor do sol entrava pelo para-brisa, iluminando seu rosto suado, e eu percebi a preocupação em seus olhos.

Assenti rápido, quase sem pensar.

- Tô. - Mentira. Mas não adiantava falar nada. O que ele poderia fazer? O que alguém poderia fazer?

Virei a cabeça para trás, procurando algo para me distrair. Kayla estava ali, encostada na janela, o olhar perdido no horizonte. O reflexo do sol tingia seus olhos de um tom âmbar, mas eles estavam vazios. Quietos demais. Ela não dizia nada desde que saímos do descanso a noite, e eu sabia que a mente dela devia estar tão bagunçada quanto a minha.

Foi então que meus olhos encontraram o carro à frente.

Thomas estava ao volante, dirigindo em silêncio. Mas não era nele que eu prestava atenção. Era nela.

A Cópia.

O rosto de Teresa, mas não era Teresa. Seja lá quem essa garota fosse, só de olhar para ela, um nó de raiva apertou meu estômago. Meu maxilar enrijeceu, e meus dedos se fecharam em punhos sobre as pernas.

Prova de Fogo: Sombra e Luz - NEWTOnde histórias criam vida. Descubra agora