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O sangue tem cheiro ruim. Eu me lembro disso.

Eu estava de joelhos no chão frio da cozinha, os olhos ardendo com lágrimas imparáveis. Meus dedinhos pequenos agarravam o avental da minha mãe, segurando com força suficiente para que minhas unhas se cravassem no tecido áspero. Eu tremia, mas não soltava. Não enquanto Krueger estivesse ali, encostado na parede, o rosto já marcado pelo primeiro golpe.

Eu o via cerrar os dentes, o orgulho ferido brilhando em seus olhos sombrios. Mas eu também via o medo — ele sabia que viria mais. Krueger com seus quinze anos já era um homem.

— König, sai da minha frente! — a voz dela era histérica, carregada de frustração e uma fúria impaciente. O sotaque austríaco saía mais seco quando ela estava irritada.

Eu balancei a cabeça, segurando ainda mais forte. Chorando mais.

—Bitte, Mama... ele não fez nada... — minha voz saiu engasgada, como um soluço que eu não queria soltar. Eu sabia que não devia chorar. Krueger sempre dizia isso.

Ela bufou, os cabelos ruivos balançando ao virar o rosto. O avental que eu segurava foi arrancado com força, e antes que eu pudesse reagir, senti a mão dela atravessar meu rosto, e seu pé acertar meu peito em cheio. A dor veio quente e aguda, um estalo ecoando na cozinha. Cambaleei para trás, minha bochecha queimando, o ar fugindo dos pulmões pequenos. Engoli o gosto do sangue que encheu minha boca. Meu peito subia e descia rápido, meu coração martelando contra as costelas, mas eu não recuava.

— Você sempre foi assim! — ela rosnou, erguendo a mão novamente, ela me olhava com aquele misto de exasperação e desprezo, como se não soubesse o que fazer comigo, e então me acerta outro tapa — Seu moleque sentimental de merda! Sempre tão fraco. Chora por qualquer coisa, defende esse inútil do seu irmão! —

O inútil. Krueger se mexeu atrás de mim, mas não disse nada. Sempre deixava que eu apanhasse no lugar dele. Era assim que funcionava.

— Mama, por favor...! — minha voz saiu baixa, mas firme. Eu queria acreditar nisso. Eu precisava. Meu rosto inchado e vermelho como um tomate, mal conseguia respirar. A dor em meu peito após o chute não deixava.

Ela riu, um som seco e cruel.

— Um dia isso vai te matar — Ela balançou a cabeça e então, com um último olhar de decepção, abaixou a mão. — Se quer apanhar no lugar dele, que seja. Mas não chore, fracos choram. E eu não criei um filho fraco, seu ratinho! —

Ela saiu da cozinha, com os passos duros ecoando na casa pequena. O silêncio que ficou para trás era pesado, sufocante. Eu ainda sentia o calor da palmada queimando minha pele quando Krueger deu um passo à frente, um meio sorriso torto no rosto. Eu não disse nada, apenas olhei para ele, esperando qualquer coisa vinda dele, qualquer aceitação.

Mas ele passou por mim, e deixou-me ali, largado no chão com dor. Como sempre fazia.

•••

Eu os observo de longe, meus olhos varrendo a cena como se pudesse encontrar nela algum sentido que me escapou nas últimas horas. A operação está um caos. Perdemos Makarov, perdemos a vantagem, e agora estamos a um passo de perder a coesão da equipe. Saí da sala ao ouvir gritos em alemão, agora, do meio do túnel, os vejo reunidos, um tanto quanto distantes, prestes à sair na porrada. A estação abandonada cheira a pólvora, sangue e metal oxidado, veículos largados pelo meio do túnel com os faróis acesos.

Há corpos espalhados, inimigos abatidos, aliados feridos. Mas, em vez de seguirmos adiante, estamos nessa porra de embate interno. König e Ghost se encaram como dois touros prontos para colidir.

edelweiss | a könig storie.Onde histórias criam vida. Descubra agora