Post Mortem Vol. 1 - O Livro dos Mortos

Capítulo IV - Sombras

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Londres, 25 de Outubro de 2010.

Pela manhã, a companhia de eletricidade enviara dois eletricistas para religar a energia elétrica da casa. Eros enlouqueceria se passasse mais uma noite a luz de velas. Queria as luzes acesas por toda a casa apartir daquele dia. Não por medo, pois não acreditava em assombrações. Talvez, no fundo, a história contada pela cigana tenha o impressionado, fazendo com que ele acreditasse estar vendo coisas. Julian acordou antes dele e antes de sair deixou-lhe um bilhete sob a mesa de centro que pedia desculpas pelo seu estado na noite anterior e que iria recompensa-lo por não tê-lo deixado dormir na varanda da casa.

Enquanto os homens da companhia de eletricidade trabalhavam, Eros caminhou até o quarto no fim do corredor. Era o quarto da garota de cabelos vermelhos. Se a cigana estivesse certa, algo o atraiu para aquela casa. Alias, alguém o atraiu. Ele precisava buscar respostas. Eros queria entender o porquê sonha com a garota de cabelos vermelhos desde criança e porquê ao olhar para o quadro de Samantha, tais lembranças foram despertadas. O assoalho de madeira rangia por baixo do tapete avermelhado coberto de poeira.

Era um quarto grande assim como os outros demais cômodos da casa. A janela estava aberta permitindo que o vento levantasse a cortina de seda azul levemente rasgada. A cama estava forrada com um lençol roxo empoeirado. Ao lado, um criado-mudo amarelado com a gaveta entreaberta. Eros a abriu e viu um bilhete com letras tremidas. Apesar de ter como data o ano de 1864, ainda tinha cheiro de rosas. A poeira fez seu nariz coçar, ele então devolveu o bilhete à gaveta e antes de fecha-la notou uma pulseira com a palavra Саманта gravada.

Abriu o guarda roupa na parede oposta a cama. As roupas exalavam um perfume adocicado misturado ao mofo impregnado no fundo do móvel. Haviam vários vestidos, longos e curtos, nas mais diferentes cores e tonalidades, mas apenas um prendeu a atenção de Eros. O cheiro adocicado vinha dele. Era um vestido violeta de seda. Vestido violeta. Era esse vestido que a garota de cabelos vermelhos estava usando quando apareceu para ele na noite anterior e era a mesma roupa que ela usava na noite em que morreu. Eros passou a mão sobre o tecido e percebeu que nele não havia tanta poeira ao contrario dos demais vestidos. Era como se tivesse sido usado recentemente. "Fantasmas usam roupas de verdade? Pensei que usassem lençóis brancos sobre a cabeça." pensou Eros dando um leve sorriso de sarcasmo. Para ele, tudo era apenas uma mera coincidencia,

Ao olhar para o espelho, deu um passo para trás ao ver as seguintes palavras escritas em vermelho "Salve-me" sobre o vidro arranhado. Era como se um animal estivesse preso atrás do espelho, desesperado por liberdade, descontando toda a sua fúria sobre o vidro, arranhando-o até se machucar e utilizar o seu próprio sangue numa última tentativa de pedir ajuda.

- Salve-me. - disse uma voz tão doce quanto o cheiro do vestido violeta, quase sem força vindo de trás de Eros. "Talvez não seja um animal" pensou ele. "Animais não falam, muito menos sabem escrever." Tinha que ser ela. Tinha que ser Samantha.

- Quem está ai? - perguntou ele virando-se devagar para a porta do quarto na esperança de finalmente vê-la. Foi nesse momento o vento entrou pela janela com tal violência que fez a porta se fechar antes que Eros se virasse por completo.

- Não quero lhe fazer mal. - disse a voz.

Eros ouviu passos do lado de fora do quarto. A madeira do assoalho rangia a medida que os passos aproximavam-se da porta. Ela dizia que não queria lhe fazer mal, mas por que não aparecia logo para ele? Por que continuava nesse esconde-esconde sobrenatural, o qual Eros não tinha o menor interesse em continuar brincando? Ele estava cansado de esperar, não sabia se deveria temer ou não o desconhecido, mas pegou um vaso de cerâmica que estava sob o criado-mudo e o segurou na esperança de que servisse como defesa caso a voz finalmente ganhasse forma e tentasse algo contra ele. Segurando o vaso com firmeza e com os olhos fixos na porta, viu a maçaneta girar.