8. Sol

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Página arrancada do diário da Sol

Querido Tiago,

Você era perfeito. A lucidez transmitida pelos seus poros embriagou-me desde o princípio do princípio. Deixando meu corpo tonto de prazeres, tonto de vontades, tonto de tanta ansiedade. A chuva que nunca viera em tantos anos, naquele instante, veio. Uma chuva ácida a qual corroeu emoções de ferro e fibras de mármore.

Chuva que fez brotar do nada, flores primaveris em um solo estéril. Solo desgastado, corrompido, pobre e infeliz. Queira Deus que eu permaneça assim: com flores sem espinhos, com a lucidez de um menino achado em uma esquina qualquer. Queira Deus que eu continue a respirar para que um dia esses olhos amarelos translúcidos contemple a obra divina de ter um filho. Ou dois. Ou três. E, talvez, provar àquela mulher o meu verdadeiro valor. Não contado em reais, nem em objetos de valor, mas sim em afeto e carinho.

Meu querido, seus olhos estavam brilhando naquele dia, e por mais que eu tentasse me conter, o destino jogou-me a você, em uma manhã na qual o senhor era meu Sol. Uma vida inteira passou pelos meus olhos. Uma vida inteira ao seu lado. No entanto, antes de tudo era necessário despedir-me daquela outra temerosa. E então, ser sua, e você ser meu.

Já não tinha mais controle do que eu estava fazendo. Apenas sei que existe um mero borrão na minha memória, como se o coração expulsasse do corpo palavras e o cérebro não pudesse conter mais as ações físicas, nem registrar o ocorrido. Havia me esquecido da regra número um, quando coloquei as mãos naquele balcão.

Nunca mostrar meus olhos para alguém da cidade.

Não me importei. Tirei os óculos sem hesitar ou pensar duas vezes. Entretanto, logo após perguntar se poderia me ajudar, você ficou sério e as palavras falhadas fizeram-me pensar se você teria me reconhecido ou me visto em algum lugar...

Enfim, não me importei. Esta talvez seja minha chance de acabar com tudo. Dizer "adeus" à Mariana e "oi" para a Sol. Não hesitaria dessa vez. Não fingira que estava tudo certo. Então, mergulharei no sentimento, no pensamento e na vida que você pode me oferecer. A simplicidade da vida do lar.

Tiago, o medo é maior perseguidor existente. No meu desejo ardente, ele me fez fugir. E se você tivesse me reconhecido? E se... Você soubesse? Como reagiria? Eu havia quebrado uma regra, não poderia ficar ali a lhe olhar com esses pecaminosos olhos. Porque... Se soubesse quem sou, tudo iria por água abaixo. Fugi. Mas, deixei um bilhete para você, enquanto estava buscando o tal livro que eu nunca estive interessada e, só para constar, lerei.

Talvez, se me visse à noite, fosse melhor. Assim, seria apenas uma noite. Talvez você realmente não me conheça, por mais que já deve ter conhecido outras parecidas comigo. Afinal, fazia sete anos que eu não aparecia na cidade. Você não me conhecia. Nesse dia, muitas coisas haviam acontecido. Nada que fosse muito útil a se contar por agora...

Justamente, no dia em que você jogou lenha na pequena fogueira que se acendia aos poucos dentro de mim.

Com amor,

Sol

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