"Pela sua cabeleira, vermelha
Pelos raios desse sol, lilás
Pelo fogo do seu corpo, centelha
Belos raios desse sol"
Zé Ramalho, Táxi-Lunar
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Um amor inconsequente entre um moribundo e uma prostituta. Um desejo penoso e ardente faz-se, ainda, latente sob a epiderme e alimenta as batidas descompassadas do órgão vermelho.
Não vou lhe dizer que hoje dói menos que no dia. Seria mentira. Entre tantos acontecimentos, o a seguir é o mais importante.
Eu poderia ter perdido grana, saúde, filhos, bens, pais, amigos e sei lá mais quem. Mas ela não. Não sou nada sem ela. As lágrimas persistem em regar meus olhos ao simples recordar de seus lábios.
O coração falha. O coração falha duas vezes seguidas. Três vezes seguidas. Quatro. Cinco. Dez. Vinte. Ela me salvou de tudo. Desde a pescaria até uma vida pacata.
Ela nunca foi o x da questão, era, porém, a fórmula de Bakhara.
As unhas sempre pintadas de rosa claro harmonizavam a extrema delicadeza de seus pés macios. As canelas finas cresciam para coxas definidas e branquelas. Seu quadril era pequeno e a cintura finíssima. Os seios firmes, não tão grandes, não tão pequenos. Orelhas minúsculas. Olhos amarelos. Boca roseada. Cabelos alaranjados flamejantes. Harmônicos um a um a tudo.
Ela era perfeita. A exatidão de seus atos também. Ela era perfeita e morreu devido à sua perfeição.
Dentre as inúmeras palavras que minha vida foi. Três resumiam todos esses anos muito bem. Três palavras ambíguas. Três palavras podem ter inúmeros significados. Assim como, trazer inúmeros resultados.
Talvez fosse melhor não tê-la conhecido e ter sido um pescador qualquer. Talvez. Talvez devesse ter acabado com a minha vida naquele mesmo instante. Talvez. Ou talvez não. Já não sei.
Se três palavras podem ter mais de dois significados, eu gostaria que essa imensidão de palavras que minha vida é tivesse mais de um significado. Não conhecer a Sol. Não ter a Sol. Não vê-la. Não senti-la. Não passar pelo que passei. Não sentir o que senti. Não viver o que vivi. E não ter que decidir entre a vida e a morte. Entre ir ou ficar. Entre ir ou ficar. Entre ficar ou ir.
Não hesitar ao olhar para estrada. Não hesitar. Assim como não hesitei ao beijá-la. E não passar pela Sol. Não senti-la. Não tê-la. Não ter o que eu nunca poderia ter. Não me enganar. Não experimentar do doce que nunca mais poderia comer. É assim... Ela é meu doce e eu sou diabético.
Sentei-me em uma pedra. Meu estômago já revirava-se de fome. Preciso contar essa história? Não sei. Estou com medo. Do escuro. Sofia, quem está com medo agora sou eu, minha filha.
Agarrou-se ao corpo da filha, retirando minha mão das suas costas. Os passos que dei, levaram-me até a parede. Observei-a chorar e soluçar alto, gritante. O corpo esguio estremecia em cima da menininha morta.
Minhas mãos estavam sujas de sangue. Ela se virou, os olhos, a roupa, toda sua massa corpórea estava ensanguentada. Voltou-se para a Sofia e depositou um beijo cálido em sua testa.
— Por quê? Por que acabou com a minha maior alegria? POR QUÊ?
— Você não entenderia.
— Fala.
— Não pedi para que ela nascesse.
— Huh — cruzou os braços olhando dentro de meus olhos. Estava impassível e impenetrável. Pegou o corpo da menininha no colo e o levou.
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Sol
Romance*Editando "Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, ó ser humilde entre os humildes seres, embriagado, tonto de prazeres, o mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro a vida presa a trágicos deveres e chegaste ao dever de altos s...