21. Âmbar

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"Quando já não tinha espaço, pequena fui
Onde a vida me cabia apertada
Em um canto qualquer acomodei
Minha dança, os meu traços de chuva"

Maria Gadú, Quando Fui Chuva.

                            

Havia perdido a contagem dos dias. Eram todos exatamente iguais. A mesma e velha rotina cansada e ultrapassada. Dia após dia, buscava um sentido para minha nova vida. Dia após dia, decepcionava-me com a tentativa fracassada.

Às vezes, pegava-me perguntando se a Sol era, de fato, a mulher certa para mim. A rotina de ser um homem casado parecia cada vez mais entediante. Olha, que se passaram apenas um ano... Talvez fosse loucura de um amor louco, tudo foi tão rápido. Tudo louco demais.

O amor havia dominado meu mundo e adormecido minhas obsessões. O Tiago que você conhecera, leitor, havia adormecido. Por alguns meses, apenas o amor da ninfa solar bastava. Apenas o seu cheiro e sua mão dançando sobre minha omoplata eram suficientes para nutrir-me, alegrar-me e encantar-me.

Recordo-me vagamente de quando encontramos sua mãe.

Aquele ombro encostado ao meu. Aquela vida embriagante embriagando a minha. Aquela linda mulher em pé sob a luz de dois sóis a olhar para baixo. Engolindo o choro. Engolindo o passado. Engolindo a vida goela a baixo. Soltava meros ruídos pela boca e com as unhas trincadas no braço, arranhava-se, tentando controlar-se diante da mãe.

A pele alva empalidecera ainda mais, e, apertando sua mão, senti o frio o qual percorria todo o seu corpo. Ela olhava e olhava, enquanto a senhora nos observava com uma considerável distância.

A minha mulher ficara cerca de um dia trancada no quarto após a visita ao cemitério. Depois desse tempo todo, não disse mais nada. Também não toquei no assunto, temendo machucá-la.

Mudamos para uma área afastada da cidade. Vivíamos com o pouco, embora suficiente, que tínhamos conquistado juntos. A casa de tijolos pequenos e pintados de branco amarelado era o nosso maior luxo. Juntamente com a minha oficina de carpintaria e um quarto próximo à casa.

Sua mãe passou a fazer visitas periódicas. Há muito tempo eu a tive como a minha mãe também. Devo confessar que já não sinto falta da dona Teresa. Ó, céus, como ela estará? Como eu gostaria de perceber o que era o casamento naquela época.

À medida que o tempo passava, aprendíamos não a viver, mas a conviver. A dizer "não" para algumas discussões ou apenas ignorar tudo e se jogar em qualquer outro campo da existência.

À medida que os segundos passavam, as promessas ruíam. Caíam. Desmoronavam. Eram soterradas. À medida que seu omelete melhorava, nosso amor piorava e um sentimento novo despertava silenciosamente em meio à minha vida obscura.

                            

Era uma noite de Dezembro. A chuva dançava pela minha pele. Em um doce feitiço. Em um doce ritmo. Com gosto ingênuo. De chuva. A cada gotícula colidida com meu corpo, a pressão exercida pelo meu sangue nas artérias aumentava. As têmporas pulsavam. Os olhos ardiam. A boca tremia.

De ansiedade. Curiosidade. As gotas escorregavam rumando ao meu queixo. Fazendo de si mesmas minhas lágrimas. Não havia modo para eu estar mais cego. Noite. Fria. Chuvosa.

O breu cobria tudo inclusive a alma desse vagabundo. O cheiro do vento era demasiadamente entorpecente, por ora, seria alegremente recebido, se eu não fosse eu. Sentia-me pequeno, comprimido, encolhido naquela vastidão de sentidos e naquela imensidão chamada mundo.

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