Não consigo respirar. Acho que esqueci como se faz. Eu não consigo compreender o que aconteceu em geral. Na verdade, as imagens as quais me lembro depois que saí daquele beco passam em minha mente quadro a quadro, várias vezes. Embora, a junção deles não faça o menor sentido.
Sinto que é o fim do que nunca havia começado. A minha Sol... O que faria naquele lugar? Preciso respirar. Observando meu peito, posso perceber que ele sobe e desce em um ritmo aceleradíssimo. A sensação é de "engolir a língua". Não sei o nome para isso, mas estou sentindo muito e nada ao mesmo tempo.
Incrivelmente, o cheiro do esgoto está inpregnado em minha camisa. Sexo, esgoto e um cheiro disfarçando o baunilha da mulher. Estou disperso neste túnel, mesmo sendo apenas uma rua qualquer. Esqueci alguma parte do que sou naquela cama.
Eu era virgem.
Cheguei em casa mergulhado em devaneios. Tudo era um grande ponto de interrogação. A minha Sol fazia o quê ali? E aquele lugar? Minhas mãos estavam ardendo em chamas, queimando e queimando sem parar. Onde, um dia, o calor da Sol-senhorita era guardado, no momento me queimava.
Não voltei a ler. Apenas sentei na beirada da cama, revivendo cada segundo e levantei novamente. Onde estaria aquele gato maldito?
Silenciosamente, saí pela porta da frente, e olhei rua abaixo, rua acima. Não estava lá. Encontrava-me muito inquieto. Meus sentimentos eram barrados por uma lâmina de pensamentos. Eu havia cedido à Sol. Eu havia desmoronado em suas mãos.
Voltei para a cama e dormi. Na verdade, demorei, mas consegui cair no sono. Não pesado, e sim, agitado, irrigado por pesadelos e teorias abstratas. Nem mesmo nos sonhos o demônio do amor me deixava em paz.
⌘
Estava mais fácil dessa vez. Mais prazeroso. Mais "divertido". Este não era igual ao gato, pelo contrário, torturá-lo não tinha a menor graça. Ele quase não se remexia, ou reclamava. Parecia não sentir dor enquanto eu arrancava suas penas.
Optei, então, por um novo método. Fui até o armário de serviços a procura de um agulheiro. Após alguns minutos, avistei-o debaixo de um rolo de linha. Tive uma ideia.
Fazia dez dias desde o acontecimento com a Sol. Em todos esses, fora um gato diferente, uma tortura diferente. Esse era o único método de esquecê-la durante um período. Esquecer sua pele alva, suas formas brancas e vivas.
Sinto sua falta. É impossível conseguir pensar sem ela aqui. Noite após noite, dia após dia, era para ela estar aqui comigo. Apenas sinto o fantasma das suas mãos e de todo seu corpo.
Seu amor permanece vivo em minhas fibras, até mesmo nas sombras. Gostaria de afogar o sentimento oblíquo do meu peito com o escarlate que tirarei deste animal. Não sentir a Sol como não sinto este passarinho preso às minhas garras.
Leitor, será que ela pensa em mim como penso nela?
Já pouco me importo com a presença de mamãe, uma vez que a porta do quarto está trancada, aliás até hoje, não veio ao cômodo mesmo. A cada dia que passa, aparecem mais e mais hematomas em seu corpo, quanto a isso, tenho certeza de que José está batendo nela... Já pouco me importo.
Eu só quero a minha pequena.
A lembrança fugaz da casa da tia dela vem à minha mente. Nunca havia entrado ou pelo menos visto alguém por lá. Por mais que eu desejasse visitar a Sol, o medo de ser novamente rejeitado por ela me dominou.
Cheguei ao meu quarto. O passarinho estava quase depenado por completo. Com dificuldade, passei a linha pela agulha, depois, foi tudo muito fácil: passei o objeto afiado pela asa esquerda logo em seguida pela outra. O piado animalesco era demasiadamente agudo, mas eu já não ouvia, não sentia. Meu corpo havia sido tomado pelo prazer.
Esquerda. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda. Direita. Um laço.
Ele estava lindo. Tão lindo quanto a Sol. Pena que eu não podia ver seu coração, para não ser enganado novamente...
Peguei o objeto pontiagudo, já sem a linha. Enfiei lentamente no seu peito. Seus olhos não largavam os meus. Seus grandes olhos azuis como o céu. Seus grandes olhos azuis como o céu fecharam-se repentinamente e seu pescoço balançava freneticamente de um lado para o outro.
Por entre meus dedos, seu escarlate escorria rapidamente, sem pausas. A agulha foi enfiada até o fim e puxada rapidamente. Num último suspiro, ele me fitou: suplicando por amor.
Quis beber de seu líquido vital. Para sentir um pouco daquele coração ingrato. Mas, temeroso, apenas fechei seus olhos e engoli a seco a cena.
Quanto ao resto, joguei em uma caixa de papelão, e coloquei-o a dois quarteirões da minha casa. Suas penas também. A pena que eu deveria ter tido dele fora levada. E caso você queira saber quem levou, foi ela. Aquela mulher. Foi a Sol.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sol
Romance*Editando "Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, ó ser humilde entre os humildes seres, embriagado, tonto de prazeres, o mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro a vida presa a trágicos deveres e chegaste ao dever de altos s...