16. Dourado

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"Novamente a ideia
De sairmos do poço
Da garganta do fosso
Na voz de um cantador."

Zé Ramalho, A Terceira Lâmina.

                            

Ainda sinto a falta dela. Seu cheiro entorpecente invade minhas narinas, de vez em quando. Mesmo havendo passado seis anos desde aquele encontro.

Como diria o Bruxo do Cosme Velho, tive muitas amigas que me alegraram o sono. Mas nenhuma que valesse a pena. Não consegui esquecê-la.

Por que não consegui esquecê-la, céus? Ainda sinto seu calor em meu corpo. As vibrações, suas pulsações, a respiração falhada, a voz doce, o cabelo macio e as mãos pequenas. O amarelo-canário. Baunilha. A silhueta leve, esguia, preenchida de sonhos, no entanto amarrada à âncora da prostituição. Tão linda. Tão suja...

Não que minhas amigas fossem limpas, mas ela era minha. Minha. Embora, não tenha ido atrás dela, Sol ou Mariana ou senhorita-mulher era minha.

Durante anos, pesadelos infindáveis assombraram-me. Um pior do que o outro, estilhaçavam meu psicológico com bombas de hidrogênio. Os dias passavam rápido demais, e as noites permeavam em minha epiderme, irrigando a derme, ultrapassando a hipoderme, repletas de pensamentos imundos, teorias obscuras e medo. Muito medo.

Gatos. Pássaros. Cachorros. Ratos. Fui do vértice da parábola de coeficiente angular positivo ao infinito negativo em instantes. Meus sentidos paralisavam-se, fundiam-se em um só. Ouvi sabores. Vi sons. Senti imagens. Meu nome era sinestesia. Naqueles momentos de tortura, pude ver várias almas dissolvendo-se em minhas mãos. Indo ver um show do Cazuza ao vivo.

Não havia retorno. Não havia como parar. Não há uma "borracha para o passado". Nem para a memória, diga-se de passagem. O mundo poderia acabar. Os trópicos poderiam mudar. A Terra poderia mudar o eixo de rotação. E o amor continuaria em meu peito. Vermelho ou amarelo, ou meio rosa. Pulsante. Ardente. Doentio. Ingrato. Mentiroso. Homicida.

O abismo entre o Tiago pós-Sol e o pré-Sol é gigantesco. Nunca mais fui o mesmo. A vida que tive ocupa uma mera lembrança. Mas, ela não. A Sol, não a Mariana, a minha Sol ocupa toda minha mente. Todo meu corpo. Um frio na barriga inexplicável. Uma ansiedade juvenil que ainda espera para sair às pressas de dentro de mim.

Ah, é muito para se colocar para fora. Mereço outro drink.

- Garçom! A de sempre!

Sai da cidade há um mês. Infelizmente, Teresa preferiu ficar lá com aquele monstro. Mas, deixemos para narrar esse passado um pouco mais tarde, pois minha bebida chegou agora.

- Valeu, brother - digo, jogando uma nota de dez reais para ele. Afinal, tem sido muito útil hoje à noite. As mulheres deste bar são demasiadamente feias. Nenhuma "interessante" ou "pegável".

De vendedor a carpinteiro. O destino pensa que sou brinquedinho na vida dele, só pode... Não, amigo, ainda estou sóbrio. Na verdade, estive verdadeiramente ébrio apenas naquele dia que você sabe muito bem o que aconteceu. O beijo da Sol. É, ainda a amo. Mas, e aí?! Você esqueceu seu primeiro amor em quanto tempo?

Desculpe, devo ter passado da minha cota. Se bem que não lembro. Estou preso nessa cadeia de pensamentos. A ninfa tem esse poder sobre este cara aqui. Eu preciso dela. Ver aquelas ondas laranjas como o sol poente. A minha pequena é mais do que qualquer mulher.

Viro o copo de uma vez, simultaneamente passo os olhos pelo local. Sinto falta da minha praia, esta cidade aqui é grande e inútil. Tem tudo, mas não o suficiente para todos. Então, para alguns não tem absolutamente nada. Sinto falta do meu paraíso. Que foi meu inferno.

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