10. Noite Um

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Futuro

Take my mind

And take my pain

Like an empty bottle takes the rain

And heal, heal, heal, heal. *

Tom Odell, Heal

                            

Só gostaria de me livrar da imagem da Sol. Só gostaria que o fantasma da sua alma parasse de me assombrar a cada passo, a cada respiração, a cada dor. Como eu queria não ter visto o brilho dos seus olhos virar sombra.

Vovó havia me ensinado a nunca brincar com as sombras, pois algum dia elas voltariam para lhe assombrar. Mesmo assim, eu brincava, essa deve ser a razão para que elas me persigam constantemente...

A vida parecia desmaiada a minha frente. Meu corpo sem energia já embaralhava todos os sentidos. Passos não curariam aquela dor. Fugir traria um buraco maior ainda. Desconfio de que eu seja mero brinquedo nas mãos das sombras.

Passado, futuro e presente estavam fundidos em um momento só. Por mais que não faça sentido, naquela estrada, eu fui trazido pelo passado, para dar um jeito no presente e construir outro futuro. Cure-me, suplico-lhe, dói muito. Não a perda da Sol, mas o fardo de tentar chegar ao posto de gasolina. Esperança contra medo. Cansaço contra esperança. Eu iria vencer mais essa? Real ou irreal? Já não fazia o menor sentido.

- Minha Sol, fomos felizes, não?! Mas isso tudo é culpa sua. Se não fosse tão... Tão... Você, talvez, ainda merecesse viver. Sol, meu amor, me diga que algo ainda sobrou a este ser.

Metade de um Tiago está viva. A outra metade, deixei em algum canto daquela casa. Está lá até hoje. Ou já evaporara juntamente com meu bom senso?

Vejo as luzes do posto. Parece tão perto, agora. Nunca havia andando tanto, a fome parece aumentar. A camisa que outrora estava em minha cabeça jaz no acostamento da estrada. Afinal, como entraria lá sujo de sangue? Desconfiariam de mim. "Não posso levantar suspeita alguma" pensei, então.

- Sol, de nada. - Eu disse olhando diretamente para o céu.

                            

- Moço! Moço! Para aí, não pode entrar sem camisa. - um jovem narigudo falava comigo com um tom autoritário. Autoritário até demais... Apenas assenti com a cabeça tanto para me livrar da vontade de estrangulá-lo quanto para responder à sua ordem.

- Não tenho camisa, amigo - tentei ser simpático - tenho dinheiro, você não quer me vender algo para comer e beber? Nem entro aí...

- Ah! Até parece que vou cair nesse papo de novo. Vai embora daqui, mendigo! Vai assaltar vovozinhas. - ele fechou a porta com força, fazendo um barulho de estourar os tímpanos.

A cidade estava muito longe. Não havia nenhuma fazenda ou vilarejo por perto. E agora? Morrer. É isso, eu devo morrer dignamente. Como a Sol dizia, "mais vale uma morte jovem e digna do que um a velha e comum".

Penso que minha querida já teve seu final digno. Então, também devo ter o meu, certo?

Sentei no chão mesmo. Vinte quatro horas andando, sem comer, sem beber. Aqui é um bom lugar para morrer. Ou dormir. Ou morrer. Morrer seria melhor.

Literalmente, passa um filme na minha cabeça. Imagens se formam naturalmente, por mais que os sentimentos estivessem mortos em meu peito. Encosto a cabeça pesadamente no chão duro, levantando um pouco de poeira. Aquele corpo esguio era invencível. Um sabor salgado irrompe minha garganta, chegando às minhas narinas e entorpecendo meus olhos. "Afogar em lágrimas". Li isso em algum livro, não me recordo agora em qual. Porém, afogar-me em lágrimas parece tão infantil e tão... Necessário.

Ela é necessária.

Escuridão iluminada da minha história. Em dias vazios cheios de tarefas, você preenchia minha alma com carne de cordeiro. Ninfa maníaca por estrelas; essa sua sedução aveludada penetrou em meu coração como um parasita, instalando-se no ventrículo esquerdo do meu peito. Sol, depois de tantos começos e fins, dessa vez eu não gostaria que acabasse. Por favor, por favor, eu lhe conheço, Sol. Você, pequena, é incapaz de guardar rancor. Ajude-me.

Está esfriando. A sombra parece ter me abandonado também. Seria o fim? Vejo uma silhueta se aproximando de mim, ou seja, aproximando-se dessa carne imunda. Vejo o contorno do corpo de uma mulher.

- Sol... Você veio para mim?!

Eu estava morrendo, definitivamente. Ela estava morta. Como poderia ser a Sol ali? Vindo para mim? Ela não está morta. Ela não... Meu Deus. As lágrimas caem de uma vez, meu coração acelera. Meu Deus. Era um delírio. A Sol? Ali? Era ela? Meu peito aperta mais. Era uma sombra? Delírio? Falta de comida? Ilusão? Meu Deus.

A silhueta se aproxima mais de mim. Não é a Sol. Não sei quem é. É morena. Quem é essa estranha? Não permiti que ela se aproximasse tanto. Mas ela toca meu braço suavemente. De fato, não é um delírio. Mas preferiria mil vezes que fosse.

- Posso te ajudar? - ela diz. Aquela frase me lembrou a livraria e meu amigo sepultado.

- Não. - O orgulho sempre fala mais alto.

- Não? Certeza?

- Não - abaixei o olhar.

- Venha comigo.

Segui seus passos curtos a uma certa distância. Sem falar uma só palavra. Sem reclamar. Eu apenas a segui, cabisbaixo. Ela não era a Sol. Infelizmente, não. Entretanto, agora, toda ajuda é bem-vinda.

                            

* [ Pegue minha mente

E pegue minha dor

Como um pote vazio pega a chuva

E cure, cure, cure, cure.]

Sol Onde histórias criam vida. Descubra agora