24. Ciano

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"This is the end
Hold your breath and count to ten
Feel the Earth move and then
Hear my heart burst again"*

Adele, Skyfall

                            

Está muito tarde para voltar atrás. O peso de uma vida inteira força-me a virar e revirar na cama. Há uma dor crescendo do meu peito para meu estômago. Uma dor aguda, abrangente e insensível. A ânsia pelo amanhã e a náusea vêm ao meu nariz. Azedos, nojentos e impregnante.

Uma gotícula de suor aventura-se rosto a baixo. Está quente demais. Mesmo assim, Sol está coberta da cabeça aos pés. Sempre assim. Sempre cautelosa com suas manias. Ela se mexe do lado oposto da cama, murmurando algumas coisas. Sempre assim.

Ouço minha respiração descontrolando-se. A Sol, no momento, deitou-se de bruços. Ela machucaria o bebê? Feto. Droga, Tiago. É um feto. Só um feto. Não se esqueça de que se ele deixar de existir seria melhor. Muito melhor. A respiração na volta, continua alta, forte.

Está quente. Muito quente. Ela coberta. O bebê está quente.

Não, feto. Não, não. Ele tem que ir embora. Qual será o nome dele? Ou dela? Lua?

É muito tarde para voltar atrás. A ninfa nunca compreenderia o que há por debaixo da minha epiderme e muito menos da derme. Não funcionaria. Três. Em. Em.

Não respiro direito. Minhas mãos, mi-mi-nhas mãos. Dorment... A dor é insuportável. Esmagadora, arrasadora. Tão forte quanto um trator atropelando minha caixa torácica. Sendo esmurrado, comprimido. Minha vida está em suas mãos, Sol.

Não sinto as pernas. Estavam formigando. Estavam paralisando? Medo. Ânsia. Refluxo. Tontura. Sudorese. Dispnéia. E agora?

- Sol - a voz quase não sai. Tento levantar.

Uma perna. Outra perna. Ela falha. Chão. Barulho. Vejo o mundo quadro a quadro. Pausados. A Sol levanta-se repentinamente, assustada, esbravejando meu nome em um grito agudo. Não respondo. Não consigo. Não respiro.

Os pulmões falharam. É. O. Fim. É o fim? Não quero ir. Quadro a quadro. Vejo-a contornando a calma, não ouço-a, somente observo seus olhos. O marasmo, o cheiro, a falta de ar retirou meu senso. Esqueci como inspirar? Ou o ar pútrido daquele jantar apodreceu meus alvéolos.

A Sol me sacudia insistentemente, mas o escuro do escuro invadia a alma vagabunda. Os objetos embaçaram-se e o formigamento alastrava-se por minhas fibras, carregava-me passo a passo para a escuridão.

Contei até dez. Algo parou. O corpo, finalmente, acomodou-se no chão frio. O tempo parara. Ela me olhava assustada. Boquiaberta. A mulher abraçou-me enquanto soluçava. Ardentemente.

Vida quão insignificante, vida. Se verdadeiramente necessito continuar, a razão deve estar implícita em  algum canto da minha alma.

- O que aconteceu? Tiago?

- Não sei. Vamos dormir, amor.

Estaria ali? No amor? Na virtude de amar e ser amado? A alegria de ter um bebê em minhas mãos seria tão avassaladora quanto ter a vida de um cachorro? Estaria lá? Na oficina? Preso em um caixote? Por que preciso continuar?

- Não quer ir ao médico?

O que estava acontecendo?

- Não, só fica perto de mim.

Deitamo-nos. Sua respiração vinha diretamente em meu peito. Era bom. Eu podia ser pai. Se ela fosse a mãe. Sempre assim, eu posso ser tudo. Se a tiver comigo. Até mesmo um pescador. Até mesmo um monstro.

                            

* [Este é o fim
Segure a respiração e conte até dez
Sinta a Terra se mexer e então
Ouça meu coração explodir novamente]

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