"Why this storm howl?
Walking on the glass of your broken vows
Well, what I say we're astrayed
Fooled by youth, okay."*MØ, Waste Of Time
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Uma voz rouca ecoava em meus ouvidos. Dizia para eu acordar e ir ver o bebê. Bebê? Que bebê? Eu não sou pai. A voz rouca me chamava desesperadamente. A voz da mulher rouca clamava por ajuda. Eu deveria ajudá-la. Mas, espera. De quem é esse bebê?
Meu? Da mulher rouca? Os olhos... Amarelos com uma coroa tão clara quanto a solar. Da Sol?
Não. Não. Não. Eu não posso ser pai! Você já viu um monstro ser pai? Bem, eu não sou um monstro. Porém, ela é. Ela não pode ser mãe. É mentira. É mentira.
Pego-me pressionando as pálpebras contra os olhos com a maior força possível. Quando os abro, lá está a ninfa, sendo parabenizada e parabenizando-me. Como se fosse motivo para festa. Pausa. Corpo ainda esguio. Não conseguia imaginá-la com uma barriga enorme carregando o pequeno monstrinho dentro dela. A equação era muito simples: Tiago + Sol = Ø. Play.
Teresa chorava de alegria e José... Era o José. Meu corpo estava estático da mesma forma quando ela disse que estava grávida. Não havia mexido nem sequer um dedo. Precisava acordar desse pesadelo.
Precisava... Meu Deus! Eu vou ser pai? E se ela perder o bebê? Bem, aí seria maravilhoso. Eu vou ser pai? Serei um monstro como ele?Afinal, filho de peixe, peixinho é, não? Eu seria monstro. Para o meu pequeno bebê. Já estava escrito nas estrelas, no Horáculo e nas 25 bilhões de páginas do destino.
A questão era só aceitar.
⌘
A Sol discursava sobre os convidados para o Natal. Ela está grávida. Acho que ouvi o nome de Jorge, ou algo parecido. Mas, ela está grávida. Seria tão bom rever meu amigo... Se ela não estivesse grávida.
A Sol espera um filho meu.
Meu.
Os convidados chegariam naquela véspera de Natal à tarde. Jorge, a mãe da Sol, o casal que me chama de filho e outros conhecidos.
Eles já sabem que ela está grávida?
Saí. Precisava de ar. Precisa-sava respirar. Olhei ao redor da casa. Tudo muito mecânico. Meus braços pareciam ter vida própria. Meus lábios ressecados pela umidade baixa não me impediam de mordê-los fortemente com o intuito de não pensar. No bebê. Ou feto...
- Você está bem, filho? - Ela pronunciou todos os fonemas vagarosamente, como se estivesse insegura.
- Estou sim... Mãe. - Não, ficar pensando em um bebê - corrijo: feto - não era estar bem.
- Como se sente? Você vai ser pai...
- Cala a boca. Veio aqui pra quê, em?
- Achei que estivesse feliz... Peço desculp...
- Por que ficou com ele? - Perguntei de uma vez. Aquilo estava tirando todo o restinho de paciência que conservava em mim.
- Porque foi necessário - a senhora olhou para as mãos.
- Necessário? Que tipo de mãe prefere o marido ao filho? Um marido agressor! Um marido que vendia meninas! Ele vendeu a Sol, mãe! - Ela fez um sinal para eu falar mais baixo e, logo em seguida, murmurou algo quase incompreensível.
- O quê você disse?
- Eu o amo - fiquei boquiaberto. Ama-o? Sério? Ri freneticamente.
- Conta outra - virei as costas para ela, mas senti sua mão tocando minhas costas. - Ele te bate, mãe!
- Eu sei, eu sei. - A cor do seu rosto esvaiu-se; ela era toda olhos. Grandes e jabuticabas a olhar ora para meu rosto ora para o horizonte - o amor é capaz de coisas impossíveis. Não consigo imaginar outra vida para mim, Tiago. Entenda, eu o amo. Ele cometeu erros, mas...
- Amor sem limites? Mas, o quê? Mas, o quê, mãe?! Mas uma merda. Não arrume desculpas para não confessar que você foi covarde. - Seus olhos brilhavam, por alguns instantes, aparentava ser a iminência do choro.
- Ele continua sendo seu pai, Tiago.
- Continua sendo um monstro. Um monstro! Isso é o que ele é! Uma criança não precisa de um pai...
- Você não quer o bebê.
- Feto.
- Bebê.
- Tanto faz, não quero. E aí? Que você vai fazer? - Teresa olhou-me assustada como se não conhecesse o monstro que seu filho era.
Ela está grávida. Porra. Grávida.
- Tiago - já estava indo para dentro da casa - apenas continue.
- Volta aqui! - Gritei, estava na hora de falar a verdade e esclarecer aquele mantra. - O que isso significa?
- Significa o que você ouviu. Se cuida, querido.
- Não. Já não sei quantas vezes você me disse isso! O que significa? De verdade?
Olhou para os sapatos. Parecia estar retomando as rédeas da suas emoções.
- Apenas continue. Não existe fim, Tiago. Não há um fim. Existem saídas, obviamente. Existem as milhares e milhares de saídas diferentes: divórcio, casamento, gravidez ou morte. São saídas. Ao passar pela porta de "Exit" você não deixa de existir. Você continua. Continua andando pela rua. Não há como não continuar. Não há como não passar pelos ciclos vitais ou sei-lá-o-nome, filho. Só quero que entenda. - Parou e puxou o ar. - Morrerei em breve. E caso você saia desta vida, saiba que você continuará. Querendo ou não.
- Então, é por isso que ainda está com ele? Por que sabe que vai sofrer de outra maneira?! - A indignação expressava-se por livre e espontânea vontade em minha fala.
- Não. Eu o amo, pura e verdadeiramente. Eu amo suas duas faces. Da mesma forma, que você ama a Sol e a Mariana. E amará o beb...
- Feto.
- O bebê talvez seja sua salvação e não perdição - ela olhou para mim com compaixão - apenas continue, filho. Uma hora compreenderá o que, deveras, é a vida: uma estrada sobre uma circunferência.
"Apenas continue". Poderia um feto me desarmar? Poderia a tal "sementinha da vida" amar a um monstro? Um monstro como eu? Ou como a Sol? Não sei. Eu devo continuar (?).
⌘
* [Por que tantas tempestades seguidas?
Andando sobre os cacos de seus votos quebrados
Bem, o que eu digo é que nos separamos,
Enganados pela juventude, tudo bem.]
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Sol
Romance*Editando "Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, ó ser humilde entre os humildes seres, embriagado, tonto de prazeres, o mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro a vida presa a trágicos deveres e chegaste ao dever de altos s...