Capítulo 1

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Saí do fórum com o estômago embrulhado. A sensação de vazio me consumia. A separação dói. É um luto de um morto vivo. E bem vivo! A gente sente o chão se abrir, o coração parar, o mundo cair com força na cabeça e dividir nossa vida ao meio. Um antes e um depois sem volta, amargo e cruel.
Claro que eu não fiquei viúva de marido vivo hoje. Enlutei no dia que ele fez as malas e saiu de casa. Naquele dia que ele tomou coragem e deu um basta em uma vida que eu planejei pra nós dois. Eu perdi o André no dia que ele com um olhar triste disse que não me amava mais e foi embora da nossa casa.

Meu Deus! Nossa casa! Tão linda! Tão desejada! Lembro do dia que a compramos com prestações pra perder de vista. Foi nesse dia, logo após minha formatura, que na minha cabeça a nossa vida começou. A casa era pequena e simples, mas o terreno era grande. E foi isso que a gente mais gostou. Dava pra reformar, aumentar, fazer um jardim pra nossos futuros filhos... E depois que nós casamos, reformamos e fizemos uma área de lazer com churrasqueira e um chuveirão para os dias de calor, um jardim cheio de flores que traziam os mais lindos e alegres passarinhos, agora seria repartida ao meio tal qual minha alma. De fato, a minha ficha caiu hoje, quando assinei o divórcio e tive a certeza que perdi aquele homem que eu tanto amo e sou apaixonada, que queria muito que fosse o pai dos meus filhos. Onde foi que eu errei? O que fiz de errado?

Não tenho mais o André. Perdi o homem que considerava meu melhor amigo, perdi meu companheiro de viagem, meu aconchego pra dormir. Não teria mais suas camisas jogadas na cadeira ou no sofá, nem suas roupas suadas da pelada com os amigos aos sábados, deixadas no chão da área de serviço que eu tanto implicava. Será que foi isso? Minha implicância e tantas reclamações.

E agora? Como vai ser? Somente eu. Não terei mais meu companheiro de cinema, de barzinho, de pizza aos domingos. Não tenho mais quem cuide de assuntos complicados demais pra minha cabeça complicada. André sempre cuidou do imposto de renda, do telhado quebrado, do encanador e eletricista, da pia entupida, da revisão do carro, de negociar seja lá o que fosse com o gerente do banco ou da loja ou do telemarketing... e agora?

...

Dois dias depois da audiência de separação e de correr pra o apartamento da minha mãe e chorar até agarrar no sono e não ter a menor vontade pra nada, sinto um perfume delicado e suave ao meu lado e uma mão leve tocar meus cabelos. Abro os olhos assustada e o coração acelerado.
- Mãe!
Levanto e ela me abraça com o semblante sereno. E com voz firme e forte que tem ela pergunta:

- Já chorou?
-Muito!
-Já berrou? Praguejou? Se culpou?
-Tudo isso e mais um pouco...
-Então levanta, toma um banho e vem tomar café comigo. Isso é um pedido de mãe, ok?

Minha mãe é uma mulher admirável. Foi uma guerreira quando perdeu o pai aos 16 anos e teve que tocar com a mãe os negócios da família e ainda ajudou na criação dos 2 irmãos mais novos. Casou cedo e foi mãe ainda jovem. Perdeu o marido ( meu pai ) com pouco tempo de casada e sozinha, terminou de criar os dois filhos, meu irmão e eu.
Se tem uma pessoa que ama a vida, esta é minha mãe. Nada parece abalar d. Tereza, essa fortaleza delicada e cheia de sonhos que ela é. Ama viajar, gosta de cultivar amigos, dançar e trabalhar. Quando liguei pra ela há 3 meses contando entre lágrimas e soluços, que André tinha feito as malas e ido embora dizendo que não me amava, em menos de meia hora entrou na minha casa e enquanto eu chorava mais perdida que tudo, ela arrumou minha bolsa com coisas para uma semana e me arrastou até seu apartamento, onde estou até hoje.

No dia de empacotar minhas coisas, lá estava ela e meu irmão cuidando de tudo. Eu só chorava. Enquanto encaixotava cada quadro, cada cadeira ou porta retrato, chorava e tentava reduzir à cinzas todas as memórias que cada objeto e cada cômodo daquele lar continha. Ficou de enviar para a casa de praia toda a mobília para qual eu disse "essa sim, essa não" e cada caixa com livros e documentos que apenas me pertenciam. Foi um mar de paciência e deixou todas as minhas lágrimas caírem. É mais que uma guerreira. É minha heroína! E era nela que eu tinha que me inspirar pra tentar sair desse poço de tristeza e perdição que estava nadando.

Tomei um banho demorado e pela primeira vez após os 2 dias de choro eu me olhei no espelho. Os olhos inchados e vermelhos, a pele sem brilho, as olheiras denunciando o cansaço e uma tristeza profunda, o olhar tão vazio e aflito... Eu estava um horror por fora e quase morta por dentro. Quase.
Na cozinha, o cheiro de café coado e bolo de laranja fez lembrar que precisava comer. Nos últimos 3 meses havia emagrecido muito. Não sentia fome. Mas do jeito que estava indo poderia adoecer e isso faria mamãe ficar triste. Por ela eu comeria. Por ela eu não faria nada que tirasse minha saúde e sanidade.

-Sabe, Gabi... Depois que meu pai se foi, eu tive que arregaçar as mangas e cuidar da casa e da loja juntamente com sua avó. Nós duas tivemos que dar conta de tudo. Tempos difíceis! Depois perdi seu pai... E foi aí que eu entendi a dor da minha mãe. A gente perde o homem, o marido, o amante, mas principalmente, a gente perde o pai dos filhos da gente! Seu pai se foi tão jovem e cheio de vida e isso me tirou o chão. Mas eu precisa seguir. Eu tinha vocês! Eu tinha uma casa pra dar conta, tinha a loja, minha mãe, funcionários, sogros idosos e arrasados por perderem o filho... Era tanta coisa junta, tanta dor e uma carga pesada de responsabilidades e obrigações, que dependiam agora exclusivamente de mim e eu não aguentei, surtei. Mas o amor me trouxe de volta. O amor foi maior que o luto. O amor que sei que seu pai nos tinha me trouxe de volta.

-Sinto um vazio que dói, sabe?

- Mas ninguém morreu! Você é nova e vai encontrar uma nova paixão. Até lá, faça do amor por você seu ponto de equilíbrio para não surtar. Não se sinta "abandonada". Sinta-se livre!

-Eu o amo... É difícil acreditar, né?Como é que pode ainda sentir amor por quem nos causa dor? Mas eu o amo.- minha voz saiu baixinha.

-Então sinta raiva! - disse firme, me olhando com expressão séria. -Raiva de amar um idiota que te magoou. Raiva de ter sonhado uma vida com ele. Faz da raiva combustível pra sair desse quase luto e voltar ao trabalho. Já ficou em casa tempo demais. Chega! Três meses de lágrimas por alguém que já está com outra, olha me desculpa mas é demais! Não tenha pena de si mesma.

Disse isso, Terminou o café e levantou. Deu-me um beijo na testa e saiu indo trabalhar. Fiquei pensando nas palavras da minha mãe... Eu tenho tanta coisa pra resolver. A venda da casa, dos móveis, meu trabalho. Eu não poderia ficar mais tempo na casa da minha mãe. Mesmo ela fazendo questão, minha mãe tem sua vida, tem meu padrasto, não posso e nem quero me instalar na vida deles pra sempre.
preciso reagir! Preciso lutar! E agora?

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