31.Conhecendo o inimigo

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Tudo havia desaparecido e por uma fração de segundo. O mundo pareceu mais sombrio, enquanto eu olhava nos olhos inexistentes e negros daquela coisa. Ele era só uma sombra, apenas resquício do que deveria ser humano.

Eu ainda podia ver Sanvine, parada em frente a mim, com um sorriso de satisfação. Ainda podia sentir o olhar assustado de Trevor e ainda podia ouvi-la. Bonnie.

Ela gritava meu nome desesperada.

E eu continha a vontade de me negar a fazer aquilo e correr para os seus braços, para o seu carinho. Porém, também tinha a nítida noção de que se o fizesse, não haveria mais uma Bonnie que eu pudesse abraçar.

Então deixei que aquilo se apossasse de mim. Seu toque era enérgico, como uma brisa invernal. O senti, envolver-se em todos os músculos de meu corpo, me apertando, como uma víbora, esmagando a presa.

E no momento em que ele começou a se fundir em meu corpo, senti cada extensão nervosa arder como ácido, como se minha pele e meus músculos estivessem em chamas. Cerrei os dentes, tentando não gritar, pois Bonnie estava por perto e eu sabia que aquilo acabaria com ela. A dor era angustiante, chegando em meus ossos, mas alguns segundos depois, ela se foi e eu pensei que enfim, tudo tinha passado, mas aí comecei a sentir. Uma leve dor de cabeça, no início, mas de forma muito rápida se tornou uma angustia lancinante.

E flashes de toda a minha vida, momentos dos quais eu não me lembrava de ter vivido, surgiram do nada. Uma pontada.

"Eu estava sentado no balanço do quintal de tia Dora. Sozinho, mas não era novidade. Eu tinha dez anos. Al me chamou pra brincar. Ele sempre me chamava, mesmo que fosse três anos mais velho que eu, porém eu digo não. Meu pai brigou comigo outra vez. Não quero falar com ninguém. Al foi embora um pouco cabisbaixo."

Outra pontada.

"Fui à casa da tia Dora outra vez. Tio Lucas disse que iríamos ao parque. Eu adorava o parque e os doces que sempre ganhava. Ouvi um som estranho vindo dos fundos do quintal, o segui.  E vi Sam, parada perto de um toco de árvore, ela batia uma pedra pesada contra algo. Cheguei mais perto, vendo a pequena borboleta esmagada contra a madeira, contorcendo a asa boa, enquanto Sanvine esmagava a outra. 'Você não vai contar para os meus pais', ameaçou. Eu não disse nada, apenas saí de perto dela. Al era legal, mas eu não gostava de Sanvine, ela era má comigo."

Mais uma pontada.

"Era o aniversário de dezesseis anos dos gêmeos Nessboth. Eu detestava festas, mas só ia por causa da tia Dora e tio Lucas. Todos estavam lá. Entreguei os presentes deles. Al adorou o gravador que eu dei a ele. O cara adorava o som da própria voz. Eu desconfiava de que um dia ele seria um ator ou algo do gênero. Fui até Sanvine, entregando o vestido que sabia que ela queria. Ela me beliscou enquanto eu passava o embrulho. Não gostava quando ela fazia isso."

Outras dores cortavam meu cérebro, enquanto flashes mais rápidos e desconexos invadiam minha mente. E não sei como, mas entendi que o bloqueio havia sido retirado. Ele o havia retirado.

Mais uma lembrança.

Mas eram imagens desconexas. 

"Eu estava preso. Eu não. Ele. Estava escuro, havendo apenas as luzes oscilantes das tochas.  Ele estava há muito tempo naquele corpo e já havia abusado demais de seu poder. Os outros tinham medo. A Ordem. Eles não aceitavam suas matanças e carnificinas desmedidas. Ele tinha que ser detido." 

Mais um flash.

"Ele gritava implorando para que parassem com aquilo. Que o deixassem ficar. Ele queria mais tempo. Não queria voltar para as trevas. Ele as temia demais. Mas já era tarde. Ele retornou para a escuridão."

Convergência Sombria | Bonkai | EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora