Capítulo IV - Brianna - Não posso sair da linha

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  Endireitei os óculos grandes no meu rosto e passei a mão delicadamente sobre meu cabelo amarrado. Geralmente, só usava os óculos quando estava em casa. O livro de História à minha frente tinha um cheiro agradável de livro novo.
Levei um pouco de susto com o barulho que minha mãe provocou ao entrar pela porta da frente com várias sacolas de compras. Apesar de ter bem mais que trinta anos de idade, ela tinha feições bem joviais e era bem, hum, relaxada em relação às suas responsabilidades.
- Brizinha! Ainda está estudando? Desde aquela hora?- ela arregalou os olhos dando ênfase à palavra "ainda"- Para um pouquinho! Você tem que se divertir com seus colegas da escola...
- Eu tenho mais testes e eu quero sair bem neles, mãe. - tomei um gole de café quente e forte que eu tinha deixado em minha xícara roxa, ao lado dos livros - E eu até poderia sair com meus amigos, se eu tivesse.
- Ah, você está se sobrecarregando demais. Relaxe. Eu na sua idade não ficava tão agarrada assim, eu saía, me divertia...
- E foi por isso que fez a sétima série com dezesseis anos.
Eu comecei a rir; minha mãe abriu a boca para responder, mas o telefone tocou interrompendo-a.
- Alô? - atendi, ainda com um sorriso no rosto.
- Oi, Brianna? Ah, querida, é a tia Andrea. Eu poderia falar com a Bárbara?
- Com a minha mãe, tia? - olhei para a figura de minha mãe, pressionando o dedo indicador no lábio e fazendo gestos para que eu entendesse: "fale que não estou em casa". - Bem, ela está aqui em casa, sim. Pode falar com ela. Tchau!
Eu dei uma risada antes de entregar o telefone à minha mãe, que deu um tapinha leve em minha cabeça antes de atender.
- Oi? - e então fez uma careta, me fazendo rir mais uma vez.
Fechei os livros e fui até meu quarto. Apesar de tudo, minha mãe tinha razão. Eu precisava de amigos.
No dia seguinte, a srta. Poo entregou os testes para nós. Coloquei minha pasta verde e todas as folhas e cadernos que estavam em cima da minha mesa dentro, apressada. Ajeitei-me na cadeira, tentando focar no que eu tinha estudado.
Eu começava a escrever alguma resposta sobre elétrons, quando uma bolinha de papel amassada aterrissou na minha mesa. Franzi a testa, olhando em volta pra ver quem tinha jogado, mas todos os alunos pareciam concentrados em seus testes. Curvei o canto da boca, indecisa, mas a curiosidade foi maior. Desamassei a bolinha, e comecei a ler o que estava escrito de caneta azul. Era como um gabarito para as respostas do...
- Brianna Collins!- a voz da senhorita Poo era aguda, e eu congelei na mesma hora. A professora caminhou até a minha mesa, tomou a folha de papel e leu. Em seguida ela fez uma cara feia para mim, e tomou minha prova- Estou decepcionada. Mas vou ter que anular o seu teste.
- Não, por favor! Eu estudei tanto, eu... Não estava colando! Acredite em mim, alguém jogou isso aqui e eu não sei...
- Saia da sala, por favor.
Balancei a cabeça, desanimada, e me abaixei para pegar a pasta verde debaixo da minha cadeira. Porém ela estava aberta, e então vários cadernos e folhas dentro dela caíram no chão. A srt. Poo franziu a testa e eu comecei a pegar tudo do chão depressa. Algumas garotas sentadas perto me ajudaram.
Quando terminamos, eu me levantei e agradeci, mas ouvi uma risada abafada vinda de trás. Olhei para uma das cadeiras do lado esquerdo e vi Elizabeth com um pedaço de papel na mão. Na mesma hora, meu coração entrou em um compasso mais acelerado.
- Papai, eu tenho saudade de você... Por favor volte! Eu...
- Elizabeth! - gritei antes que ela continuasse. Andei depressa em sua direção, as pessoas à minha volta rindo. - Larga isso!- disse e puxei a carta da mão dela.
- Oh não! Eu tenho que terminar de ler essa sua obra de arte para o resto da sala.
- Ei vocês duas! Parem! - a srta. Poo tentou interferir. Ela nos puxava desesperadamente, mas não adiantava em nada - Terei que informar a diretora!
Eu tentei segurar a carta o mais forte que pude, porém era apenas papel. Ouvi um barulho debaixo de minha mão, e pelo canto do olho pude ver o sorrisinho vitorioso de Elizabeth. A carta havia rasgado. Senti meus olhos marejados, e coloquei o pedaço de papel já amassado dentro do bolso da jaqueta.
- Você a rasgou! - disse, apontando para o rosto de Elizabeth. Ela deu de ombros e eu cerrei os dentes - Eu te odeio!
Corri com a maior velocidade que eu podia para fora da sala.
- Brianna? Brianna! - a voz da Srta. Poo se perdeu pelo corredor do colégio.
Entrei no banheiro feminino fazendo com que a porta se batesse com estrondo. Joguei-me no chão, em no cantinho, para poder chorar sem que ninguém me ouvisse. Meus lábios tremiam de puro rancor.
Fiquei ainda um tempo ali, deixando com que as lágrimas caíssem até não sobrar mais. Levantei-me, esfregando o rosto com as duas mãos para secá-lo. Pena que, ao olhar no espelho, percebi que tinha apenas piorado a situação.
Minha cara estava com uma coloração estranha: uma mistura de vermelho vivo, preto e algumas manchas escuras; meu olho estava totalmente vermelho e marejado. Peguei um pedaço de papel higiênico e comecei e passá-lo em minhas bochechas freneticamente, deixando-as ainda mais avermelhadas.
- Oi. - uma voz melodiosa e serena me assustou. Virei-me rapidamente, tentando esconder o rosto com as duas mãos da garota que estava atrás de mim.
Ela tinha um sorriso doce e firme. Sua pele morena brilhava, e os cachinhos negros balançavam por cima de seu ombro.
- Meu nome é Nick... E você é a famosa Brianna. - ela se curvou mais um pouco diante do espelho para passar seu gloss nos lábios - Você é da minha sala.
- Nunca te vi...
- Eu sento do outro lado da sala. Não sou muito popular. Ahn, tudo bem? Eu vi o modo como você saiu, sabe...
- Tudo ótimo, eu acho. Ou pelo menos vou ficar. Eu só... É que meu pai... - não consegui terminar nenhuma dessas frases. Um nó começou a se formar na minha garganta, mas eu engoli o choro. Eu tinha que ser forte agora.
Nick empertigou-se antes de olhar para o pedaço de papel amassado em minha mão.
- Vocês brigaram por causa disso?
- É sim. Isso é uma carta que eu escrevi para meu pai quanto tinha apenas oito anos, e ele estava trabalhando em uma base militar em Amsterdã- um leve sorriso surgiu enquanto as lembranças invadiam minha mente- Nunca enviei. Guardei com o maior zelo, e é a única lembrança que eu tenho dele... Ou pelo menos era.
- Eu tinha cortado a garganta daquela... - Nick bufou.
- Mesmo que eu quisesse fazer isso, eu não poderia, já que a Elizabeth é a "queridinha da professora". Eu não teria razões para machucá-la assim.
- Odeio esse negócio de preferência...
Um som agudo vindo do corredor a interrompeu, e fez com que meus ouvidos doessem com o barulho ensurdecedor.
- Elizabeth Taylor e Brianna Collins, por favor, venham até a diretoria.
Fitei o chão, sentindo borboletas em meu estômago. Nick deu um pequeno sorriso, tentando me fazer ficar menos nervosa, e começou a sair pela porta do banheiro.
- Eu tenho que ir, se não a Srta. Poo briga comigo... Bem, boa sorte!
Ela sorriu mais uma vez e desapareceu apressada.
Minhas pernas pareciam gelatinas. Respirei fundo e alisei minha blusa amarrotada antes de me direcionar para a sala da diretora. O barulho de meus passos no corredor ecoava no chão frio. Do outro lado, pude ver Elizabeth andando devagar, com os braços cruzados, me lançando um olhar gélido.
Apenas senti minha respiração ficando mais pesada enquanto eu entrava na sala, onde a diretora estava debruçada sobre uma mesa rústica de madeira bem no centro.  



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