- Oi, tudo bem? - dei um sorriso simpático para moça de cabelos vermelhos à minha frente.
- Ah, e aí? Já viu o que quer? - perguntou ela.
- Vou levar esse dali.
Apontei para o vestido longo e levemente rodado do outro lado da loja. Ele tinha tons de roxo mais claro e mais escuro; o decote não era muito baixo e era delicadamente trançado na parte de trás. Vinha com uma luva lilás que ia até meu braço e uma máscara perfeitamente confeccionada com penas, tonalidades de roxo diferentes, algumas pedras "preciosas"espalhadas pela parte da bochecha, e gliter. Muito gliter. Devia ser um dos mais caros da loja. Ela concordou com a cabeça e voltou à sua calculadora.
Era o dia do Grande Baile de Máscaras de Tenebris, em comemoração do aniversário da cidade. As ruas estavam muito movimentadas; todas as pessoas pareceram, assim como eu, deixar os preparativos para a última hora.
Fazia cerca de dois três dias que eu estava na casa do Tyler. O fato de eu ter brigado e, bem, batido em minha mãe parecia pesar cada vez mais em minhas costas. Mas ela devia saber que eu estava na casa do meu primo... Não é?
- Toma aqui. O conjunto completo deu esse valor, com mais cinco por cento de desconto. - disse a vendedora, me entregando o vestido dentro de uma capa preta.
- Ahm... Coloque na conta de Barbara Collins, por favor. - murmurei tamborilando os dedos no balcão. Por fim, ela me entregou o vestido e eu saí da loja.
Algumas adolescentes passaram por mim animadas com as bijuterias que tinham comprado; do outro lado da rua, vi algumas mulheres admirando algumas roupas na vitrine. Uns jovens bem perto dali conversavam sobre as garotas que eles possivelmente pegariam durante o baile. Os carros buzinavam uns para os outros com pressa, e todos estavam extremamente eufóricos.
A festa começaria às oito da noite e já tinham pessoas se arrumando. O pessoal daqui não leva esse negócio de máscaras na brincadeira; nos convites estava escrito em letras garrafais: Sem máscara não entra. Ui.
Andei até chegar á casa de Tyler, que estava esparramado no sofá, mudando a cada dois segundos o canal da televisão. Coloquei as sacolas cheias de compras em cima da mesa.
- Desse jeito que você está mudando fica difícil achar um filme. - disse à ele, sentando na poltrona ao seu lado.
- A programação de hoje está um lixo. - respondeu ele, sem paciência.
- Ei, ei! Volta! Aquele filme ali!
-Qual? - Tyler voltou alguns canais - Ah não, sério? Procurando Nemo?
- É mais legal que você.
- Não, você só pode estar de brincadeira...
- Eu não estava de brincadeira quando transei com você. -murmurei me recostando na poltrona - E esse filme é fofo. Eu assistia sempre.
- Eu lembro que ia pra sua casa e você colocava o DVD pra gente assistir. Naquela época era louco.
- Naquela época tudo era muito louco. Tipo, quando a gente tinha sete anos de idade, nenhum de nós imaginávamos que você se viciaria em sexo.
- Ou que você virasse uma gótica metaleira revoltada.
- Eu não virei gótica metaleira revoltada.
- Não mesmo, virou puta. - disse Tyler, e depois riu da sua própria piada. Eu ergui uma sobrancelha pra ele.
- Então acho que devo perguntar se eu fiz meu trabalho bem.
- Diga isso pra minhas costas. - Tyler levantou a barra da blusa - Que você arranhou pra valer.
Suas costas estavam um horror. Naquele dia em seu quarto, enquanto ele beijava meu pescoço - e fazia outras coisas -, eu passava as unhas pelas suas costas e ombros. Nem foi tão intenso, mas naquele momento, parecia que eu tinha o machucado de verdade.
- Eu realmente não sei por que as mulheres fazem isso, cara. Na hora é até gostoso, mas quando encosta na água arde pra caramba.
Tyler não abaixou a blusa, permitindo que eu olhasse mais uma vez para os arranhões. De repente, foi como se a escuridão tomasse conta dos meus olhos e meu corpo perdesse totalmente a força. Senti meu tórax se comprimir a ponto de esmagar os pulmões e o meu coração, me impedindo de respirar.
Caí em cima do carpete com os joelhos e as mãos no chão. A dor e falta de ar não passavam, e eu não conseguia ver absolutamente nada. Uma parte da minha mente parecia estar consciente, mas a outra parecia estar mergulhada em escuridão e pesadelos. Ouvi Tyler gritar meu nome, mas como se ele estivesse distante, muito distante, e eu não pudesse o atender. O que eu mais queria naquele momento era sair dali, ou simplesmente apagar. Acho que eu nunca quis tanto ficar inconsciente. Mas era como se, quanto eu mais resistisse, mais dor eu sentia.
Então eu me levantei. Mas Tyler não estava ali na minha frente, nem as paredes verde-oliva. Eu estava em pé sobre um gramado amarelado. Era um vale; ao fundo, as montanhas cercavam o local. A dor continuava, mas era fraca, e eu simplesmente a esqueci. Ouvi Tyler me gritando ainda, mas aquilo era tão real.
Foi então que me lembrei... Eu já havia estado ali. Ali, naquele mesmo lugar. As imagens começaram a passar pela minha cabeça, como se fossem episódios atormentantes. Lembrei-me do campo florido, das trevas e de Nate. Quando meus pesadelos ainda eram frequentes, sonhei com ele bem ali. Eu podia sentir seu ar morto emanando de seu corpo, como se fossem tentáculos querendo me aprisionar.
Uma brisa gelada soprou por trás de mim. Virei-me lentamente, esperando pelo pior.
- Olá, Briza. Saudades? - disse Nate, me lançando um sorriso frio e largo.
- Não de você. Me tira daqui. - murmurei apreensiva.
- Oh, não. - Nathanyel fez biquinho e se aproximou. Com a mão direita, ele tirou uma mecha de cabelo de cima de meu ombro, com delicadeza. Minhas pernas tremeram - É realmente uma pena. Até porque uma hora vamos nos encontrar de novo, Brianna.
- Não... O que você...
- Morrer é uma novidade pra você? Me desculpe pelo spoiler sobre a vida humana. - era engraçado o fato de que até morto, Nate continuava irônico.
- O que você quer comigo? - perguntei. Senti Tyler me balançar. Nate me estendeu sua mão, num gesto de cavalheirismo.
- Me concede essa dança?
Era tudo tão automático, eu me senti como um fantoche. Sem saber o porquê exatamente, aceitei seu pedido e então começamos a dançar uma valsa sem música. Alguém parecia me controlar. Como num raio de realidade, me desvencilhei dele com as duas mãos.
- Me diga o que você quer!
- Eu quero você! - gritou ele.
O fato era que aquela voz não o pertencia. Era grossa o bastante para fazer com o que o chão abaixo de mim tremesse. Num impulso desesperado, me virei para tentar me afastar dele, mas quando eu pisei no chão, ele desabou. Por um segundo, me vi caindo num abismo, e então algumas imagens começaram a passar pelos meus olhos, como flashbacks em telões no espaço.
Vi uma Brianna inocente e alegre com seis anos de idade desenhando no carpete da sala. A campainha tocou, e ela se levantou para atender. Vi uma Barbara jovem e esperançosa de ver seu marido entrando em casa; esperançosa de finalmente poder abraçar o amor de sua vida. Vi também seu semblante desnorteado e perdido ao pegar o telegrama.
No outro telão, me vi em meu camarim no dia do teatro, produzida para apresentar. Nate entrou e me beijou; podia ver a felicidade e nervosismo estampados em meus olhos. Conversamos e Nate saiu pela porta. Em seguida, apareceram eu e minha mãe assistindo televisão quando o telefone tocou, minha mãe mudou o canal da TV, e eu me deixei levar pela tristeza.
No terceiro telão, vi meu pai. Cabelos cor de bronze bem aparados, com seu uniforme de soldado ao lado de um colega em um terreno apoeirado. Ele se recostou no que parecia ser um muro de pedra e fez uma careta. Sua perna sangrava muito. O cara ao seu lado se levantou e começou a disparar tiros, mas então caiu no chão com uma bala certeira no meio da testa. Meu pai o olhou por um tempo, e depois secou o rosto com uma expressão determinada. Ele tirou do bolso um pedaço de papel amassado e sujo com um pouco de sangue seco. Era uma fotografia minha e da minha mãe se divertindo em um parque. Por fim, ele recarregou sua metralhadora e rastejou até o fim do muro, quando começou a disparar contra a frente inimiga. Uma granada vermelha voou e caiu ao lado do meu pai. Ele simplesmente segurou a foto com firmeza antes de morrer.
Ao final, apareceu Nate correndo em frente a escola; atrás dele, vinha um vulto preto com um pedaço de madeira grossa nas mãos. Nate pulou em um beco escuro e sentou no chão, deixando as gotas grossas de chuva o encharcar. Ele segurou o tórax com firmeza para aliviar a dor, e então a silhueta vestida de preto chegou à sua frente. Ele se levantou e pulou em sua direção, tentando um ataque surpresa. Mas a figura era potente; se desviou com astúcia e ,em seguida, bateu em suas costas com o porrete com toda a força que tinha. Nate rugiu de dor e caiu no chão. O vulto, como se não estivesse satisfeito, o bateu mais algumas vezes, até o último suspiro agonizante de Nathanyel.
De repente, tudo ficou escuro, e eu estava no mesmo gramado.
- Venha, Brianna. - disse Nate ao meu lado.
- Eu...
Sabia que Tyler estava completamente desesperado na vida real; ele me sentou na poltrona e tentava fazer com que eu acordasse.
- Você viu como é, não viu? Sofrimento. A vida se baseia nisso. Até o último suspiro, e você só consegue pensar nas pessoas que você mais ama. "Como elas vão ficar?", "Será que estão bem?". Se liberte disso. Venha comigo. Venha conosco.
Nathanyel começou a "evaporar", e eu estava completamente confusa. Quando virei para trás, vi ele ao lado do meu pai, que sorria para mim.
- Vamos, filha. Não me decepcione. - disse ele em tom de aviso.
- Brianna! Pelo amor de Deus! - gritou Tyler, do outro lado.
- Eu... Acho que...
- Nós sabemos como é... - murmurou Nate.
- Sabemos que ninguém se interessa. Sabemos que você está com dor. - eles se aproximaram- Muita dor. Podemos tirar isso.
Eu tentava me desvencilhar daquele pesadelo, mas era quase impossível... Tanto a ponto de me fazer pensar que era real.
- Sim... - murmurei.
Nate e meu pai se entreolharam. Então pegaram o que parecia uma adaga de prata e me entregaram. Eu não conseguia mais resistir, doía demais.
- Vamos lá.
Doía muito... Eu não ia conseguir.
- Brianna! Meu Deus, ela morreu! Alguém, por favor! - a voz de Tyler se perdia cada vez mais.
Segurei a adaga em minhas mãos e a aproximei do meu peito. Sentia como se meus órgãos interiores estivessem queimando. Eu não iria resistir mais.
Foi então que eu ouvi a televisão ao fundo. Tyler tinha deixado em Procurando Nemo aquela vez em que eu pedi. "Continue a nadar, continue a nadar".
Minhas mãos começaram a tremer, e enquanto mais eu tentava distanciar a adaga de mim, mais ela se aproximava. Minha força tinha se esgotado. Continue a nadar.
- É agora! - gritou meu pai.
- Não, não! - eu levantei o olhar para o céu, totalmente desesperada.
- O que disse? - meu pai parecia me repreender.
- Você não é real. - sussurrei. Depois encarei os dois - Nenhum de vocês é.
Como uma explosão, eu gritei com todas as energias que me restavam e cravei a adaga no peito de Nate, que me olhou por um segundo com uma expressão surpresa para depois virar névoa.
Abri os olhos e puxei todo o ar que conseguia pela boca. Meus olhos lacrimejavam e eu estava ofegante.
- Graças a Deus! Ai! Que susto! - Tyler disse, e me abraçou.
- T-tyler... O que aconteceu?
- Eu que pergunto! Tipo, você caiu no chão primeiro, e eu achei que fosse só uma pegadinha. Só que você começou a sussurrar umas coisas bizarras, e aí quando eu te levantei, seus olhos estavam revirados e você estava tremendo e suando frio. E então do nada você apagou e parou de respirar por uns minutos cara, e eu fiquei desesperado, eu... Você tinha morrido, Brianna. Seu coração parou de bater.
Pisquei algumas vezes, tentando me situar. Eu nunca estive tão chocada.
- Tudo bem. – murmurei - Eu só preciso dormir, estou exausta.
Mas quando me levantei, minhas pernas não conseguiram me sustentar e Tyler segurou meus braços para que eu não caísse.
- Eu te levo. - disse ele, me carregando.
Adormeci em seus braços.
, , ,
Senti alguém me cutucar e sentei na cama. Tyler sorriu pra mim e se sentou ao meu lado, me dando um copo de água.
- Melhor?
- Muito. - sorri de lado para ele. Eu não estava tão bem assim, minha mente parecia amortecida, mas não queria que ele se preocupasse. O relógio na parede apontava seis e meia da noite, e eu precisava me arrumar.
- Não sei se você deve ir nessa festa.
- Claro que devo. - murmurei sonolenta - Aquilo foi só... Já estou legal, olha.
Levantei-me e pulei algumas vezes. Tyler riu e agitou a mão.
- Tudo bem, pode ir. Mas é sério: toma cuidado. Eu não vou estar do seu lado pra te socorrer o tempo todo.
- Isso não vai acontecer de novo. - disse com firmeza.
- Como sabe que não?
- Eu sei. E ponto.
Tyler confirmou com a cabeça e eu me virei para o armário. Tirei a blusa e a dobrei.
- Depois você tem que me explicar com mais detalhes. Foi muito louco.
Tirei o sutiã com calma e senti os olhos dele sobre mim. Sorri e peguei o vestido alugado no cabide.
- Seu amiguinho ficou animado?- perguntei e Tyler riu.
- Quer que eu te mostre o quanto?- disse ele e eu me virei.
- Vá se arrumar logo.
- Espere aí, você me deu um fora?
- Se entendeu dessa maneira, sim, eu te dei um fora. Vai contestar?
Ele pareceu querer falar uma coisa, mas apenas se levantou para sair do quarto. Porém, antes de ele passar pela porta, segurei o seu braço.
- Ei, Ty.
- Sim?
- Eu queria te dizer pra tomar muito cuidado. - murmurei.
- Tá bom. - ele riu e apertou minha bochecha - Não sou mais o bebezinho da mamãe.
Tyler saiu, mas eu continuei imóvel. Respirei fundo.
- Não estou com um bom pressentimento.
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Faces Sob Máscaras
Fanfictie"Você nunca realmente conhece uma pessoa antes de descobrir, da pior maneira, o que sua máscara esconde." Elizabeth Taylor é a famosa "valentona" de Royal's College. Após a separação de seus pais, sua única regra é a de que nunca veriam suas lágrim...