- Tenta de novo. - repetiu minha mãe pela milésima vez. Ela estava me ajudando com as falas, mas eu estava nervosa como se fosse na hora da peça. Respirei fundo, e ela balançou a cabeça- Você sabia há dez minutos, Briza. Tá boa a atuação, mas tenta lembrar só essa fala...
Levei a mão à cintura e pronunciei as palavras que lembrava rapidamente. Minha mãe agitou as mãos em cima da cabeça e sorriu, jogando o roteiro em cima da poltrona do meu quarto.
- Bom, muito bom. Agora vai dormir um pouco pra você descansar, e... E eu te chamo às cinco horas da tarde.
Confirmei com a cabeça e deixei meu corpo cair sobre a cama. Eu queria desesperadamente roer as unhas, mas o esmalte avermelhado estava em perfeito estado. E além disso, Nick me mataria se eu o fizesse. Ela era muito perfeccionista a respeito de apresentações, e disse que eu tinha que estar na escola às cinco e meia em ponto. Virei-me de lado, e só percebi o quanto estava cansada e tensa quando fechei os olhos.
- Droga. - acordei com minha mãe murmurando ao meu lado - Droga.
- Mãe?- perguntei, me sentando na cama. Ela me olhou e depois voltou os olhos para uma caixinha escura em suas mãos. Toddynho?
- Ah, o canudinho afundou. Maldição. Não dá pra beber assim.
Esfreguei os olhos e depois olhei para o relógio em cima da escrivaninha.
- Hum... Que estranho. Por que você adiantou o relógio do meu quarto?
- Por que eu adiantei o... Mas eu não adiantei o relógio do seu quarto.
- Então por que ele está marcando cinco e cinquenta e oito da tarde?- franzi a testa, achando graça da situação. Até me dar conta das circunstâncias - Mãe, diga que não são seis horas agora!
- Ah, puxa. Então era isso que eu tinha vindo fazer aqui no seu quarto. Eu ia te acordar, mas aconteceu esse imprevisto. - ela olhou para a caixinha marrom ainda em sua mão - E, bem, eu talvez possa ter esquecido de, hum, acordar você...
Abri a boca pra falar alguma coisa, só que as palavras não saíam. Num impulso, pulei da cama e corri para o guarda-roupa, pegando algumas roupas que vi pela frente e depois fui para o banheiro. Fiz tudo o mais rápido que consegui. Quando estava pronta, minha mãe chegou na cozinha e pegou as chaves do carro.
- Temos que ir rápido, muito rápido.
- Não tem medo de morrer? Temos que ter calma e...
- Mãe! - interrompi, entrando no carro - Acontece que se eu não morrer aqui nesse trânsito e chegar lá ainda mais atrasada, eu morrerei pelas mãos da Nick. Então, pela barba do profeta, enfia esse pé no acelerador e tente não acabar com nossas vidas.
Ela concordou com a cabeça e começou a percorrer as ruas. Estavam um pouco vazias porque o dia já estava escurecendo, o que era um alívio para mim. Chegamos na escola com cerca de cinco minutos, e eu saí do carro às pressas. Atravessei o enorme portão e entrei. Ao chegar no lugar onde ocorreria o teatro, o cenário já estava montado, e algumas pessoas davam alguns toques finais.
Atravessei a cortina vermelha que separava o palco dos bastidores, e lá estava uma verdadeira zorra, com pessoas correndo de um lado para o outro com caixas, roupas, testando microfones e outras coisas. Corri para meu camarim, e Nick, como esperado, já estava lá.
- Finalmente! Mas que demora é essa? Ficou maluca? Por que demorou tanto? Não me diga que foi para um cafezinho!
- Isso não importa agora. - disse, me sentando numa cadeira preta para a maquiagem- Anda logo com isso, eu estou nervosa pra caramba.
Nick colocou sobre a mesa uma enorme caixa e a abriu. Lá dentro tinha vários tons de sombra, blush, batons, materiais próprios para maquiagem e várias outras coisas. Inclinei minha cabeça e ela começou o trabalho. Era engraçado ser maquiada por Nick, pois quando ela estava concentrada, franzia a testa e umedecia os lábios a cada dois segundos. Mas ela tinha uma habilidade e agilidade impressionantes.
Primeiro, fez um coque no alto da minha cabeça, jogando um spray para que a franja e os arranjos ficassem no lugar. Depois, começou a trabalhar no meu rosto. Ela gastou um pouco mais de uma hora para fazer o trabalho bem feito, e quando terminou, já passava das sete. Ela olhou no relógio e respirou aliviada.
- Ufa. Você já devia estar pronta, mas ainda tem tempo. O mais difícil já foi feito. Agora vista o vestido, e quando eu voltar quero ver.
Ela sorriu e saiu do camarim com o estojo de maquiagem. Peguei o vestido que estava pendurado em um cabide e fechei a porta para que ninguém entrasse enquanto eu me trocava.
Depois de pronta, me olhei no espelho e...Bem, nada mal. O coque estava bem feito, com duas mechas encaracoladas caindo sobre meus ombros e uma franja lisa em cima do meu olho.
A maquiagem então estava ótima. Era um leve tom de vermelho e um tom mais vivo da mesma cor, combinadas com dourado. Nick passou delineador e lápis preto que destacava os olhos, ao mesmo tempo em que combinava perfeitamente com o vestido. O batom que contornava meus lábios também era vermelho vivo.
- Uau. - uma voz suave me fez arrepiar. Nate estava com os braços cruzados na entrada do camarim, encostado no batente da porta.
- Gostou?- perguntei, balançando o vestido e tentando cobrir minha perna.
- Nunca pensei que a veria assim. Puxa vida. Uau, uau.
Baixei a cabeça, me sentindo corar. Sentei na poltrona preta, e mordi a parte interna da minha bochecha.
- Seria melhor se eu conseguisse respirar. - disse, passando a mão pela barra do vestido - Ele aperta muito. E essas luvas... Elas são quentes. E esse colar... Ás vezes tenho a impressão que a diretora queria apenas me enforcar quando mandou fazê-lo.
- Mas eu acho que o fato de você estar mais bonita do que qualquer outra garota que eu já vi compensa esse sofrimento. - disse ele, aproximando o rosto.
- Se eu ousar estragar esse batom, Nick é capaz de enfiá-lo na minha garganta. - disse, rindo e me afastando - Ela já não está muito feliz por eu ter chegado uma hora depois do combinado.
- É a Nick de sempre. - murmurou Nate, mordendo o lábio. O barulho de vozes na platéia estava começando a ficar mais forte, e meu coração acelerou.
- Tem muita gente lá?- perguntei receosa.
- Hum, bastante. Esse ano vai encher todos os assentos. E é claro que tem muitas pessoas, já são quase oito horas.
Nessa hora, um homem calvo com roupas pretas e um pequeno microfone ao lado de sua boca apareceu na porta. Ele era um dos que trabalhavam na produção.
- A peça já vai começar. Todos em seus devidos assentos. - disse ele com a voz grossa, se dirigindo a Nate. Ele aproximou os lábios do microfone- Tudo certo por aqui, Roland.
- Ai, droga. Queria que você ficasse aqui mais um pouco.
- Eu também queria ficar com você... Mas tenho medo desse cara voltar e me jogar pra fora pela porta dos fundos. Ele me dá medo.
- Só você para me fazer rir num momento desses.- disse, o abraçando.
- Tenho que ir agora. E você vai mandar ver. Vai me surpreender, tenho certeza.- disse ele, e em seguida, beijou minha bochecha- Te amo.
Nate saiu do camarim, não sem antes piscar para mim. Levei minha mão ao meu rosto, sorrindo.
- Anda, anda, anda!- disse Nick, entrando pela porta- Você vai entrar daqui a pouco, não podemos nos atrasar. A diretora já está falando no palco.
Comecei a andar, e de repente me curvei. Uma pontada de dor atravessou meu peito, como se alguém tivesse atirado em mim.
- Ai!- gritei, me sentando na cadeira mais próxima que encontrei. Nick me segurou, preocupada.
- O que foi, o que foi?- perguntou, me abanando.
- Não sei... É como... - olhava para o chão, tentando procurar as palavras. Olhei para Nick, a dor estampada em meus olhos- Eu senti a mesma coisa no dia em que meu pai morreu.
Ela passou a mão pelo meu ombro, tentando me acalmar.
- Tudo bem, Brianna. Tá tudo bem, de verdade. Não fique preocupada. É só entrar lá e falar tudo o que você decorou. Eu vou estar lá, sua mãe, Nate. É só olhar pra gente. Agora vamos, o.k.?
Concordei com a cabeça, o coração ainda pulsando forte. Fui para trás da cortina vermelha; a diretora tinha acabado de apresentar a peça. Elizabeth já estava lá, e como sempre, sem paciência. Ela cruzava os braços, batia o pé no chão, andava em círculos... Mas estava perfeita.
Seu cabelo louro estava trançado com fitas azuis e douradas e caía sutilmente sobre seu ombro, em um estilo grego. A sombra sobre seus olhos tinha a mesma cor, destacando o azul claro do vestido longo. Ela usava um batom vermelho vivo, mais ou menos da mesma cor que o meu.
Seu vestido possuía um decote muito baixo, em formato de V. A saia tinha tons de azul claro, escuro e dourado em um jogo de cores fantástico. Elizabeth também usava braceletes que pareciam feitos de ouro, assim como o colar- que cobria grande parte de seu peito - e o brinco.
- Você está perfeita. - murmurei.
- O quê?
- Nada.
- Você também... Eu acho. - ela disse, esfregando os braços nus.
Olhei para baixo. A luz de um dos holofotes se direcionou para a cortina, e uma música calma começou a tocar. Era a minha hora de entrar. Olhei de novo para Elizabeth, os olhos azuis claros se destacando.
Entrei no palco, sentindo borboletas no estômago. Senti centenas de olhos se direcionarem para mim, e eu gelei. Procurei rapidamente Nate na platéia, mas não o achei, o que só aumentou meu nervosismo. Só vi minha mãe, que piscou para mim e ergueu o polegar. Nick sorriu.
Então a peça começou, e eu não podia errar.
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Faces Sob Máscaras
Hayran Kurgu"Você nunca realmente conhece uma pessoa antes de descobrir, da pior maneira, o que sua máscara esconde." Elizabeth Taylor é a famosa "valentona" de Royal's College. Após a separação de seus pais, sua única regra é a de que nunca veriam suas lágrim...