Capítulo VIII - Brianna - "A primeira máscara cai"

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Tamborilei os dedos impaciente sobre meus cadernos em cima da mesa. Olhei para o relógio negro da sala posto em cima da lousa, e fiquei surpresa quando vi que tinham passado apenas três minutos desde a última vez que tinha checado o horário. Parecia que a cada um minuto na aula de física se passavam uns dez no mundo lá fora.
Abaixei a cabeça enquanto o Sr. Martinez explicava a Física Aristotélica, e me perdi em meus pensamentos distraídos sobre a "origem da vida humana", era como eu chamava as reflexões sobre tudo que tinha vivido, o que estava vivendo e o que tinha por vir. O sinal soou ensurdecedor como sempre, e eu levantei a cabeça assustada.
Guardei as coisas na mochila, e me direcionei para a cantina, pegando uma bandeja.
- Bom dia, Marlene!- sorri para a mulher atrás do balcão que servia uns molhos engraçados. Ela se virou para mim, a cara vermelha e rechonchuda marcada pelo suor do trabalho pesado e pela redinha preta de cabelo.
- O que tem de bom, srta. Collins?- retrucou ela, a expressão severa de sempre- É tão maravilhoso ser a Tia da Cantina.
- Hum, é. - murmurei e passei a bandeja para frente.
Peguei mais algumas coisas quando alguém cutucou meu ombro.
- Briza, não vou poder almoçar agora com você... É que meus horários mudaram e tenho aula de cálculo agora. Tudo bem?- Nick torcia a barra da blusa entre os dedos.
- É... Tudo, sim. Tranquilo, eu acho. - murmurei e ela correu pelo corredor, apressada, e subiu as escadas em direção à sala de aula.
Olhei para a bandeja em minha mão. Geralmente, eu e Nick sentávamo-nos à mesa do canto, mas seria ruim ficar sozinha lá. Dirigi-me então para um dos banquinhos simples de madeira que ficavam do lado de fora para respirar ar puro. Havia alguns alunos por lá, mas tinha um banquinho desocupado posto perto de duas palmeiras altas e verdes.
Me sentei nele, sentindo meu corpo relaxar. Esses dias a tensão era muito grande por causa da escola, e fazia parecer que minha visão estava embaçada. Fixei os olhos em um ponto, e em alguns minutos minha visão voltou ao normal. Eu usava óculos, mas só em casa.
Estava na metade do meu sanduíche de manteiga de amendoim quando ouvi uma voz conhecida vinda de a alguns metros de distância do banco onde eu estava. Elizabeth estava em pé na porta de vidro da cantina, conversando com alguns alunos um ano mais velhos. Ela lançou um olhar para mim e começou a andar em minha direção.
Droga. Ela deve chegar aqui e gritar "Ei, quem te deu permissão para me olhar? Vai procurar o que fazer!" pensei e virei a cabeça rapidamente. Não se sente aqui, não se sente aqui!
Porém, ouvi o velho banquinho de madeira ranger levemente quando ela se acomodou nele, e eu não pude deixar de fingir um interesse súbito pelas minhas sapatilhas cinza.
- Olá.- disse ela com calma, o que me deu a leve impressão de que eu fosse um ser desconhecido aprendendo a falar nossa língua.
Por quê diabos essa criatura está falando comigo? Em resposta, eu devo ter falado algo muito inteligente do tipo "Hã... Hã". Elizabeth riu, o que me surpreendeu. Olhei para ela, confusa.
- Hum, posso ajudar?- perguntei em um tom mais seco do que eu queria, e ela me encarou. Seus olhos azuis pareciam me analisar, talvez para entregar dados à um sequestrador, ou algo do tipo - Ér, quero dizer, assim, é, bem, se você... É...
- Fica calma, guria- disse ela, entortando um canto da boca- Eu não sou o Osama Bin Laden.
- Não sei não. - sussurrei para mim mesma, ou pelo menos tentei, porque ela gargalhou tanto que se inclinou para frente.
- Eu não sou, o.k.? Posso ser até meio vingativa, ou sei lá. Mas eu vim aqui te perguntar uma coisa... Ontem te entregaram alguma coisa, sabe, como uma máscara, talvez...
- Um objeto?
- Para o teatro.
- Ah... Não. Por quê? Você recebeu alguma coisa?
- Deixa pra lá. Temos que ir agora, não é? - disse ela antes de se levantar. Eu a segui até o corredor para pegar alguns livros no armário.
- Mas espere, o que você queria dizer com...
- Esqueça.
Meu armário ficava a vários metros de distância do armário de Elizabeth. Inseri a combinação no meu, mas um som agudo fez meu corpo inteiro se contrair. Uma voz esganiçada terminou o trabalho com meus tímpanos.
- Elizabeth Taylor e Brianna Collins, por favor, se dirijam à sala da diretora.
Eu e Elizabeth trocamos olhares nervosos. Eu hesitei e fechei o armário. Nós duas andamos pelos corredores, e eu percebi meu rosto esquentar por conta dos olhares curiosos dos alunos.
A diretora Darkbloom estava sentada relaxadamente, com suas mãos pousadas sobre a enorme mesa de madeira, os dedos entrelaçados. Ela tinha um sorriso calmo no rosto, o que me deixou mais nervosa do que eu gostaria. Ela sinalizou as duas cadeiras em frente à mesa, e eu e Elizabeth nos sentamos.
- O que foi?- Elizabeth arqueou as sobrancelhas, e a diretora lhe lançou um olhar mortal. Mas depois se endireitou e sorriu novamente.
- Não vou me estressar com pessoinhas como você, querida. Bem, eu chamei vocês duas aqui porque as roupas finalmente chegaram!- ela riu e bateu três palmas, animada. Mas eu não esbocei reações.
- Ahn... Bem, tá. Mas... E daí?
- Ai, meu Deus- ela revirou os olhos e apoiou os cotovelos na mesa- Vocês têm que experimentá-las, ora! Andem, andem!
- O quê? Não, não. Nós temos ensaio geral agora, e... Espera... Você quer que a gente ensaie com os vestidos?- franzi a testa.
- Mas é claro que não, queridinha. Manterei o mistério das roupas- a diretora sorriu, se deliciando com a ocasião - Vocês só verão a roupa uma da outra na hora da peça.
E na mesma hora eu me atirei contra a sra. Darkbloom, agarrando seu pescoço. Ela caiu da cadeira com os olhos virados, eu ainda a estrangulando.
Mas é claro que isso tudo aconteceu dentro da minha cabeça, então o que eu fiz foi ficar sentada naquela poltrona e observá-la pegar duas caixas brancas e dar uma para nós duas.
- Vão para o camarim e experimentem. Se ocorrer algum erro de costura, tragam de volta. - ela sorriu e agitou a mão - Ah, mas é óbvio que não haverá erros. Então vão logo.
- Obrigada, Vivian. - Elizabeth deu um sorriso torto e se direcionou para a porta.
- Sra. Darkbloom é o apropriado, srta.Taylor. - a diretora a corrigiu.
- Ah, não daria muita diferença Vivian ou sra. Darkbloom. Afinal, os dois nomes se referem à mesma porcaria.
- Como ousa... - Vivian começou a dizer, mas eu e Elizabeth já estávamos andando depressa pelos corredores, carregando nossas caixas, longe demais para ouvi-la.
Entramos no lugar onde ocorreria o teatro. O cenário estava começando a ser montado, mas só terminaria no dia seguinte, quando seria a apresentação. Mas, para nos familiarizarmos um pouco mais, um pouco dele já estava uma parte do cenário ali para o ensaio geral, que seria dali a meia hora. Que divertido!
Eu e Elizabeth passamos pelas várias fileiras de poltronas com estofamento avermelhado, onde os telespectadores se sentariam. Subimos no palco de madeira, atravessamos a cortina vermelha que separava o palco da parte de trás, onde ficavam os camarins e outras coisas. Várias pessoas estavam ali, colocando objetos no lugar, abrindo caixas, correndo de um lado para o outro, arranjando os detalhes finais.
Entrei em meu camarim e respirei fundo. Era um quartinho pequeno, usado anualmente por todos que tinham um papel principal no teatro da escola. Coloquei a caixa sobre um pequeno balcão e a abri. Tirei um vestido leve e de um vermelho-vivo lá de dentro. Tinha também um colar que era uma faixa fina preta, além de luvas também pretas e grandes, daquelas que cobrem quase todo seu braço.
Tirei minhas roupas e coloquei o vestido. Bem, como posso descrevê-lo? Ele me deixava mais desconfortável do que qualquer outra roupa que eu já tenha vestido.
Era tomara-que-caia. Na parte de cima, era meio apertado e se colava totalmente no meu corpo. Já na parte de baixo, caía levemente, o que era melhor. Bom, seria ainda melhor se não houvesse uma abertura que começasse na virilha, deixando à mostra totalmente a minha perna esquerda. E além disso, a parte de trás também era toda aberta, ou seja, quando eu virasse, a plateia teria o enorme prazer de ver minhas costas.
Traduzindo, se eu fosse com esse vestido ou com um biquíni vermelho para o teatro, ninguém iria notar muita diferença.
Fui até a caixa branca, querendo tirar a roupa de uma vez, mas quando eu a peguei, algo se mexeu dentro dela. Inclinei-me sobre a caixa, e vi um objeto branco e estranho. Uma máscara.
A máscara tinha bordados brilhantes com diferentes tons de vermelho e dourado, dando certo contraste com o vestido. Ela tinha penas grandes em sua lateral, da mesma cor. Puxei o elástico da parte de trás e coloquei a máscara sobre o rosto, me virando para o espelho. Ela cobria meu rosto do nariz para cima, abrindo um buraco para os olhos e narinas. Fiquei um tempo me observando, quando alguém abriu subitamente a porta, o que me fez dar um pulinho.
- Caramba!- Nick entortou a boca- Esse é o seu vestido?
- Parece que sim... - ela entrou e me analisou.
Nick era ótima em maquiagem, uma coisa com que eu não tinha habilidade. Então, eu tinha a chamado para me ajudar no dia da peça, mas ela ia frequentemente ao camarim, me ajudava com as falas e atuações, assistia aos ensaios e outras coisas. Ela se aproximou e franziu a testa.
- Hum. Você está vulgar... - ela sussurrou e eu balancei a cabeça- Está bonita.
Eu sorri e logo em seguida tirei a roupa, o que foi um alívio.

Logo depois do ensaio geral, eu e Elizabeth saímos do palco para ir embora da escola. Ela parecia nervosa. Porém, quando viramos o corredor, duas figuras estavam próximas, e elevavam a voz, pareciam discutir. Dan e Nate.
- Ei, ei! O que vocês estão fazendo?- Elizabeth franziu a testa.
- Fique longe de mim, seu miserável!- Nate empurrou Dan, o que, obviamente, o provocou.
O namorado de Elizabeth empurrou Nate tão forte, que ele voou contra os armários e bateu de costas em alguns. Ele fez uma careta de dor, mas depois se endireitou e seus olhos brilharam furiosos.
Ele colocou as mãos nos ombros de Dan, e antes que o cara pudesse agir, Nate o girou no ar e ele caiu de costas no chão. Desde quando o meu suposto namorado saía por aí aplicando golpes de sei-lá-o-que nas pessoas?
Dan se levantou em um pulo e tentou socar o rosto de Nate. Tentou. Nate desviou-se e ele acabou golpeando o ar. Alguns alunos se juntavam ao nosso redor, rindo e gritando "Ih, vai deixar?" "Uuuuuuuuuuuh!" " Puxa, essa doeu, heim?" "Aposto naquele ali!".
E depois de várias tentativas falhas, Dan finalmente acertou um soco forte na barriga de Nate, que se inclinou para frente, e, por um segundo, seus joelhos fraquejaram. Droga. Ele está sem ar. Mas não ficou assim por muito tempo. Ele ergueu a cabeça, o olhar agora era selvagem. Nunca vi tanta fúria em seus olhos.
Nate fechou a mão e a enterrou no rosto de Dan, que cambaleou para trás. Os alunos murmuraram, e eu senti os pelos de meu braço se eriçarem. Elizabeth então, estava desesperada. E, para finalizar, o doce Nathanyel virou a perna e chutou o peito de Dan, que perdeu o equilíbrio e caiu no chão. Elizabeth levou as mão à boca.

Não sei porque exatamente fiz isso. Nate estava com a perna erguida, afim de acabar de uma vez por todas com o cara, mas, num impulso, eu saltei sobre ele, agarrando seu braço.
- Nate! Ficou maluco? O que está fazendo?! Para!- ele me ignorou, a perna ainda erguida. Mas eu gritei tão alto, que minha garganta ardeu - Para!
Todos se voltaram para mim, inclusive ele.
- Brianna, se você não sair daqui, eu vou...
- Ah, vai o quê? - interrompi. Senti a raiva crescendo dentro de mim, e minha voz transbordava ódio. Naquele momento, eu não queria ser mais a menininha que obedecia a todos porque sempre tinha medo de tudo - Vai me bater? Você não tem coragem. Vai gritar comigo? Então pode fazer isso, porque eu duvido que você tenha algo a dizer. Vai descarregar nele?
Apontei para Dan, ainda caído no chão. Ele gemeu e tremeu. Pelo menos não estava desmaiado.
- Você já fez isso. Agora, só porque você está estressado e carregado com seus próprios problemas, por favor, não faça as pessoas sofrerem porque você está nervosinho. E mesmo que ele mereça - enfatizei a palavra "mereça"- não temos o direito de falar se ele merece ou não, muito menos de fazer algo para castigá-lo.
Nate me fitou. De repente, vi todo o ódio se esvaindo, e ele desviou o olhar. Balancei a cabeça e peguei seu braço, o arrastando para fora da escola.
Quando olhei para trás, Elizabeth já cuidava de Dan, que ainda gemia e tremia. Nossos olhares se cruzaram, e ela mexeu a boca, mas não saiu nenhum som. Mesmo assim, compreendi o que ela quis dizer. Obrigada.
Quando eu e Nate chegamos perto do muro da escola, eu empurrei de leve seu ombro.
- Ficou maluco? - ele desviou o olhar, envergonhado- Me explique.
- Ele me provoca, Brianna. Me irrita. Todo dia eu tenho que aguentá-lo, mas hoje eu não consegui.
- Olha Nate, ele é, digamos, popular. E quando acontece isso, é a palavra dele contra a sua, e em quem você acha que vão acreditar? - ele balançou a cabeça - Eu entendo. Mas se segure. Porque aí ele te irrita e você perde a razão. Já passei por isso. – suspirei - Bem, tchau. Tenho que ir agora.
Sorri e fiquei na ponta dos pés, e beijei sua bochecha. Ele corou e eu corri em direção á escola, para a próxima aula.
Ele me seguia com o olhar, um sorriso bobo na cara.

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