Prólogo - Parte I

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SAVANAH

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SAVANAH

Se fosse possível fazer uma avaliação da minha vida, certamente a maior parte dela seria baseada na dor, miséria e angústia. Mas apesar disso, nunca me faltou amor; e esse sentimento é o bastante para me fazer feliz, afinal, ele é o pertence de valia mais inestimável que possuo.

Os meus pais são minha base e inspiração e foi ao lado deles que atravessei os altos e baixos do início da minha doença. Muito nova, fui diagnosticada com artrite reumatóide nas mãos. Para os que não conhecem, essa doença tem como característica dores quase insuportáveis nos músculos e nas articulações. Há dias que mal consigo segurar um copo.

Desde que tomaram conhecimento da minha triste realidade, meus pais começaram a trabalhar incansavelmente, a fim de me oferecer o melhor tratamento. Entretanto, as coisas foram ficando difíceis mesmo assim, pois muitas vezes passamos necessidades.

Por mais que tentássemos conseguir algum benefício do governo por vias normais, não conseguimos. Chegamos a procurar um advogado, mas o preço cobrado foi muito alto e por isso desistimos. Meus pais foram aos poucos se desfazendo das coisas para manter meu tratamento e hoje moramos de aluguel.

Quando mais nova, sonhava em estudar, me formar, trabalhar e, com isso, proporcionar uma vida melhor para os meus pais. Lembro-me o quanto amava a escola. A doença não me impossibilita de ter uma vida normal, todavia, como citei anteriormente, tem dias que minhas mãos enfraquecem e o medo da dor faz com que eu evite o contato físico. No fim, acabei abandonando os estudos. Como sempre, meus pais apoiaram a minha decisão, e é por esse e outros motivos que eu os amo muito. Eles são meu tudo, minha fortaleza.

Hoje particularmente estou preocupada. Já passa da meia noite e eles ainda não chegaram. No entanto, resolvo esperar mais um pouco para ir atrás deles, afinal, às vezes eles fazem horas extras.

Os minutos não se apressam em passar e estou exausta. Decido ir dormir um pouco. e se eles demorarem muito eu vejo o que faço. Sigo em direção ao meu colchão, ajeitando-o no chão da sala para logo em seguida montar a minha cama improvisada. A casa é pequena, só tem um cômodo que é dividido pelo guarda-roupa e uma cortina e, mesmo a contragosto dos meus pais, o cedi para eles.

Um casal precisa de privacidade, certo?!

Sorrio me lembrando da pequena discussão que tivemos até que eles entendessem que eu não iria mudar de opinião. O sorriso se vai e meu corpo relaxa dando espaço ao sono.

Adormeço.

- Savanah! Querida, acorda! - alguém agita levemente meus ombros. Abro os olhos sentindo a claridade sobre mim, uma vez que, já amanheceu.

Sigo a mão que toca meus ombros e encontro Dona Zélia, a única pessoa que meus pais confiam neste lugar perigoso chamado favela e, por isso, tem a chave da nossa casa para um caso de emergência. Noto lágrimas em seus olhos. Sento-me rapidamente sentindo meu coração ser esmagado pela dedução de que algo não vai bem e, como se fosse um alerta, recordo dos meus pais. Levanto-me à procura deles, afinal, a pobre senhora apenas chora. A aflição toma conta de mim fazendo-me tremer quando vou até o quarto improvisado e vejo que a cama continua arrumada. Ninguém dormiu ali.

- Mãe... Pai... - os chamo mesmo sabendo que eles não voltaram ontem. Olho para Dona Zélia que agora me fita com pena. - Onde eles estão?

A mulher enfim fala algo.

- Meu amor vo... - ela funga e tenta secar as lágrimas que não param de descer. - Você precisa ser forte. - completa com muito custo.

- O que aconteceu? - indago num sussurro temeroso. - Me diz que e-eles estão b-bem! - imploro gaguejando.

Meu coração me avisara que algo muito ruim estava por vir, mas eu não estava preparada para as suas próximas palavras.

- Eles, Savanah, eles estão m-mortos, meu amor. - balanço a cabeça atordoada. - Foram vítimas de balas perdidas em um tiroteio.

Meu mundo gira e é como se o chão abrisse me levando diretamente para o inferno. As lágrimas turvaram minha visão que aos poucos escurece, tombo para o lado e me apoio na parede de tijolos logo atrás de mim.

Não eram eles, não podem ser eles, Deus não faria uma injustiça dessas!

Os sorrisos de minha mãe...

Os olhos gentis de meu pai...

Eu nunca mais vou tê-los...

Nunca mais vou vê-los... Eles se foram.

Não consigo acreditar! Ontem, antes de saírem, estavam tão contentes, sorriam abertamente e beijaram minha testa dizendo o quanto me amavam...

- Meu Deus, por quê? - minha voz sai embargada. - Por quê? Por quê? - grito repetidas vezes, tentando esvair a dor que me sufoca. Aos poucos minha voz vai diminuindo e vou deslizando até estar sentada no chão, com o rosto entre os joelhos. - Por quê? - minha voz já não passa de um simples sussurro.

Minha vida nunca mais foi a mesma a partir daquela notícia.

Nas duas semanas seguintes, a dor continuava vigente em meu peito. Sei que ela nunca irá embora, mas preciso reagir, ganhar algum dinheiro. Tentei conseguir algum trabalho. Nunca havia trabalhado na vida, pois meus pais não permitiam sabendo que isso poderia piorar minha condição, mas agora é diferente. Eu não tenho alternativas. Ou eu conseguiria um emprego, ou as coisas piorariam ainda mais.

Tentei por dias, mas as pessoas não queriam empregar alguém doente. O preconceito ainda é um dos maiores vilões deste país.

Dona Zélia ainda me ajudou durante a primeira semana, mas ela precisou se mudar para ajudar sua irmã que estava doente em outra cidade.

Sem trabalho, não tive como arcar com as despesas e, pouco tempo depois, fui enxotada da casa onde morava. Como não tinha parentes, me restou apenas a rua para chamar de lar.

Sem meus remédios, as dores se tornaram ainda mais agudas e constantes, tudo que segurava caía. Era como se eu estivesse enferrujada.

Estava suja, fazia dias que não tomava banho, me alimentava dos restos que as pessoas jogavam nos lixos e cantos. Minhas chances de conseguir um emprego eram cada vez menores senão inexistentes.

Às noites, eu dormia em um banco de praça que achei ser o mais escondido, afinal, eu temia que acontecesse algo, pois havia boatos de estupradores pela área. Por enquanto, nada me aconteceu nesse nível, mas não sei dizer até quando conseguiria me safar.

Com o passar dos dias, essa sarjeta em que estou só piora... Esta tarde fui procurar o que comer. Meu estômago estava roncando sem parar. Como não conseguia suportar levar nada nas mãos, deixei a mochila, que tinha coisas de casa, escondida próximo ao lugar onde dormia. Quando voltei, ela não estava mais lá.

- Meu Deus, quando isso vai acabar? Me ajuda... - choro descontroladamente.

As únicas roupas, cobertores e pertences que tinha estavam ali. Agora só me restava as roupas do corpo e a foto dos meus pais, que, por sorte, nunca saía do meu bolso. Como já era noite, deitei no 'meu banco' sentindo as lágrimas banhando o meu rosto. Os meus soluços e o barulho de conversas distantes eram os únicos sons que se escutava naquele lugar imenso... Me sentia solitária.

- Eu não aguento mais! - berrei com a voz estrangulada. O vento fazia meu corpo tremer e a dor nas minhas mãos fazia com que eu me espremesse contra o encosto do banco. - Me ajuda, mãe, eu sei que a senhora e meu pai estão olhando por mim, por favor, me diz o que fazer. - sussurro sentindo as lágrimas alcançarem meu pescoço.

Busco a foto deles em meu bolso, e fico observando um dos melhores momentos da minha vida. Depois de minutos, mesmo com os dentes batendo em decorrência do frio, o sono veio. Guardei a foto em meu bolso e me permiti cair no mundo dos sonhos.

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Beijinhos da Lua!

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