Fragmento 1: O Dia

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ANTES DE INICIAR A LER A HISTÓRIA PEÇO QUE DEIXEM SEUS VOTOS EM CADA CAPÍTULO. É DE EXTREMA IMPORTÂNCIA PARA A DIVULGAÇÃO DO MEU LIVRO DENTRO DA PLATAFORMA E QUE ELE APAREÇA NOS DESTAQUES DE FORMA A ATINGIR MAIS LEITORES. OBRIGADO E BOA LEITURA!

"Eu nunca fui desde a infância jamais semelhante aos outros. Nunca vi as coisas como os outros as viam. Nunca logrei apaziguar minhas paixões na fonte comum. Nunca tampouco extrair dela os meus sofrimentos.

Nunca pude em conjunto com os outros despertar o meu peito para doces alegrias, e quando eu amei o fiz sempre sozinho.

Por isso, na aurora da minha vida borrascosa evoquei como fonte de todo o bem o todo o mal. O mistério que envolve, ainda e sempre, por todos os lados, o meu cruel destino..."

Edgar Allan Poe

Vazio. Uma escuridão a envolvia. O corpo todo, cada pedaço, parte dele gritava, implorava por descanso, cuidados. Silêncio. Tum-tum. Seu coração batia descompassado. Julia sentia um apito no fundo do ouvido, impedindo que ouvisse qualquer outra coisa. A onda de choque da explosão a jogou no ar e arremessou contra o para-brisa de um carro abandonado na rua. Com poeira nos olhos pelo disparo que esfarelou parte das paredes de um prédio, ela mal enxergava o que estava acontecendo ao seu redor, mas sabia que tinha que correr. Os mortos estavam pelas ruas. Andando.

ANTES

Julia saiu da faculdade pensativa. Tinha a cabeça na prova que acabara de fazer, apesar de saber que tinha ido bem. Tinha a cabeça em casa, com os pensamentos na avó doente e na mãe desempregada. Tinha a cabeça no irmão mais novo, que tinha entrado para a Aeronáutica. A cabeça ia a mil. Julia era uma típica moça que precisava trabalhar e estudar. Estudava pela manhã e corria para o trabalho para entrar às duas horas na loja, de onde saía apenas às dez da noite. Era puxado, mas era o que botava comida em casa. Não pagava os estudos, pois tinha bolsa do governo, se não...

Entrando no ônibus após uma manhã cansativa e com prova de estatística, ela equilibrava o bilhete único na mão, o MP4, passava a mochila em cima da catraca, se segurava para não cair de cara no chão e agradecia a ajuda do cobrador que virou a roleta. Ainda teria que pegar o metrô e mais um ônibus até chegar ao trabalho. Mais um dia de vida, mais um dia de trabalho.

Ao ligar o MP4 estava na Band News. Mais um relato de conflitos civis na periferia. O que será que tinha acontecido? Normalmente são por mortes na comunidade ou ação violenta da polícia, ao menos é o que o jornal sempre noticia. Mas a explosão de violência vinha ocorrendo com estranha frequência nos últimos dias e não só em São Paulo. Ela não sabia quantos, mas muita gente tinha morrido. Não queria ouvir sobre tragédias. Colocou na 97fm e fechou os olhos enquanto o ônibus seguia seu caminho. Tentava não pensar em nada, já que sua cabeça era constantemente bombardeada por informações de várias fontes. Na facul, em casa, no trabalho maçante, de sua própria mente solitária. Estava saturada, cansada.

O ônibus parou bruscamente e ela foi jogada para frente. Não se machucou por causa da mochila no colo com seu material, sua marmita e sua blusa de frio. Mesmo com o sol lá fora, ela sempre carregava um agasalho. Julia tirou a franja da frente do rosto e tentou ver o que acontecia, mas todo mundo no ônibus teve a mesma ideia. Parecia uma briga. E injusta, porque três caras atacavam outro que apanhava e levantava. Vinha para cima com mais violência que antes, mordendo, grunhindo. O pânico tomou conta do ônibus quando um segundo homem começou a bater na porta da frente e o motorista se recusou a abrir a porta. O homem grunhia violento e batia os punhos conta o vidro da porta. Sangue esguichou no para-brisa e as pessoas começaram a forçar a porta de trás para sair. O próprio motorista e o cobrador pularam a catraca para sair, atabalhoados, afunilados com os outros que abriram a porta e correram pela pista. Julia ficou parada no lugar, segurando nos ferros de apoio dos bancos, sem saber o que fazer. O sangue rubro ainda brilhava em suas vistas. Do lado de fora, as pessoas gritavam e corriam, desviando dos vândalos violentos que atacavam as pessoas, as mordiam, a ponto de arrancar pedaço.

Como se um instinto de sobrevivência gritasse em seu inconsciente, ela disparou pelo corredor do ônibus e pulou os degraus até o asfalto. O metrô Belém estava do outro lado do farol. Mas o cenário que Julia via era de caos. Pessoas corriam entre os carros enquanto um ônibus da polícia parecia ser o foco da desordem. Era daqueles que carregavam presos e talvez tivesse alguns daqueles que causavam os conflitos que eram noticiados. Eles atacavam pessoas, qualquer uma, sem critério. Com medo de ser a próxima, Julia correu por entre os carros parados e abandonados pelas pessoas e seguiu com a pequena multidão que decidiu buscar abrigo no metrô. Carros da PM vinham de todas as direções da Radial, motos da ROCAM, todas se dirigindo para o foco do conflito. Mas do alto do mezanino da estação, Julia via focos de incêndio e rolos negros de fumaça subindo aos céus em vários pontos da cidade. São Paulo estava em chamas e em pânico. Que tipo de rebelião era aquela? As pessoas protestavam sobre o que?

Gritos e pânico chamaram sua atenção. Um grupo chutava e esmurrava as pesadas grades que trancavam a estação Belém. Um cordão de urubus, os seguranças do metrô que por usarem preto de cima a baixo ganharam essa alcunha e que estavam atrás das grades, na parte de dentro, avisava que a estação estava fechada e que as pessoas deviam se afastar das grades e das passarelas. Teriam que voltar para casa de ônibus ou a pé. Enquanto a discussão continuava, Julia sacou o celular. Ligou para o número 1 da agenda. Sua casa. Mas a chamada não completava. Tentou o celular do pai, que via umas duas vezes por ano, mas era seu pai. Nada. Tentou o celular da melhor amiga, Adriana. Nada. Nervosa, ela discou para o 190 da Polícia Militar. Tudo o que ouviu foi uma gravação de que o serviço estava sobrecarregado de chamadas e que deveria tentar mais tarde. Foi o mesmo com o 193 dos Bombeiros. O mesmo com o Samu.

Sua casa era longe da faculdade. Sem poder pegar metrô e querendo evitar a confusão na Radial, ela teria que se virar com ônibus. Correu para o outro lado do mezanino, vendo as pessoas tentando derrubar a grade ou descer pelos elevadores. Logo a situação se descontrolaria e seria perigoso mesmo permanecer na estação. Julia desceu pelas escadas o mais rápido que pode e viu um vai e vem descontrolado de pessoas assustadas, chorando, tentando usar o telefone. Julia tentou o celular e viu que estava sem sinal. Os orelhões estavam todos ocupados e as pessoas xingavam pela falta do serviço telefônico. Pela rua, ela conseguiu ver alguns policiais e correu até um deles para saber o que estava acontecendo. De arma na mão, ele viu sua aproximação e olhou desconfiado, mas foi solícito.

_ Sargento, o que tá acontecendo?

_ Vai pra casa, moça - ele foi sério.

_ Mas... o que?

_ Vai pra casa, a coisa vai piorar. Não fica na rua, vai pra casa, se protege, protege a família. Vai.

Um ônibus saía da estação de ônibus em direção ao Parque Dom Pedro II, terminal urbano importante da região central da cidade. O sargento da polícia ergueu a mão e pediu que ele parasse e abrisse a porta.

_ Sobe, vai embora.

Agindo de maneira automática, Julia subiu. Viu o olhar do policial por mais um segundo, enquanto o carro seguia, e depois ele sumiu entre as pessoas que andavam a esmo. Pelo caminho, as pessoas queriam entrar nos ônibus, se acotovelavam. Sentada num banco no fundo do ônibus, Julia se tocou que estava com o rádio ligado. Tirou do som eletrônico que tocava e colocou na rádio Bandeirantes. No meio de muito chiado, ela conseguiu ouvir:

_ ... o que se sabe é que os distúrbios civis estão se espalhando. Batalhões da Polícia Militar estão sendo enviados para as ruas para conter os revoltosos, que atacam as pessoas com muita violência. Fiquem em casa ou em local seguro e evitem as ruas. Notícias de distúrbios também chegam do Rio de Janeiro, Baixada Santista, Campinas, região do ABC. Repetindo, não sabemos a causa, ainda não temos informações sobre os distúrbios, mas até agora, somente na capital, desde segunda feira, cerca de 67 pessoas morreram, são mortes confirmadas. A presidente deve entrar em rede nacional ainda hoje.

Julia pensou ter ouvido errado. Ninguém sabia o que estava causando aquela violência e ainda assim ela viu sangue esguichando de pessoas atacadas em plena Radial Leste. Aquilo não estava acontecendo. Ela sentia a adrenalina bombando pelo corpo, enquanto imaginava se estava tudo bem em casa. Seria um longo caminho até o Imirim.





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