Fragmento 21: Nos Trilhos

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"Nossa existência não é mais que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão."

Vladimir Nabókov


Sâm sentou no chão segurando o choro de desespero e tristeza por Paulo, executado, abatido como um animal. A Fúria vasculhava o terminal em busca de qualquer coisa que servisse como moeda de troca, mas já não tinha muita coisa por ali. Pegaram algumas roupas das lojas e outras bugigangas, mas no final, não tiveram tanta sorte. Nem usar o rádio ela podia, pois os capangas da milícia poderiam ouvir.

Seu coração pulou descompassado com alguém mexendo na tranca da porta.

_ Fechada!

Ouviu o homem gritar e seus passos se afastarem. Uma segunda vez alguém tentou sem sucesso e Sâm podia ouvir uma conversa indistinta ao longe. Após umas duas horas abaixada no chão sujo do banheiro, sentindo o suor verter da testa, com a arma engatilhada no colo, A Fúria deixou o lugar.

Tentando olhar pela fresta da porta, ela nada conseguia ver além do piso de granito do mezanino. Desvirando a tranca com cuidado para não fazer barulho e ainda rente ao chão, Sâmela espiou o lado de fora. Nada. Nenhum movimento. Sujeira e folhas pelos corredores, cadeiras e bancos. Dando passos difíceis por estar agachada, ela conseguiu sair do banheiro e se jogar rente à mureta por onde observou as catracas da estação. As grades que trancavam a entrada do metrô estavam caídas, talvez quando a população entrou em pânico e tentou invadir o lugar. Mas fora isso, não havia movimento. Quando olhou para o lado de fora, reparou que tinha problemas.

Estava escurecendo. E ficar à noite na rua não era nem um pouco seguro. Como se não bastassem os zumbis nas zonas de sombra, tinha muito marginal que conseguia se virar sozinho e matava quem aparecesse pela frente.

Quando tentou usar o rádio, ele apitou o sinal de bateria fraca. Era o que faltava...

_ Que merda... – ela murmurou.

Rodando no lugar sem saber exatamente o que fazer, Sâm respirou fundo, prendeu novamente o cabelo, pondo mechas irregulares no lugar e olhou ao seu redor. Se conseguisse correr pela avenida principal até o prédio da polícia federal talvez chegasse a tempo.

Um barulho repentino a assustou. Apontando o pesado fuzil para a fonte do som, ela nada viu. Pensou ter ouvido passos. Uma garrafa pet vazia saiu rolando de trás de um quiosque do Rei do Matte. Outro zumbi? Caminhando com cuidado, Sâm foi chegando perto. Mas não havia nada. Ao olhar no fundo do mezanino, viu o alojamento dos funcionários e seguranças, onde havia refeitório, vestiários e sala do supervisor. Achou estranho a porta balançar. O vento batia de norte para sul, não de leste para oeste. Ajeitando o fuzil no ombro e deixando o dedo no gatilho, ela caminhou até lá. Sabia que no fundo da estação existiam escadas de serviço que levavam aos trilhos. Saindo pelos trilhos, seu caminho seria mais fácil do que pela avenida. Contornando bancos, balcões e quiosques, ela olhou para o interior. A porta do fundo estava aberta, jogando um pouco de luz do dia lá dentro. Em breve, Germano acenderia as luzes.

Qual não foi sua surpresa quando uma sombra empurrou a porta e a derrubou com violência no chão. Um tiro disparado de susto parecia ter deixado a figura ainda mais descontrolada, que arrancou o fuzil de Sâm e o jogou deslizando pelo chão. Munido de um cassetete preto, o indivíduo começou a bater em Sâm com violência, mas ela se protegia com o braço. Prendendo um pé atrás do calcanhar do agressor, ela bateu em seu joelho com o pé livre e ele caiu gritando de dor por sobre o joelho bom. Antes mesmo do cassetete cair no chão, Sâm o pegou no ar e bateu em sua cabeça com força.

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