Fragmento 22: Fuga

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"Horror, terror, medo e pânico: são essas as emoções que nos marcam, nos diferenciam da multidão e nos condenam à solidão"

Stephen King

Tudo ficou muito confuso naquele momento. Ela sentia que flutuava no escuro, ouvindo um barulho distante, sem conseguir definir nada exatamente. Pensou ter ouvido seu nome ser chamado algumas vezes, mas ao mesmo tempo em que parecia flutuar, seu corpo era açoitado por dezenas de pequenas peças pontiagudas, que corriam por sua pele.

Mas aos poucos os ruídos foram ficando mais distintos. De fato, alguém chamava seu nome. E ele não parecia muito simpático, pois parecia gritar: "SÂM!" Mas o que diabos estava acontecendo?, ela pensava.

_ Acorda, Sâm! Porra, me ajuda aqui!

Tiros. Grunhidos próximos. Barulho de explosões. A cabeça de Sâmela rodava pelo espaço vazio que era sua mente agora. Seu rosto estava coberto por algo pegajoso, já meio frio. A cabeça doía como se fosse rachar no meio. As pequenas pontinhas que arranhavam sua pele eram os pedriscos dos trilhos da CPTM, pois alguém a puxava pelo braço com pouco jeito.

_ SÂM! ACORDA!

Um chacoalhão em seu braço que quase soltou seu ombro do tronco a fez voltar à vida e à noite maldita de escuridão, zumbis e confusão. Estava no chão e olhou para cima, vendo seu colega Fábio, ou Hunter como o chamavam na polícia, pois ele costumava ficar de guarda, caçando zumbis com seu fuzil da guarita do prédio. Ele atirava com precisão e rapidez em tudo o que se movia e a cobria, com um joelho no chão para apoiar melhor sua arma.

_ ... Hunter? É você?

_ Não, filha, Cinderela. Tira essa bunda do chão, me ajuda!

_ O que você tá fazendo aqui?

_ De nada, tá? – ele a olhou indignado.

Vendo que estavam cercados, Sâm assumiu a mesma posição que ele e começou a detonar alguns zumbis que chegavam. Com a mira meio prejudicada pela batida na cabeça, ela dava um tiro a mais para derrubar alguns errantes, mas no fim, com um pouco de trabalho em conjunto, eles conseguiram limpar a área. Se não mataram de vez todos eles, ao menos estavam com joelhos estourados e não podiam andar.

Puxando um lenço no colete e abrindo seu cantil, Hunter jogou água nele e entregou à Sâm. Seu rosto estava coberto por uma camada grossa de sangue coagulado e um galo na cabeça indicava o corte por onde ele se esvaiu. Ela limpava ainda meio trêmula, insegura, enquanto Hunter a olhava.

_ Achei que a gente tivesse te perdido lá na Barra Funda – ele enfim disse.

_ Por um momento, quase perderam.

_ Cadê o Paulo?

_ A Fúria o pegou – ela lamentou.

Hunter sacudiu a cabeça, ajeitando a correia do fuzil no ombro, bufando e praguejando.

_ Mas e você, o que faz aqui? – ela perguntou de novo.

_ Eu estava no túnel. Germano mandou a gente não tentar procurar vocês, mas eu não podia ficar quieto. Ele prendeu o Luciano por insubordinação e tá aquartelado no prédio.

_ E essas explosões?

_ A Fúria resolveu atacar a gente. Por isso ele não acendeu as luzes.

_ E por onde você veio?

_ Pelo túnel, oras.

Um ano antes, a prefeitura e o governo do estado de São Paulo tinham iniciado as obras da linha laranja do metrô, vindo da Brasilândia, passando pela Lapa, e seguindo rumo às Perdizes. Como eles vinham cavando para enterrar as linhas áreas de trem e metrô, vários túneis subterrâneos estavam abertos. Desde que os zumbis surgiram e tudo foi para o inferno, Germano selou todos os túneis e deixou um de ida e volta para o terminal para servir como local de espionagem. Todos gostariam que o túnel fosse até a Barra Funda, mas pelo menos a Fúria não conhecia esse detalhe.

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