"A verdadeira função do homem é viver, não existir."
Jack London
Chacoalhando na Blazer por tanto tempo, Julia sentia que ia desmaiar a qualquer momento. A cabeça rodava com tantos acontecimentos em tão pouco tempo. Vendo que ela não estava bem, Leonardo resolveu parar e deixá-la respirar. Entendendo logo o que ele fizera, Julia saltou do carro e puxou fundo o ar úmido. A cabeça ia explodir a qualquer momento. Seu nariz começou a sangrar e antes que percebesse, Leon lhe estendeu um comprimido de analgésico, uma garrafa de água e um pacote de lenços. Ela engoliu o analgésico sentindo o gosto férreo do sangue misturado à água, mas ainda tremia nervosa pelo ocorrido.
_ Calma, respira fundo... Deixa eu ver.
Leonardo segurou sua cabeça com gentileza e a inclinou para trás, pressionando seu nariz e contendo o sangue com lenços de papel. Ela chorava. Chorava como se tudo o que tinha vivido em tão poucos dias voltasse como uma avalanche, trazendo sentimentos contraditórios, de dor por quem morreu, de alegria por estar viva, por lembrar dos rostos das pessoas queridas que se foram.
Já estavam longe do lugar onde pernoitaram. Estavam em campo aberto no que parecia uma plantação de cana. Era uma estrada vicinal mal sinalizada e esburacada que vinha servindo com um roteiro alternativo para não cruzarem com tropas federais. Assim que o sangramento parou, Leonardo a abraçou com força, sentindo-a soluçar com o choro convulsionado, um desespero contido há muito tempo. Não podia culpá-la pelo pranto. Ele mesmo poderia estar neste estado. Quem era para julgar? Tudo o que podia fazer era mantê-los vivos. Não disse isso a ela, mas por pouco não a deixou no asfalto. Corria de volta para o seu apartamento, ali perto, numa rua paralela, após perder quase toda a sua equipe, quando viu a explosão que também o lançou alguns centímetros no ar. Viu quando Julia, mais próxima da ponte, voou para trás com a onda de choque e bateu violentamente a cabeça no chão. Sabia que ela viraria uma daquelas coisas se permanecesse desmaiada na Marginal e por isso a colocou sobre os ombros e a levou embora.
Julia o apertou com força, querendo esconjurar os sentimentos ruins. Tinha medo de morrer, medo de não morrer e ficar como um daqueles zumbis, medo de ficar sozinha. Parecia que tudo estava ficando mais difícil. Encontrariam um pouco de paz naquele mundo virado de pernas para o ar? Leonardo precisava também daquele abraço, daquele calor perto de si. Estava vivo.
O farfalhar no canavial o deixou alerta. Tentou apurar os ouvidos e percebeu que algo vinha na direção deles.
_ Entra no carro – sussurrou em seu ouvido.
Sacando sua arma e a empunhando, ele deu a volta pela frente do veículo para entrar. Foi então que um dos zumbis saiu do canavial em sua direção, parte do rosto arrancado por uma mordida e seu crânio foi perfurado por um tiro. Outro veio do outro lado da estrada, mancando, sem um pedaço do pé. Num volteio rápido, Leonardo se esquivou, chutou o zumbi no estômago e assim que ele caiu, estilhaçou sua cabeça. Pelo aumento no farfalhar da cana e pelo cheiro ruim de carniça, mais estavam a caminho. Hora de sair dali.
Pelo retrovisor, ele viu meia dúzia sair da lavoura sem chances de tentar seguir o veículo. Estavam em todos os lugares? Como estava se espalhando assim tão rápido e em tão pouco tempo?
_ Eu nunca te agradeci – Julia murmurou.
_ O que? – ele não entendeu, pois estava de olho nos zumbis na estrada lá para trás.
_ Você me tirou da zona de perigo, tem me carregado sem ter obrigação... eu...
_ Para – seu olhar era de advertência – Tá? Para. Eu teria feito por qualquer outra pessoa, você não tem que me agradecer. É minha função, proteger e servir – falou com certa ironia e assumiu o tom sério – Mas você não tem que se sentir culpada por nada do que aconteceu nem pela situação atual. Nós dois estamos nessa, a gente tem é que pensar no que fazer agora.
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MUNDO Z
HorrorE se no meio de um apocalipse zumbi, você se encontrasse na maior capital do país? O que você faria?