MUNDO Z

Fragmento 8: Mortos

"Um monstro jaz à espreita dentro de mim uma confusão de feridas e penúria porém mais furioso ainda em vida e poder, o eu que jaz à espreita dentro dele."

Clive Barker

Julia sentiu que o véu do sono lhe caiu pesadamente, pois acordou apenas por sentir-se desconfortável. Estava encostada de uma maneira pouco ergonômica no banco do passageiro e sentia a boca seca. O sol raiava firme no horizonte. Seu relógio marcava duas da tarde, apesar de achar que ele estava um pouco atrasado. A Blazer estava parada. Leonardo não estava no banco do motorista. Então ela despertou de vez. Olhando em volta via que estava numa área descampada com uma estrada de terra vindo ao longe. Todo o chão era coberto por pedriscos e havia uma abundante mata ao redor. Por que estavam parados? Nem o fuzil estava lá dentro, então Leonardo estava do lado de fora.

Abrindo a porta e descendo, Julia sentia sua perna direita formigando pelo tempo em que esteve adormecida em tão má posição. Olhou em volta e levou um susto ao ver pernas estiradas nos pedriscos. Não era Leonardo, era um daqueles malditos zumbis, com a cabeça estilhaçada pelo tiro do fuzil de Leonardo, cujo sangue se esvaiu cobrindo uma grande área de escarlate. Mais à frente, numa pedra, Leonardo estava lá em pé, seu fuzil nas costas. Ele olhava o horizonte em silêncio, sem praticamente se mexer. Alguma coisa tinha acontecido.

Olhando em volta, tendo certeza de que não seria atacada, Julia caminhou até ele. Impossível não perceber que alguém caminhava pelo barulho dos pedriscos na sola de seu tênis, mas Leo nem se moveu. Ela escalou a pedra onde ele estava e então viu porque sua observação era tão severa. Havia o braço de um rio ali. Dentro dele um caminhão com as portas traseiras abertas. Dezenas de corpos boiavam na água, sendo levados pela correnteza. Alguns sacos pretos de necrotério se mexiam, mostrando que havia zumbis lá dentro. Corpos amarrados em mortalhas de hospital iam embora com a corrente, alguns se mexendo. Olhando para trás, Julia conseguiu ver as marcas de pneus nos pedriscos sulcando a terra profundamente. E então imaginou a cena. Alguma coisa aconteceu ao motorista, o caminhão ficou desgovernado e voou para dentro do rio, ficando parcialmente submerso e encalhado. As portas se abriram ou foram abertas e os corpos começaram a boiar. Alguns morreram afogados, outros simplesmente não conseguiam sair dos sacos pretos e mortalhas.

Como se estivesse cansado de ver aquilo, Leonardo desceu respirando fundo o ar ainda salutar do local. Julia o viu pegar o corpo do zumbi e jogar no rio. Ele então voltou para o carro, abriu o porta-malas e abriu uma garrafa de água dando vários goles. Apesar de parecer lidar com a situação, ela acreditava que Leo estava frustrado por se ver inerte diante da situação complicada em que estavam. Como policial treinado para lidar com esse tipo de situações de crise, ele não podia fazer muita coisa. Julia andou novamente até ele, pensando no que dizer.

_ Leo...

_ Rio Juqueri – ele disse rapidamente, para evitar outros tipos de pergunta – Esse é um dos braços dele. Não sei quanto a você, mas eu estou com fome.

Montaram um pequeno piquenique próximo à pedra grande do terreno. Assim ficavam de frente para a estrada e para as outras direções de onde podiam vir aquelas coisas. Sem cerimônia, eles comeram frutas frescas, barras de cereal e alguns chocolates. Tinham bastante comida ali, além de água e suco, mas teriam que racionar se não encontrassem um lugar seguro para ficar. Comeram em silêncio, nada tinham a dizer por enquanto, cada um com seus demônios particulares, cada um enfrentando sua dor e sua perda, sem muita perspectiva. Julia viu então um rolo de fumaça no horizonte. Parecia bem longe deles, mas era visível contra o céu azul de outono. Leo percebeu sua atenta observação e olhou também.

_ Isso aí é na Fernão Dias.

_ Estamos tão longe assim? – ela se espantou.

_ Tive que procurar estradas alternativas pra evitar as grandes e os possíveis bloqueios. Essa fumaça é de um deles. Teve uma explosão um pouco antes de você acordar.