CAPÍTULO 37

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Acordei em uma cadeira desconfortável. Todo o meu corpo doía, estava exausta por completo. Mas algo me dizia que não era hora para se queixar de dores ou sede. Eugene olhava para mim com um pavor comum estampado nos seus traços. Pressionava um pano ensopado de sangue na cabeça de Tara - parece que havia se ferido seriamente - seu corpo inerte sobre uma maca improvisada.

_ O quê? _ falei desnorteada _ o que aconteceu?

Ao me levantar uma tontura tomou parte do meu corpo. Cai rapidamente sobre a cadeira desconfortável. Eugene moveu uma das mãos gordas gesticulando para eu ficar quieta. O cheiro rançoso denunciou um pequeno enxame de errantes por perto.

_ Cadê os outros? _ digo aos sussuros.

_ Foram atrás de uma saída. _ Engoliu em seco.

Assinto.

Vou até a porta fraca de plástico que nos separa dos corpos reanimados fétidos. O lugar está escuro e coberto pela fumaça, me recordo de imediato o que houve. Tirando os sons dos mortos, tudo parecia quieto demais para mim.

_ Temos que sair daqui. _ Corro pela sala olhando algo para distrair os errantes que estão perto de onde entramos. _ Eles lhe deixaram alguma arma, ou sei lá.
Corro meus olhos sobre o homem robusto e esquisito a minha frente. Dava para sentir o seu cheiro almiscarado, a essência do seu medo.
_ Eugene! _ Falo alto, ouço dentes raivosos mordendo o ar do outro lado da porta.

_ Não podemos. _ Ele dá de ombros voltando seus olhos medrosos a Tara. _ Se eles voltarem...

_ Este lugar está impostado daqueles sacos de pus asquerosos _ engoli uma massa de ódio presa na minha garganta _ , Glenn e os demais podem estar presos por estas coisas. Podem estar precisando de ajuda... Da nossa ajuda.
Continua olhando para Tara.
_ Ela salvou sua vida _ continuo _ , eu, o Glenn. _ Puxo o maximo de ar que entra queimando meus pulmões. _ Devemos a eles. Você mais do que qualquer um de nós. _ toco gentilmente em seu braço coberto pelo sangue escuro de Tara.

O observo suspirar. Levemente sua cabeça mexe para cima e para baixo. Eu, sorrio mostrando de alguma maneira que isso era o certo a se fazer.
Procuro desesperadamente por balas para o rifle de assalto, as duas pistolas automáticas pende em um coldre na minha cintura - ambas com pentes carregados. Vejo um machadinha dentro de uma caixa de incêndio presa na parede, uso um quatro pequeno para quebrar o vidro, pego, o entregando para Eugene. Que o agarra assustado.
_ Não sei como usar isto.
Revirei os olhos, incrédula.
_ Não tem o quer explicar, se um deles chegar perto demais acerte na cabeça. E outra, estarei com as armas em mãos. _ Prendo meu cabelo com mais força no rabo de cavalo. _ Você a carregará em seus ombros, ou como achar mais conveniente. Eu vou na frente abrindo espaço para passarem. Olha, nós iremos ter que fazer barulho, as armas vão disparar a cada nanosegundos. Terá de ser rápido. Sua vida e a dele depende disso. OK?

Ele assente.
_ Ótimo, ótimo... Cadê o sinalizador?

_ No bolso esquerdo da mochila. _ Levanta o indicador, treme nervosamente.

Quando o pego vejo que só tem um disponível. Vou a porta tentando deduzir quantos deles estão perto demais dela. Infelizmente são muitos. Terei de fazer algo a respeito.

_ Eugene _ o chama com a mão na maçaneta da porta _ , mudança de planos.

_ O quê? _ Pisca os olhos diversas vezes. _ Onde vai?
_ Terei de atraí-los para outro lado do saguão. Me dê a machadinha. _ Ele hesita. _ Rápido.

Ergue a mão. Está muito tenso.

_ É o seguinte: eu vou levar aqueles dali, _ aponto para a porta aberta no inferior _ até o fundo. Fique atento a porta. Quando ver que todos, TODOS, saindo de lá... Corra. Corra o mais rápido que puder para fora.

Ele assente.
_ O que faço depois?

Giro devagar a maçaneta.
_ Vá para o carro. Se eu não aparecer em 30 minutos volte a comunidade.

Fecho a porta. Agora é só eu e os mortos.

Ascendo a lanterna deixando o feixe de luz amarela tomar conta a frente. Estou nervosa. Minha mão engordurada pelo suor frio quase fazendo a arma escorregar. Ando lentamente, virando a lanterna conforme minha cabeça vai mexendo. A sensação de estar enfrentando a morte arrepia a espinha. Ouço dentes raivosos batendo sem parar, o cheiro forte de vermes, bolor e bile me faz querer vomitar. Anos de praga e não me acostumei com o odor que queima as vias nasais, creio que nunca irei me acostumar.
Tomei distância suficiente dos errantes a saída e os dos fundo do saguão. A única questão era que: se eu precisasse fugir estaria encurralada. Pois atrás de mim havia uma enorme parede sem nenhum meio de fuga. Respirei fundo. Era agora.
Atirei em uma caixa de fusíveis, causando uma enorme barulheira. Os grunhidos, dentes estalando no ar, caminhar arrasto levando tudo a frente, qualquer barulho não humano concluía a proximidade deles. Quase Rose, quase... sussurro a eu mesma, falta pouco garota. Esperei que se aproximassem o suficiente. Aos que chegaram antes da hora, disparei em suas respectivas cabeças fazendo jorrar massa encefálica, sangue e bile preta no chão.
Há aproximadamente 30 deles ao redor formando uma espécie de ciranda-cirandinha macabra e nojenta. Exalando extremo odor de morte por todas as direções que vejo. Meu ar está escasso, o nervosismo, o medo de morrer por conta dessas coisas é o mais apavorante.
De relance, Eugene passa com Tara suspensa em seus braços roliços andando rápido.
Sinto-me aliviada.

Agora estão ao montes a espera de um delicioso pedaço da carne do meu corpo. Estou encurralada contra a parede fria do saguão, um paredão com mortos-vivos puídos forma a minha frente. Variados graus de decomposição - alguns com órgãos vitais pendurados sobre o torso; outros tão magros que parecem múmias, é possível ver vermes caminhando livremente pelos seus corpos desprezíveis.
Não há saída para mim.
Estão fechando o círculo.

As mãos esqueléticas - ou ossos - tentando arrancar um pedaço meu.

Expremo com força os meus olhos. Não sei ao certo sobre o errante que arrancou um bom pedaço do pulso esquerdo.
A única coisa que ouço é uma voz familiar. De repente, tiros e mais tiros bailam no ar.

_ Rose! _ Glenn grita.

Não consigo responder e não há o que responder. A minha pele inteira queimava. Ardia.
Me lembro de cair. Mais pedaços meus pertencem aos errantes.

Eu pertenço aos mortos.

Senti meu braço ser arrastado para longe do corpo, então, os dentes afiados cortando a carne restante logo chegando ao meu osso.

_ AAAAAAAAAH!

Minha boca fora dona de um silêncio confortável.

The Walking Dead: Algo para temer [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora